COP-21: Acordo climático depende da China e dos EUA.


COP-21: Acordo climático depende da China e dos EUA. Entrevista especial com Ronaldo Serôa da Motta

 
Foto: http://www.ifsa.net

“A principal questão é fazer com que a China e os EUA aceitem qualquer meta. Se eles aceitarem, o acordo sai, porque o mundo rateia o resto”, assegura o pesquisador.

“A humanidade sempre teve dificuldade de antever o futuro e tomar medidas que garantissem a sustentabilidade das gerações possíveis, e talvez estejamos destinados a cometer os mesmos erros dos maias, dos astecas e dos egípcios, que tiveram colapsos civilizatórios”, adverte Ronaldo Serôa da Motta em entrevista à IHU On-Line, ao comentar as dificuldades que os países têm tido no sentido de assumir metas rigorosas para conter os efeitos das mudanças climáticas nos próximos anos.  

Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line,Motta pontua que será difícil os países chegarem a um acordo global na COP-21, que ocorre em Paris no final deste ano. Segundo ele, entre os principais impasses a serem resolvidos, está o da interpretação do “princípio de responsabilidade comum, mas diferenciada”, ou seja, qual deverá ser a contribuição de cada país para reduzir os efeitos climáticos. “Essa é a principal questão, mas o problema é justamente as diferenças que são difíceis de mensurar. De todo modo, são essas diferenças que irão nortear as divisões do orçamento global de carbono”, pontua.

Ronaldo Serôa da Motta explica ainda que “há um conflito entre os critérios” no sentido de definir quais países devem assumir mais responsabilidades. Na interpretação dele, “essa questão deve ser lida no sentido de entender qual foi a contribuição de cada país para o aquecimento global. Os EUA, por exemplo, começaram a emitir gases de efeito estufa muito antes que os outros países e, nesse sentido, eles contribuíram mais. Mas é claro que daqui a 20 anos, com o crescimento da China, da Índia e do Brasil, a emissão desses países será maior, então haverá essa convergência. (…) Temos de compreender que a contribuição de cada país é dinâmica ao longo do tempo, porque depende do nível de emissão anual, que vai afetando o nível de estoque de gases”.

Contudo, as expectativas de Motta para a formulação de acordo global na COP-21, o qual substituiria o Protocolo deKyoto, não são muito otimistas. Segundo ele, por causa da crise econômica internacional, a tendência é que os países assinem um “acordo gradualista”, com metas pouco ambiciosas até 2030, “adiando para 2050 as grandes reduções”.

Ronaldo Serôa da Motta é doutor em Economia pela University College London e professor de Economia do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Foi coordenador de Estudos de Regulação e de Meio Ambiente do IPEA e diretor da Agência Nacional de Aviação para as áreas de Pesquisa e Relações Internacionais.

Confira a entrevista.

Foto: http://conservation-strategy.org

IHU On-Line – Quais são as principais barreiras comerciais, econômicas e políticas que dificultam a implantação de políticas de regulação de gases de efeito estufa?

Ronaldo Serôa da Motta – O que existe é um conflito de interesses dos países signatários da Convenção em termos de quem irá assumir as responsabilidades no que se refere à redução de emissões que cada país tem de fazer. A quantidade total de emissão sobre toneladas de carbono recomendada pelos cientistas não pode passar de um trilhão, porque senão a temperatura aumentaria acima de dois graus. Assim, esse orçamento de carbono tem de ser dividido entre os países, mas a dificuldade é que cada país quer uma parte maior desse orçamento a partir de uma justificativa. O que será feito na COP-21, em Paris, será justamente tentar chegar a um consenso de como dividir esse orçamento.

IHU On-Line – Uma das propostas da COP-21 é atribuir princípio de responsabilidades comuns, porém diferenciadas para cada país. Como vê essa proposta, dado o embate entre os países desenvolvidos e os que estão em desenvolvimento?

Ronaldo Serôa da Motta – Essa é a principal questão, mas o problema é justamente as diferenças que são difíceis de mensurar. De todo modo, são essas diferenças que irão nortear as divisões do orçamento global de carbono. Há um conflito entre os critérios, por exemplo, quem emite mais hoje não quer dizer que tenha contribuído mais para oaquecimento global, porque o que vale é a quantidade de tempo que um país emitiu, já que os gases ficam mais de 100 anos na atmosfera. Então, a contribuição de cada país depende do ano e da forma como se medem as emissões. Além do mais, os países percebem danos diferentes com o aquecimento global: alguns países, como os da Europa, consideram que irão sofrer muitos danos e, por isso, têm mais interesse em colaborar; por outro lado, países que acham que os danos serão menos prejudiciais, têm menos interesse em colaborar.

Essa é a questão que não se resolve e para a qual se pretende definir uma métrica na COP-21. Nesse sentido, o governo francês quer que essa meta seja definida antes da COP-21, ou seja, na reunião que antecede a Conferência, em outubro. O governo está jogando pesado para que se chegue a um consenso sobre a forma de rateio desse orçamento de carbono.

IHU On-Line – Como deveria ser lido esse princípio de responsabilidade comum, mas diferenciada? As metas mais robustas devem ser assumidas pelos países desenvolvidos ou pelos em desenvolvimento?

Ronaldo Serôa da Motta – Essa questão deve ser lida no sentido de entender qual foi a contribuição de cada país para o aquecimento global. Os EUA, por exemplo, começaram a emitir gases de efeito estufa muito antes que os outros países e, nesse sentido, eles contribuíram mais. Mas é claro que daqui a 20 anos, com o crescimento da China, da Índia e do Brasil, a emissão desses países será maior, então, haverá essa convergência. Hoje a contribuição de alguns países é menor, mas se, por exemplo, a China continuar crescendo mais do que a Europa, ela terá uma responsabilidade maior no futuro.

Temos de compreender que a contribuição de cada país é dinâmica ao longo do tempo, porque depende do nível de emissão anual, que vai afetando o nível de estoque de gases. Essa é a confusão. Como vamos resolver isso? Essa é uma questão geopolítica e teremos de ver se os países terão interesse ou não de fazer um esforço, acomodando alguns países relutantes como a China, e dando para os chineses algumas emissões gratuitas, ou seja, um orçamento maior, desde que eles reduzam algo, ou isentando os países africanos muito pobres e isentando também a Índia. OBrasil tem pouca contribuição e não será afetado diretamente.

A principal questão é fazer com que a China e os EUA aceitem qualquer meta. Se eles aceitarem, o acordo sai, porque o mundo rateia o resto. O que não pode acontecer é o mundo aceitar a responsabilidade de controlar as emissões e a China e os EUA não se comprometerem. Uma vez que China e EUA se comprometam com metas que possam ser verificáveis e críveis, o resto do mundo se encaixa, porque a Europa está disposta a bancar reduções de emissões que os outros não fizerem, mas ela espera que os demais aceitem ao menos algumas metas.   

"O que não pode acontecer é o mundo aceitar a responsabilidade de controlar as emissões e a China e os EUA não se comprometerem"

 

IHU On-Line – O acordo bilateral entre EUA e China poderá ter algum impacto na COP-21, ou os países assinaram esse acordo bilateral justamente para não se comprometerem num acordo global?

Ronaldo Serôa da Motta – Eles estão tentando fazer, paralelamente, uma troca de tecnologia, porque eles têm interesse num avanço tecnológico, pois sabem que no futuro a tecnologia limpa será importante. Então, eles estão tentando fazer um acordo paralelo à Convenção justamente para mostrar que, caso ela fracasse, eles têm um acordo.

IHU On-Line – Qual é o peso da economia nas discussões e decisões acerca da redução de CO²? Quais são os entraves postos pela economia e, por outro lado, que mecanismos positivos foram pensados a partir da economia?

Ronaldo Serôa da Motta – Na questão das mudanças climáticas existem duas linhas. A primeira delas é em relação à agricultura no sentido de melhorá-la diante dos efeitos climáticos, uma vez que não é só o aumento da temperatura que causa problemas, mas também a alteração da temperatura faz com que o equilíbrio do planeta se altere e haja períodos de chuvas e secas mais intensos, o nível do mar aumenta e começa a ter um sistema de clima completamente diferente do que se está acostumado a ver. Isso traz, para qualquer país, um desarranjo na sua estrutura, além de consequências econômicas muito sérias. Inclusive, gera fluxos migratórios muito fortes, como se observa com os refugiados que estão indo para a Europa.

A outra forma é criar alternativas de mitigação, de defesa. Outra maneira ainda é justamente reduzir as emissões. Essa capacidade de reduzir emissões têm custos diferentes para cada país. Então, criam-se mecanismos que permitam que esse esforço seja mais barato através de países que possam contratar a redução de emissões em outros países, porque tanto faz em que país as emissões serão reduzidas, porque na atmosfera isso terá o mesmo efeito climático. Por isso existem mercados de carbono, os países plantam e protegem florestas.

Há uma reflexão de que em países em desenvolvimento, que não têm um nível de desenvolvimento energético muito alto, é mais barato reduzir emissões porque eles podem adotar energias limpas e de eficiência energética. E, como o PIB deles é menor, o efeito sobre a renda é menor. Então se criou o mercado de carbono para que os países ricos fossem nos países pobres e fizessem a redução das emissões de carbono por um custo muito menor do que se fossem fazer em seus países e, com isso, as emissões caem.

Redução de emissões via mercado

Esse mercado não acabou acontecendo de forma efetiva porque não há um acordo global. Ele só aconteceu na Europa porque a Europa decidiu cumprir o acordo de Kyoto, que é um acordo de redução de emissões só dos países desenvolvidos. Esse mercado, se tiver um acordo global, irá funcionar, porque aí todos terão obrigações e interesses em procurar lugares onde poderiam cumprir suas obrigações a custos menores.

O mesmo irá acontecer com o REED. O REED visa o pagamento a proprietários de florestas para que eles não usem a floresta para a agricultura e possam manter a floresta em pé, ou com proprietários que plantem florestas e as conservem. Mas o mercado de REED é mais complicado, porque a floresta pode pegar fogo e aí tudo que os países economizaram de carbono pode ir para o espaço, literalmente, para a atmosfera.

A Europa poderia comprar carbono ou alugar florestas no Brasil, e como a floresta não seria desmatada, a Europa estaria reduzindo as emissões no Brasil, as quais poderiam ser transferidas para os países europeus. Só que se acontecer de a floresta pegar fogo, por exemplo, tudo que foi gasto em dinheiro comprando carbono é perdido, e os países teriam de comprar carbono novamente. Então, trata-se de um mercado delicado, porque o preço do carbono é muito baixo e a quantidade de florestas que existe é muito alta, então, não tem muita atratividade econômica.

 

 

"Em termos de um acordo internacional, o Brasil nunca vai assumir metas muito rigorosas"

Experiência brasileira

O Brasil tem uma experiência um pouco diferente com o Fundo Amazônia, que é um pagamento que uns países fazem, em especial a Noruega, para o Brasil reduzir as emissões por desempenho. Eles pagam cinco dólares para cada tonelada de carbono que o Brasil reduzir. O último acordo foi de um trilhão de dólares, e o Brasil pode usar esse dinheiro como quiser para controlar o desmatamento. Mas como o Brasil aplica esse dinheiro é uma questão complicada, a qual não quero tratar aqui, porque é muito controversa.

De todo modo, esse mercado não é atrativo para um produtor rural vender carbono, porque não há uma demanda por controle de emissões, à medida que só a Europa está controlando as emissões na área energética de forma bastante significativa. E, quando eu falo de Europa, estou falando apenas da Alemanha e da Inglaterra, que são as que fazem algo, para ser sincero. Nesse caso, o controle ainda é baixo para que esses mercados funcionem de forma eficiente, mas são experiências.

IHU On-Line – Que tipo de acordo vislumbra na COP-21?

Ronaldo Serôa da Motta – Um acordo gradualista, ou seja, até 2030 devem adotar metas pouco ambiciosas, adiando para 2050 as grandes reduções. Esse resultado que teremos na COP-21 será assim porque, dada a crise internacional, vai haver um acordo global em que todos irão participar, mas a meta provavelmente não será aquela de 30%, mas talvez uma redução de 20% e o restante será postergado para 2050.     
 
IHU On-Line – Que ações foram feitas pelo Brasil para reduzir as emissões de CO² até 2020, desde a aprovação da Política Nacional sobre Mudança do Clima, em 2009?

Ronaldo Serôa da Motta – O Brasil fez um esforço muito grande em relação à redução do desmatamento, embora ela tenha sido muito mais focada na questão da biodiversidade. O país tem feito um esforço, ainda não significativo, mas importante, na redução das emissões da agricultura. Por outro lado, o país está reduzindo a participação de energia hidráulica e de biomassa na matriz energética, e usando mais termoelétricas. O Brasil está muito confortável porque ainda tem uma matriz limpa e o desmatamento já reduziu bastante. Assim, em termos de um acordo internacional, o Brasil nunca vai assumir metas muito rigorosas. Contudo, isso é ruim porque pode, inclusive, inibir um desenvolvimento tecnológico. Os países que tiverem metas rigorosas serão capazes de desenvolver novas tecnologias. Esse é um grande desafio para o Brasil.

IHU On-Line – Quais devem ser as contribuições do Brasil na COP-21?

Ronaldo Serôa da Motta – O Brasil terá uma participação muito mais de intermediário entre países desenvolvidos e em desenvolvimento do que propriamente apresentará uma contribuição significativa de mitigação. Como disse, o Brasil tem uma condição favorável porque não é um país em desenvolvimento que está prejudicando a negociação em termos de emissões e, por isso, vai tentar fazer uma intermediação entre EUA, Europa e China.

IHU On-Line – Dado os acordos de curto prazo que foram feitos até agora, que medidas seriam importantes para atingir emissões zero até 2100? Trata-se de uma expectativa utópica? 

Ronaldo Serôa da Motta – Utópica não é, porque basta fazer um esforço enorme para atingir essa meta e direcionar os gastos governamentais para inovações tecnológicas. Mas o problema é que politicamente talvez não seja viável, porque exige das gerações atuais um esforço grande de mexer nos padrões de consumo de energia. É uma questão difícil de resolver, porque as pessoas e os governantes de hoje não estarão vivos em 2100. A humanidade sempre teve essa dificuldade de antever o futuro e tomar medidas que garantam a sustentabilidade das gerações possíveis, e talvez estejamos destinados a cometer os mesmos erros dos maias, dos astecas, dos egípcios, que tiveram colapsos civilizatórios. A grande diferença é que eles não sabiam o que poderia acontecer, mas nós sabemos.

Fonte: IHU

Empresas e redução de emissões de carbono


Qual a contribuição das empresas para a meta nacional de redução de emissões de carbono?

Publicado em 23 de setembro de 2016

Uma discussão ampla. O diálogo “Cenário Atual das Discussões sobre Mudança do Clima no Brasil”, promovido pelo Grupo de Trabalho de Energia e Clima pela Rede Brasil do Pacto Global, no dia 19 de setembro, trouxe um importante debate com especialistas sobre o assunto mudanças climáticas no Brasil, abordando os temas de adaptação, mitigação e precificação de carbono. A avaliação foi consenso entre os participantes do evento, cuja proposta foi dialogar sobre a contribuição brasileira dentro cenário das mudanças do clima com representantes do setor privado – especialmente após a ratificação do Acordo de Paris pelo Governo Federal. 

O secretário executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, apresentou as metas brasileiras de redução de emissões de gases estufa — as NDCs brasileiras, problematizando os níveis de ambição, assim como mecanismos e propostas de financiamento para implementação das metas. “No Brasil, ainda não está claro como uma meta nacional aterrissa nos setores e nas empresas. Acho que a primeira pergunta que a empresa tem que fazer é ‘qual é a minha contribuição para a meta nacional de redução de emissões? ’. Já a segunda é ‘qual é a minha estratégia de produção de negócios a longo prazo para eliminar as emissões? ’”, afirmou.

Pesquisadora do Centro de estudos em sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas, Inaiê Santos trouxe dados sobre mitigação e instrumentos econômicos para a regulação de questões ambientais, necessários para o debate sobre a redução das emissões propostas pelo Acordo de Paris. Para ela, apesar de não fornecer a medida necessária de quanto cada país deve emitir, o Acordo coloca os países e setores da sociedade em uma mesma base de diálogo.  “Essa é a jogada: tentar trazer todas as partes para a mesa, com base no que eles consideravam possível e justo atingir ”, comentou.

O especialista sênior de Finanças do Banco Mundial, Alexandre Kossoy, trouxe um relatório inédito sobre o cenário de precificação de carbono em âmbito mundial — foi a primeira vez que os dados foram apresentados, já que o lançamento oficial acontece em outubro. O coordenador-geral de Energia e Sustentabilidade do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Demetrio Florentino Toledo Filho, também participou da discussão.

Para o gerente de sustentabilidade da CPFL, Carlo Pereira, que é coordenador do GT, a discussão foi interessante, pois a mesa abarcou esferas do governo, organismo internacional, academia e sociedade civil. “Acho que isso ajuda a formar um pouco do pensamento dos representantes das empresas para entenderem a urgência do assunto, para que comecem a pensar em suas estratégias de negócios em um mundo que precisa eliminar emissões urgentemente”, disse. 

Fonte: Pacto global