Legislação brasileira é positiva mas pouco efetiva


É fundamental que se estude os recursos hídricos, minerais, biológicos, áreas ambientalmente protegidas, patrimônio cultural material, terras indígenas e aspectos da política e gestão (REUTERS/Bruno Kelly)

Élcio Nacur Rezende*

A Amazônia é a maior floresta tropical e bacia hidrográfica do mundo, com área aproximada de 8 milhões de quilômetros quadrados distribuídos entre nove países,  devendo-se ressaltar que tem área equivalente a 60% da superfície da América Latina.

O Brasil, sem dúvida, é a maior nação que faz parte desta importante região que possui riquezas enormes e, em pleno século 21, guarda segredos minerais, hídricos e biológicos de valor incalculável.

Não obstante, as indiscutíveis riquezas da região, a mesma é carecedora de toda sorte de recursos, possuindo baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e baixa ocupação demográfica, além de ser vítima de enorme degradação ambiental.

Outro sério problema que se apresenta atualmente é a baixa integração entre os nove países, o que dificulta, sobremaneira, o combate a todos os comportamentos prejudiciais à região, que vão desde o tráfico internacional de drogas até a devastação ambiental, tema este que nos interessa em particular.

Vale ressaltar, contudo, a existência da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), organismo internacional criado para a integração dos países e cujos resultados ainda não podem ser louvados. A OTCA, como organismo internacional, tem por objeto, dentre outros, estipular os procedimentos de concretização do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), e o faz por intermédio de sua Secretaria Permanente (SP). Ademais, a dinâmica da execução de suas decisões também está sob os cuidados da SP, o que possibilita uma sinergia capaz de auferir bons resultados na tutela ambiental.

A Constituição Federal do Brasil dispõe em seus artigos 5º, LXXIII; 20; 23, VI; 24, VI, VII, VIII; 129, III; 220 § 3º, II; 170, VI; 186, II e, sobretudo, no 225; uma enorme preocupação do legislador constituinte com o meio ambiente, sem, contudo, externar uma demonstração cabal que a Amazônia brasileira merece atenção especial.

O Brasil detém em seu território a maior parte da região amazônica e, portanto, tem a responsabilidade da preservação ambiental de uma das regiões mais ricas do mundo que, em verdade, ainda não se sabe mensurar o tamanho de tal riqueza.

Embora o ordenamento jurídico brasileiro venha cada vez mais se preocupando em demonstrar interesse pela tutela ambiental amazônica, lamentavelmente, observa-se que a região continua a ser degradada.

É fundamental que se estude os recursos hídricos, os recursos minerais, os recursos biológicos, as áreas ambientalmente protegidas, o patrimônio cultural material, as terras indígenas e todos os aspectos da política e gestão ambiental da Amazônia para que se possa, atentos à soberania nacional, conhecermos a riqueza brasileira e, por consequência, possamos protegê-la no interesse dos que agora habitam o planeta, bem como para as futuras gerações.

Podemos destacar várias características da Amazônia brasileira, uma vez que possui 4.196.943 milhões de quilômetros quadrados, sendo o maior bioma brasileiro. Neste território constata-se, aproximadamente, 2,5 mil espécies de árvores e cerca de 30 mil espécies de plantas. O clima da Amazônia é equatorial, com médias anuais de temperatura entre 22 e 28 graus, umidade do ar que pode ultrapassar 80% e o índice pluviométrico varia entre 1.400mm a 3.500mm por ano.

O relevo amazônico é formado de planície de inundação (várzeas), planalto amazônico e escudos cristalinos. Na maioria dos casos, não apresenta altitudes acima de 200 metros. A floresta amazônica abriga inúmeras espécies de animais, dos quais destacamos: anta, preguiça, ariranha, suçuarana, arara-vermelha, tucano, morcego, tamanduá, cateto, cachorro-vinagre, gato-maracajá, macaco-aranha, macaco-barrigudo, irara, jaguatirica, jaguarundi, jacaré-açu, onça-pintada, peixe-boi, enguias, piranha, pirarucu, sucuri, bugio, boto cor-de-rosa, dentre outros.

Conclui-se, pois, que muito mais importante que a construção de normas jurídicas que tenham por objeto a tutela ambiental da Amazônia se faz necessário, inexoravelmente, que as normas jurídicas tenham efetividade no momento da aplicação das sanções civis, penais e administrativas aqueles que, inescrupulosamente, deterioram um patrimônio natural gigantesco.

* Este texto é o segundo da série de nove artigos sobre jurisdição ambiental dos países que compõem a Pan-Amazônia. A versão integral do livro Pan-Amazônia: O ordenamento jurídico na perspectiva das questões socioambientais e da proteção ambiental está disponível gratuitamente no site da Editora Dom Helder. Leia amanhã texto de Ana Virgínia Gabrich sobre a Colômbia.

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*Elcio Nacur Rezende é pós-doutor, doutor e mestre em Direito, professor do Programa de Pós-Graduação (mestrado e doutorado) da Dom Helder Escola de Direito.

Estudo da Nasa mostra que a Amazônia está mais seca e vulnerável


As condições mais áridas tornam os incêndios mais prováveis, secando ainda mais a floresta (Victor Moriyama/Getty Images)

O aumento do desmatamento e das queimadas na Amazônia, aliado à alta concentração de gases de efeito estufa, está tornando a atmosfera sobre a floresta tropical mais seca, fazendo crescer a demanda por água e deixando os ecossistemas mais vulneráveis aos incêndios e à própria seca. Essa situação, prevista por cientistas para acontecer talvez em algumas décadas, está ocorrendo agora. É o que revela um novo estudo feito pela agência espacial americana, a Nasa.

O trabalho considerou dados coletados em solo e por análise de imagens de satélite para determinar o chamado déficit de pressão de vapor (VPD). Com isso, os cientistas conseguiram rastrear a quantidade de umidade na atmosfera e quanto dela é necessário para manter os ciclos da floresta.

“Nós observamos que nas últimas duas décadas houve um aumento significativo na secura na atmosfera, bem como na demanda atmosférica por água acima da floresta”, afirmou Armineh Barkhordarian, pesquisadora do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL) da Nasa, em comunicado à imprensa.

“Ao comparar essa tendência com dados de modelos que estimam a variabilidade climática ao longo de milhares de anos, determinamos que a mudança na aridez atmosférica está muito além do que seria esperado com a variabilidade climática natural”, complementou a autora principal do trabalho publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature.

Para os pesquisadores, a elevada concentração de gases de efeito estufa (responsáveis pelo aquecimento global) na atmosfera é respondem por cerca de metade dessa aridez. A outra parte estaria ligada às queimadas para limpeza do terreno para pecuária e agricultura. A combinação de tudo isso estaria aquecendo a Amazônia. Veja no gráfico abaixo como isso ocorre.

O trabalho apontou que o processo mais significativo e sistemático de ressecamento da atmosfera acontece na região sudeste da Amazônia, por onde se espalha o chamado Arco do Desmatamento – justamente onde ocorre a maior parte do desmate e da expansão agrícola.

Também foram observadas secagens episódicas no noroeste da Amazônia. A área, que normalmente não tem uma estação seca, experimentou secas severas nas últimas duas décadas. Para os autores, isso traz uma indicação adicional da vulnerabilidade de toda a floresta ao aumento de temperatura e ar seco.

Desequilíbrio em curso

“É uma questão de oferta e demanda. Com o aumento da temperatura e a secagem do ar acima das árvores, elas precisam transpirar para se resfriar e adicionar mais vapor de água na atmosfera. Mas o solo não tem água extra para as árvores puxarem”, explicou Sassan Saatchi, também pesquisador do JPL e autor do trabalho. “Nosso estudo mostra que a demanda está aumentando, a oferta está diminuindo e, se isso continuar, a floresta poderá não ser mais capaz de se sustentar.”

As condições mais áridas tornam os incêndios mais prováveis, secando ainda mais a floresta. Se essa tendência prosseguir a longo prazo e a floresta deixar de funcionar adequadamente, muitas outras árvores vão morrer. Quanto maiores e mais antigas, mais elas vão liberar CO2 na atmosfera ao morreram, ao mesmo tempo em que, com menos árvores, a floresta vai absorver menos CO2 da atmosfera, piorando o cenário de mudanças climáticas.

Climatologista vê risco de ‘savanização’ entre 15 e 30 anos

O climatologista brasileiro Carlos Nobre, um dos primeiros pesquisadores a estimarem o risco de savanização da Amazônia a partir de um determinado nível de desmatamento da floresta, comentou ao jornal O Estado de São Paulo que o trabalho da Nasa confirma o que vários estudos já vinham apontando.

“Uma grande faixa da Amazônia no sul e leste está ficando mais quente e mais seca, principalmente durante a estação seca, que já ficou entre 3 e 4 semanas mais longa naquela área de cerca de 2 milhões de km²”, disse o pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP.

Por seus cálculos, se a estação seca tornar-se mais longa do que quatro meses (hoje ela dura, em média, três meses), a floresta se converterá em savana tropical – “que é o bioma de equilíbrio com uma longa estação seca e fogo”, diz. “De fato, nesta região, o ponto de não retorno está bem próximo. Eu estimo não mais do que 15 a 30 anos com o ritmo crescente de desmatamento somado à continuidade do aquecimento global, e também com a maior vulnerabilidade da floresta Amazônica ao fogo.”

Agência Estado

No ritmo atual uma montanha de lixo irá nos soterrar


Pesquisa revela que a produção de resíduos aumentou 29% em 11 anos no país e para reverter à situação um bom exemplo vem da nossa Amazônia

Fernando Frazão/ Agência Brasil
Produção-de-lixo

Hoje em média cada brasileiro gera 1,062 quilos de lixo por dia

Diferente da nossa economia, que apresenta desaceleração, o que não para de crescer é a  capacidade nacional de gerar cada dia mais lixo. Foi o que concluiu a nova pesquisa divulgada pela Abrelpe – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais.

Segundo os dados levantados pela entidade em cerca de 400 municípios nos quais residem quase 92 milhões de pessoas, de 2003 a 2014 a quantidade de resíduos produzidos pelos brasileiros foi cinco vezes superior ao aumento populacional do período que foi de apenas 6%. Hoje em média cada pessoa gera 1,062 quilos de lixo por dia!

Os formuladores da pesquisa afirmam que essa é a primeira e mais abrangente feita sobre a situação dos resíduos no Brasil, após a entrada em vigor da PNRS – a Política Nacional de Resíduos Sólidos, em 2010. Desde então pouca coisa prevista na lei foi efetivamente implementada, entre elas, um aumento na reciclagem da ordem de 7,2%. Quando a lei passou a valer, apenas 57,6% das cidades brasileiras tinham coleta seletiva, agora esse número saltou para 64,8% dos municípios que reciclam seus resíduos. Um avanço, sem dúvida, bem tímido!

Mas as boas notícias praticamente param por aí! No ano passado apenas 58,4% de um total de 78,6 milhões de toneladas de resíduos coletados tiveram destinação adequada, ou seja, foram ao menos encaminhados para aterros sanitários, locais apropriados e preparados para receber esses materiais. Outros 41% foram parar em lixões ou aterros controlados, lugares inadequados e que oferecem riscos à saúde das pessoas, ao meio ambiente e podem trazer sérias e irreversíveis consequências como a contaminação do solo e do lençol freático, entre outros.

Exemplo na Amazônia

Recentemente tive a oportunidade de conhecer uma realidade que dá uma medida de quanto à falta de uma ação mais efetiva para a implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos deverá agravar um quadro que já pode ser considerado dramático.

À convite da empresa Tetra Pak, visitei experiências de coleta seletiva em comunidades ribeirinhas que fazem parte da Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Negro em Manaus, no estado do Amazonas.

O projeto desenvolvido em parceria com a FAS – Fundação Amazonas Sustentável tem o objetivo de reduzir os impactos causados pelo lançamento de resíduos que tradicionalmente eram jogados no Rio Negro ou enterrados e até mesmo queimados.

Quando a realidade dessas comunidades estava ligada, basicamente, ao descarte de material orgânico, ou seja, restos de alimentos, cascas de frutas e madeira, o próprio ambiente possuía condições razoáveis de absorção. A partir do momento em que as comunidades passam a consumir cada vez mais produtos descartáveis e alimentos industrializados embalados, entre outros, a situação muda completamente. Jogar no rio materiais como, plásticos, metais e até mesmo pilhas e baterias, altamente tóxicos e poluentes trás terríveis consequências para as pessoas e o meio ambiente amazônico.  

Algumas comunidades como a Três Unidos que fica às margens do Rio Cuieiras felizmente começam a entender os perigos do descarte indiscriminado desses materiais. O Centro de Triagem lá localizado recebe embalagens diversas e por meio de uma prensa entregue pela Tetra Pak, todo o material é compactado e depois enviado à Manaus para uma destinação correta.

Alunos de outras 19 comunidades se dirigem diariamente para estudar no Núcleo de Conservação e Sustentabilidade Assy Manana, onde estudam e são estimulados a enviar os resíduos de suas comunidades para serem prensadas no centro de triagem da Três Unidos. No ano passado cerca de 1,5 tonelada de resíduos passaram pelo local e neste ano são esperadas a coleta de duas toneladas de materiais recicláveis.

Fernando von Zuben, diretor de meio ambiente da Tetra Pak explica que o fornecimento dos materiais adequados para a construção do centro de triagem e os equipamentos compatíveis com as necessidades locais representam importantes apoios para a preservação ambiental, mas ressalta, “toda a mão de obra é local e os resultados só aparecem se as pessoas estiverem envolvidas com o projeto”. 

“Aqui na Amazônia as dificuldades para um processo como esse são bem maiores do que em São Paulo, por exemplo, por causa das questões logísticas da região”, afirma Virgílio Viana, engenheiro florestal e superintendente geral da FAS. Para ele, esses enormes desafios requerem uma conscientização ainda maior. A educação, o convencimento e o posterior engajamento das pessoas são as bases necessárias para o sucesso no trabalho de reciclagem.

Mesmo com a expansão do projeto previsto para atingir mais comunidades, ainda será pequeno diante de outras centenas de aglomerados humanos residentes na nossa Amazônia que, neste momento, estão jogando nos rios uma quantidade imensa de materiais poluentes e contaminantes. Por essa razão, os esforços precisam envolver seriamente mais atores da sociedade manauara e dos outros estados da região e de todo o Brasil. Só para se ter uma ideia, a geração de resíduos apenas em Manaus é superior a 1,5 milhão de toneladas anuais. De 2005 a 2012 houve um incremento de 38% na quantidade de resíduos produzidos pela capital do Amazonas, segundo a Secretaria Municipal de Limpeza e Serviços Públicos da cidade.

Como refletiu o cacique tuxaua Valdemir Triukuxuri, um dos líderes da comunidade Três Unidos, de acordo com a tradição indígena, tudo que é importante deve estar na frente, a vista de todos. Foi por essa razão que o Centro de Triagem possui localização privilegiada bem na frente da comunidade. “Índio considera um monumento, porque é bom para a saúde de todos”.

Pois bem são essas alternativas que nos restam: colocar o problema na frente para que todos possam ver e agir, parar de protelar indefinidamente os pontos principais previstos em lei como o fim dos lixões e o aumento da capacidade de reciclagem em todo o país ou só assistir o problema crescer perigosamente. Nesse último caso, o que o futuro nos reserva, se continuarmos a empurrar com a barriga a implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos? Será mesmo uma imensa e vergonhosa montanha de lixo que não mais poderá ser escondida.    
 

 
 

Produtos poderão ganhar selo verde para atestar preservação da Amazônia


             

A Câmara dos Deputados analisa proposta que cria o “Selo Verde Preservação da Amazônia” para produtos oriundos da Zona Franca de Manaus e de zonas de processamento de exportação e áreas de livre comércio localizadas na Amazônia Legal. O texto em tramitação é o Projeto de Lei 5760/13, de autoria do Senado.

Pela proposta, deverão ser considerados os seguintes critérios para concessão do selo:

  • geração de empregos na Amazônia Legal que diminuam a exploração predatória da floresta e o desmatamento;
  • conformidade do produto com as normas e padrões exigidos pela legislação ambiental;
  • reduzido impacto ambiental do produto durante o seu ciclo de vida;
  • utilização de meio de transporte pouco impactante e que ofereça menores riscos ao meio ambiente e à saúde humana;
  • boa durabilidade do produto;
  • possibilidade de reuso ou reciclagem do produto e de sua embalagem; e
  • destinação adequada dos resíduos gerados, com a previsão de recolhimento pós-consumo, se for o caso.

 Já os órgãos ou entidades responsáveis pela concessão do selo estarão autorizados a cobrar taxa de serviço para essa concessão. Também poderão firmar convênio ou contrato com órgãos técnicos para estabelecer pontos como definição das classes de produtos passíveis de obtenção do selo, da metodologia de avaliação e dos prazos de concessão.

O projeto considera como integrantes da Amazônia Legal: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Rondônia, Roraima, Tocantins, Pará e parte do Maranhão a oeste do Meridiano 44°. O texto foi apresentado originalmente pela senadora e ex-deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).

Tramitação

Em caráter conclusivo, a proposta será analisada pelas comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Fonte: Agência Câmara

Laísa Mangelli

Guiana Francesa enfrenta desafios para aplicar leis


Diante de sua rica biodiversidade amazônica, a França tem criado mecanismos legislativos de proteção da fauna e flora (AFP)

Andre de Paiva Toledo*

O Rio Orenoco, o canal natural de Gaciquiari, o Rio Negro, o Rio Amazonas e o Oceano Atlântico são os limites da região localizada no extremo Nordeste da América do Sul, conhecida como Guiana. Não se discute assim que a Guiana Francesa seja um espaço amazônico. Porém, a Guiana Francesa não é um Estado soberano. Ao contrário, ela compõe organicamente o território da França.

A França tem sido excluída do processo de integração amazônica, por razões geopolíticas. Por exemplo, quando da assinatura, em Brasília, do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), em 1978, a França, além de não ter participado das negociações, não pode aderir a ele posteriormente, em virtude do artigo 27.

Por conta da distância entre a Guiana Francesa e a França Metropolitana, há dificuldades práticas para inserir a Amazônia na dinâmica interna do país europeu. Isso não impede, entretanto, que a Guina Francesa se destaque regionalmente por conta da existência de mecanismos de amparo do Estado de bem-estar social. Isso faz com que a Guiana Francesa seja o destino de muitos migrantes brasileiros, haitianos, surinameses e guianenses.

Apesar da distância, a França é soberana sobre uma pequena porção da Amazônia, o que faz com que o Direito francês seja ali aplicado. Analisando as normas internas relativas à Amazônia, destaca-se a Carta Ambiental, que, em consonância com todo o bloco constitucional, obriga a França a agir para proteger o meio ambiente amazônico, impedindo a prática de atos potencialmente destrutivos.

No que concerne aos cursos d’água, que são abundantes na Amazônia, o Estado deve garantir que as intervenções artificiais (por exemplo, construção de hidrelétricas) não comprometam o bom funcionamento dos ecossistemas aquáticos à jusante. A mesma abordagem de prevenção deve ser adotada quando da exploração dos recursos minerais, que são de propriedade pública. Para tanto, o Estado deve expedir previamente um título de mineração.

Na Guiana Francesa, destaca-se a mineração de ouro. Apesar do controle do Estado francês sobre a mineração, o aumento significativo da procura pelo ouro – o que também incentiva os movimentos migratórios regionais – tem causado importantes impactos socioambientais na floresta, que cobre 95% do território ultramarino e é um dos últimos massivos equatoriais quase intactos. O garimpo ilegal de ouro em terras indígenas também é um desafio enfrentado pelo Estado na Guiana Francesa.

Diante de sua rica biodiversidade amazônica, a França tem criado mecanismos legislativos de proteção da fauna e flora. Neste sentido, adotam-se atos administrativos para listar as espécies protegidas, cujo comércio é proibido. Além disso, o Estado tem criado reservas naturais nacionais e regionais como espaços de conservação ambiental. Na Guiana Francesa, destaca-se o Parque Amazônico da Guiana, que possui uma área de 3 milhões de hectares.

Segundo a lei francesa, é possível que recursos biológicos encontrados no Parque Amazônico da Guiana sejam explorados e aproveitados, desde que seja garantida a partilha de benefícios. Trata-se de um regime específico de consentimento, fundado na repartição de competências entre a região e o departamento, em vista de utilização sustentável dos recursos amazônicos franceses.

Na Guiana Francesa, assim como em outros departamentos ultramarinos, reservas biológicas integrais têm sido instituídas com o propósito de constituir redes representativas da diversidade dos ecossistemas florestais e proteger as florestas primárias, o que implica uma atuação harmônica com os modos de vida das populações tradicionais.

No que concerne a essas populações, já nos anos de 1960, a França constatava a precariedade das condições de vida dos indígenas da Guiana Francesa. Vivem no departamento ultramarino mais de 10 mil indígenas, divididos em seis grupos, que compõem cerca de 5% da população daquele departamento ultramarino. São eles os Arawak, Kali’na, Palikur, Teko, Wayana e Wayapi. As populações indígenas da Guiana Francesa são majoritariamente transfronteiriços, podendo ser encontrados no território dos Estados vizinhos. Na comuna de Awala-Yalimapo, por exemplo, há uma coordenação inédita entre o Direito francês e o costume indígena, consolidada em uma Comissão Mista, criada pelo Conselho Municipal com base no Código Geral das Coletividades Territoriais.

Ao longo do tempo, tem-se discutido um estatuto para as terras tradicionalmente ocupadas por esses grupos. Chegou-se ao impasse de que a noção de “terras coletivas e de usufruto” reivindicadas por essas populações confrontava-se diretamente com o instituto da propriedade privada. Em 1987, instituiu-se enfim o regime das zonas de direitos e usos coletivos, que beneficiou diretamente os povos indígenas da Guiana Francesa, ao lhes conceder títulos reais de uso dos recursos florestais para subsistência. Além disso, a Lei de Orientação para o Além-Mar também dispõe sobre o regime jurídico das atividades produtivas autóctones em suas terras tradicionais. Contudo, apesar do avanço normativo, a efetividade desse regime tem sido constantemente questionada.

Apesar de ser um país desenvolvido, a França enfrenta os mesmos desafios socioambientais enfrentados pelos outros oito Estados subdesenvolvidos, no que concerne à proteção da Amazônia. Em vista desse objetivo comum, é importante considerar a França, não apenas em termos geográficos, mas em termos político-jurídicos, como Estado amazônico, de modo a facilitar a construção de instrumentos de cooperação internacional.

** Este texto é o sexto da série de nove artigos sobre jurisdição ambiental dos países que compõem a Pan-Amazônia. A versão integral do livro Pan-Amazônia: O ordenamento jurídico na perspectiva das questões socioambientais e da proteção ambiental está disponível gratuitamente no site da Editora Dom Helder. Leia amanhã texto de Márcio Luís de Oliveira e José Adércio Leite Sampaio sobre o Peru.

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* Doutor em Direito pela Université Panthéon-Assas Paris II. Professor da Dom Helder Escola de Direito. Membro do Grupo de Pesquisa da Pan-Amazônia.

Bolsonaro se nega a comentar aumento de desmatamento na Amazônia


O desmatamento na Amazônia teve aumento de 29,5%, maior taxa desde 2008 (Reuters)

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) se negou a comentar, nesta terça-feira (19), o aumento de 29,5% do desmatamento na Amazônia, maior taxa desde 2008. Bolsonaro disse que perguntas sobre estes dados não devem ser feitas a ele, mas ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Bolsonaro afirmou que tratou sobre o desmatamento com Salles, porém não poderia apresentar ações planejadas pelo governo, pois o assunto seria reservado. “É lógico que eu converso com ele (Salles). Não vou falar para você. Foi reservada a conversa. Eu não posso conversar reservadamente com o ministro e abrir para vocês aqui. Seria antiético da minha parte”, disse o presidente.

Questionado se é um tema “reservado” o combate ao desmatamento, Bolsonaro respondeu: “Nós não queremos publicidade de nada que fazemos, queremos solução”.

Em esforço para se descolar das repercussões sobre os dados da Amazônia, Bolsonaro afirmou que o “recorde” de desmate foi registrado durante a gestão de Marina Silva no Meio Ambiente (2003-2008), no governo do ex-presidente Lula (PT). “Vocês viram o desmatamento quando a Dilma foi ministra? A Dilma não, a Marina Silva, quando foi ministra, vocês viram? Foi recorde o desmatamento, então, não pergunte para mim, não”.

Agência Estado

Desmatamento da Amazônia chega perto de 10 mil km² com aumento de 29,5% no ano


Mesmo durante a vigência da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na Amazônia, a devastação cresceu, conforme revelado pelo Estado em setembro (Ricardo Moraes/Reuters)

O desmatamento na Amazônia subiu 29,5% entre 1º de agosto do ano passado e 31 de julho deste ano, na comparação com os 12 meses anteriores, atingindo a marca de 9.762 quilômetros quadrados. É a mais alta taxa desde 2008. Porcentualmente, é também o maior salto de um ano para o outro dos últimos 22 anos. Entre agosto de 2017 e julho de 2018 o corte raso da floresta tinha atingido 7.536 quilômetros quadrados.

A taxa ficou pelo menos 1,5 mil quilômetros quadrados acima da tendência de aumento do desmatamento que vinha sendo observada a partir de 2012. Segundo técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), se a taxa seguisse a tendência dos últimos anos, teria ficado em torno de 8.278 quilômetros quadrados.

Essa é a análise preliminar do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), o sistema do Inpe que fornece a taxa oficial anual de desmatamento da Amazônia. Os dados foram divulgados na manhã desta segunda-feira (18), na sede do Inpe, pelos ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes.

Havia uma grande expectativa em torno desses números depois de vários indicadores apontarem que o primeiro ano do governo Jair Bolsonaro reaqueceu o avanço da motosserra sobre a floresta.

O principal deles foi o Deter – outro sistema do Inpe de análise de imagens de satélite e que fornece dados em tempo real a fim de orientar a fiscalização –, que havia indicado para uma alta de quase 50% no desmatamento no período, na comparação com os 12 meses anteriores. Os alertas do Deter mostraram uma perda de 6.840 quilômetros quadrados de floresta neste intervalo, ante 4.571 quilômetros quadrados entre agosto de 2017 e julho de 2018.

Esses números vinham sendo desacreditados pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, desde o início do ano, e desencadearam uma crise no governo no final de julho, quando o presidente Jair Bolsonaro, em um café da manhã com a imprensa estrangeira, disse que os dados eram mentirosos e insinuou que o então diretor do Inpe, Ricardo Galvão, estaria “a serviço de alguma ONG”.

Em entrevista, Galvão reagiu, afirmou que a atitude do presidente era “pusilânime e covarde” e disse que os dados do Inpe são transparentes, confiáveis e confirmados por outras instituições em todo o mundo.

Bolsonaro chegou a dizer que queria ver os dados do desmatamento antes de sua divulgação, ao mesmo tempo em que Salles anunciou que o governo contrataria outro sistema de monitoramento da Amazônia. O desgaste levou à exoneração de Galvão e a um clima de desconfiança de que os dados do Prodes poderiam sofrer algum tipo de censura.

A crise foi agravada no mês seguinte, quando intensos focos de queimada da Amazônia chamaram a atenção de todo o mundo e renderam críticas a Bolsonaro. Em agosto, o número de focos foi 196% superior ao observado no mesmo mês no ano passado.

Cientistas de várias instituições, inclusive da Nasa, alertaram que boa parte do fogo estava relacionada justamente ao desmatamento que tinha ocorrido nos meses anteriores. Depois de derrubada, a floresta estava sendo queimada para a limpeza do terreno.

A pressão nacional e internacional fez o governo reagir, enviando as Forças Armadas para a região. Em setembro, o fogo diminuiu bastante, chegando ao menor valor da série histórica em outubro, mas o desmatamento, por outro lado, não arrefeceu, como continuam indicando os alertas do Deter. Mesmo durante a vigência da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na Amazônia, a devastação cresceu, conforme revelado em setembro.

O Prodes apresenta o cenário na Amazônia até julho, mas o Deter indicou desmatamento em forte alta ainda em agosto e setembro. Em outubro, o ritmo diminuiu, mas ainda assim registrou a sétima alta consecutiva. De acordo com o Deter, o acumulado do ano (de 1º de janeiro até 31 de outubro), já chegou a 8.409 quilômetros quadrados – aumento de 83% em relação ao mesmo período do ano passado, que teve uma perda de 4.602 quilômetros quadrados.

O Deter é um sistema em tempo real que serve para orientar a fiscalização e não serve como taxa oficial do desmatamento, mas funciona como um indicativo do que está ocorrendo em campo e, em geral, a tendência que ele aponta, de alta ou baixa, é confirmada depois pelo Prodes. No entanto, como “enxerga” mais, o Prodes sempre acaba indicando números ainda maiores.

Evolução

O desmatamento da Amazônia começou a ser monitorado oficialmente pelo Inpe com o Prodes em 1988, quando a destruição da floresta começou a ser criticada internacionalmente. Na época, a floresta perdia cerca de 20 mil quilômetros quadrados por ano. A maior taxa registrada foi em 1995, primeiro ano do governo Fernando Henrique Cardoso, quando chegou a 29,1 mil quilômetros quadrados.

O governo reagiu, aumentando o tamanho da Reserva Legal – área de propriedades privadas que tem de ser mantida protegida, de acordo com o Código Florestal, de 50% para 80% na Amazônia. A taxa caiu, mas voltou a subir no começo do anos 2000, alcançando um novo pico em 2004, segundo ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva: 27,8 mil quilômetros quadrados.

Marina Silva, então à frente do Ministério do Meio Ambiente, iniciou uma série de ações para combater o desmatamento, fortalecendo principalmente a fiscalização e a criação de novas unidades de conservação. Foi com ela, também, que o Deter começou a fornecer os alertas, ajudando o Ibama.

A estratégia funcionou. Em 2012, o Prodes registrou a menor taxa de sua história – 4,6 mil quilômetros quadrados. O país parecia no caminho para conseguir alcançar uma meta estabelecida em 2009 de chegar a 2020 com um desmatamento de 3,9 mil quilômetros quadrados. A partir do ano seguinte, porém, com um novo Código Florestal em vigor, menos rígido do que o anterior, a taxa de desmatamento começou a flutuar na Amazônia em uma tendência de alta.

A evolução do desmatamento da Amazônia:

– De 2012 para 2013, a alta foi de 28,9%

– De 2013 para 2014, houve queda de 14,9%

– De 2014 para 2015, o desmatamento voltou a subir: 23,8%

– De 2015 para 2016, nova alta, de 27,7%

– De 2016 para 2017, houve um recuo de 11,9%

– De 2017 para 2018, a taxa voltou a crescer: 8,5%

Agência Estado

Projetos de extrativismo sustentável na Amazônia


Projetos de extrativismo sustentável na Amazônia podem ser inscritos até 4 de julho

FBB – Até o dia 4 de julho estão abertas as inscrições para o Edital Ecoforte Extrativismo, destinado a entidades sem fins lucrativos que reúnem produtores extrativistas em projetos em unidades conservação federais de uso sustentável no Bioma Amazônia.
A seleção vai apoiar empreendimentos coletivos nas fases de produção, beneficiamento ou comercialização de produtos extraídos por meio de práticas sustentáveis na floresta. São R$ 8 milhões de investimento social da Fundação Banco do Brasil e do Fundo Amazônia, gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).  A ação vai contribuir para a inclusão socioprodutiva das comunidades e a preservação do bioma em seis estados: Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Pará e Rondônia.
Para participar, as entidades devem existir legalmente há dois anos, no mínimo, e apresentar uma proposta no valor de até R$ 600 mil. A execução do projeto deverá ser realizada em pelo menos uma e no máximo quatro unidades de conservação e não exceder o prazo de 24 meses.
Os recursos podem ser usados para as seguintes despesas: obras e instalações, máquinas e equipamentos novos, de fabricação nacional; móveis, utensílios, equipamentos de informática, comunicação e software nacional; veículos novos de tração humana ou animal, embarcações e utilitários; aquisição de matéria-prima, embalagens, rótulos e outros materiais utilizados nas etapas de beneficiamento e comercialização; equipamentos de proteção individual (EPI); contratação de profissionais para gestão e contabilidade e de serviços técnicos especializados relacionados à atividade produtiva.
Os documentos exigidos pelo edital devem ser reunidos em um único envelope e entregues pessoalmente na Fundação BB até as 18h do dia 4 de julho ou postados até esta data para o endereço SCN, Quadra 1, Bloco A, Edifício Number One, 10º andar, CEP 70.711-900, Asa Norte, Brasília – DF. As dúvidas enviadas por e-mail até o dia 27 de junho estão disponíveis para consulta na página do Edital Ecoforte Extrativismo, no portal da Fundação BB.
Ecoforte – O programa faz parte da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) e do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) – que buscam estimular e integrar políticas públicas de produção orgânica e de base agroecológica, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida da população, por meio do uso sustentável dos recursos naturais e da oferta e consumo de alimentos saudáveis. Realizado via edital de seleção, o Ecoforte extrativismo se destina a oferecer investimento social para entidades sem fins lucrativos que atuam de forma sustentável em Unidades de Conservação da Amazônia. O objetivo é apoiar e qualificar a estruturação de empreendimentos econômicos coletivos para o beneficiamento e comercialização de produtos advindos do uso sustentável do Bioma Amazônia.
Fonte: Pauta Socioambiental

Empreendimentos e invasões ameaçam comunidade quilombola no Pará


Tubulação despeja resíduos sem tratamento no igarapé Aracanga, fonte de alimento e lazer para os moradores do Abacatal. (Kleyton Silva/Amazônia Real)

Patrícia Azevedo

Entre os 2,5 milhões de habitantes que integram a Região Metropolitana de Belém, um grupo de 121 famílias, com aproximadamente 500 pessoas, luta para preservar seu espaço e suas tradições. Trata-se da Comunidade Quilombola Abacatal-Aurá, que hoje ocupa um território de 618 hectares no município de Ananindeua. Sua história, no entanto, remonta a 1710, quando o conde Coma de Melo, então dono das terras, teve três filhas com Olímpia, uma de suas escravas. No decorrer dos séculos, os descendentes mantiveram vários elementos de sua cultura – o carimbó, os banhos de cheiro, o cultivo de plantas medicinais, a agricultura e o artesanato. Elementos que tentam escapar ao cerco do crescimento urbano e de projetos de infraestrutura, como rodovias e conjuntos habitacionais, que podem impactar diretamente a vida da comunidade.

“De 2017 para cá, Abacatal foi bastante visada. Construíram grandes empreendimentos à margem do território, ficaram muito próximos. Sofremos diferentes ameaças – rodovias, ferrovias, gasoduto, o lixão de Marituba. Condomínio ‘Minha casa, minha vida’, sem estrutura nenhuma para as pessoas viverem lá. Então, a nossa luta é diária”, afirma Vivia Cardoso, presidente da Associação de Moradores e Produtores Quilombolas de Abacatal-Aurá (AMPQUA). Na próxima semana, ela estará em Belo Horizonte para a 4ª Semana de Estudos Amazônicos (Semea), onde participará de dois debates.

O primeiro deles, na quinta-feira (31), abordará a gestação, o parto e o puerpério nas culturas tradicionais. “A nossa comunidade ainda tem pessoas que puxam a barriga, mas não fazem mais parto. Tem uns 20 anos que não tem mais. As mulheres puxam, ajeitam o bebê, mas aí vão para o hospital. As gestantes fazem o pré-natal todo e têm seus filhos lá”, conta Vivia. Na sexta-feira (1º), a quilombola comporá a mesa de encerramento do evento, com o tema “Mulheres dos povos tradicionais da Amazônia: lutas e desafios”. Confira a programação completa!

 Território

Um dos principais desafios da Comunidade Quilombola Abacatal-Aurá é a manutenção e defesa do território. Em 1999, depois de 40 anos do primeiro pleito para titulação da área, a comunidade teve suas terras regularizadas no Instituto de Terras do Pará (Iterpa). No âmbito internacional, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) garante a povos indígenas e tribais, em Estados independentes, o direito ao controle da terra e das atividades que assegurem sua sobrevivência. É considerada o instrumento mais atualizado e abrangente em respeito às condições de vida dos indígenas e povos tradicionais.

“A OIT não garante o direito sobre a nossa terra. Apesar de o Brasil ser signatário, era para os povos indígenas, tribais, quilombolas, ribeirinhos e tantos outros serem amparados por essa lei, de fato. Que não pudessem entrar e expulsar as pessoas dos territórios, fazer empreendimentos. Isso não funciona”, aponta Vivia. Segundo ela, governo e empresas cooptam pessoas das próprias comunidades tradicionais, o que torna a invasão avassaladora. “Você também vai lutar contra o seu, ali do seu lado, porque ele já foi cooptado – pelo emprego, pela mão de obra barata ou por um dinheirinho. Até mesmo por achar que ainda tem gente boazinha, que vai dar alguma coisa para ele no futuro. Ainda tem muito isso aqui”, completa.

Obras do projeto Minha Casa, Minha Vida em Ananindeua. (Foto: Kleyton Silva/Amazonia Real)
Obras do Minha Casa, Minha Vida em Ananindeua. (Kleyton Silva/Amazonia Real)

Consulta

Embora os artigos 15 e 14 da Convenção 169 enfatizem o direito de consulta e participação dos povos tradicionais no uso, gestão (inclusive controle de acesso) e conservação de seus territórios, irregularidades ainda são práticas comuns. Em 2016, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia (Sedeme) do Pará apresentou o projeto da rodovia Liberdade, com o objetivo de ligar Belém aos demais municípios metropolitanos e desafogar a rodovia BR-316. Para o governo, o projeto representa uma oportunidade para consolidação de parcerias público-privadas na região. “Se o governo achar que é melhor para a Região Metropolitana de Belém deixar Abacatal reprimida aqui, num pedacinho de terra, ele vai fazer isso”, afirma Vivia.

Já a comunidade de Abacatal considera a obra uma ameaça à sua soberania. Em resposta, iniciou a elaboração de um protocolo para estabelecer exatamente como os moradores devem ser consultados em caso de realização de projetos. “Temos o nosso protocolo de consulta desde 2017. Nós construímos esse instrumento. Hoje, trabalhamos para levá-lo para outras comunidades. É importante que as pessoas saibam: existe uma lei que nos ampara. Nós podemos denunciar”, enfatizou.

Por outro lado, a quilombola lembra as ameaças sofridas por lideranças e autoridades públicas que trabalham em defesa dos povos tradicionais. “Temos processos na Defensoria Pública, mas eles continuam lá, a passos lentos. Nosso defensor foi afastado, por quê? Porque ele estava sendo um empecilho, estava ajudando a nos defender junto à OIT. São pouquíssimos que estão dispostos a se indispor com o governo por causa de uma comunidade quilombola ou de uma tribo indígena.”

Saídas

Para Vivia, a busca de parcerias é uma das soluções para fortalecer a defesa dos povos tradicionais. Uma delas, já em andamento, foi firmada com o Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (Olma). “Juntos, estamos traçando metas não só para Abacatal, mas para outros territórios do estado do Pará”, informa a quilombola. Ela acredita também que denúncias internacionais podem dar mais visibilidade à causa, mas nesse caso, a comunidade precisaria da ajuda de outras instituições.

Enquanto isso, os moradores continuam lutando com a cultura e a tradição. “Seguimos vivendo da agricultura familiar, dos remédios caseiros, da sua prática de trabalhar a terra com responsabilidade e respeito. Cantamos nossas vitórias e dificuldades, em forma de carimbó. Recorremos às benzedeiras. E seguimos brigando contra poderosos. Porque nenhum deles está com a gente, querem só os benefícios”, reforça a quilombola.

Devastação na Amazônia pode ficar entre 9 mil e 11 mil km2


“Se ficar entre 9 e 11 mil, é a curva da subida que vem acontecendo desde 2012”, disse o ministro do Meio Ambiente (Reuters)

Brasília – Os dados de sistema de satélites que faz o monitoramento anual do desmatamento por corte raso na Amazônia Legal, o Prodes, a serem divulgados nesta segunda-feira (18), devem apontar que a região perdeu, entre agosto de 2018 e julho deste ano, entre 9 mil e 11 mil quilômetros quadrados de mata nativa, no maior número registrado desde 2008.

“Deve ficar entre 9 mil e 11 mil quilômetros quadrados. Essa é a projeção que se faz com base nos dados que o Deter revelou para esse mesmo período”, disse o ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, responsável por monitorar o desmatamento, Gilberto Câmara.

O índice também é apontado por outras fontes ouvidas com conhecimento dos dados. O mesmo número é estimado também em um estudo publicado no periódico Global Challenge Biology, que analisou as causas e os números da crise das queimadas na Amazônia este ano.

Usando a comparação entre os dados do Deter – sistema mensal de monitoramento de desmatamento usado pelo Inpe, mais impreciso, mas que gera alertas de onde há suspeita de ação de desmatadores – e a relação tradicional com os números anuais do Prodes, o estudo, liderado por pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (MG) e da universidade britânica de Lancaster, apontou para um desmatamento de 10 mil quilômetros quadrados.

Se os dados apresentados nesta segunda-feira pelo Inpe confirmarem essas estimativas, o número do desmatamento será o maior desde o período 2007-2008, quando fechou em 12.911 quilômetros quadrados de área desmatada.

De acordo com os dados disponíveis nas páginas do Inpe, o Deter levantou, no mesmo período usado pelo Prodes – 1º de agosto de 2018 a 31 de julho de 2019 – um desmatamento raso de 6.840 quilômetros quadrados. A estimativa leva em conta que os números do Prodes costumam ser, em média, 1,54 vezes o levantado pelo Deter.

No período 2017-2018, o Deter havia levantado um desmatamento de 4.571 quilômetros quadrados, mas o número do Prodes finalizado chegou a 7.536 quilômetros quadrados, 64,8% maior. Nos dois períodos anteriores, a variação foi de 49,7% e 46,8%, sempre com o Prodes finalizando maior que os dados do Deter.

A estimativa dos técnicos representaria um crescimento em torno de 30%, um índice menor do que o apontado recentemente nas comparações de crescimento do desmatamento em julho, agosto e setembro deste ano com 2018, mas ainda assim um salto maior do que os registrados nos últimos anos.

Além disso, o Prodes ainda deixa de fora justamente os meses de agosto e setembro deste ano, pegando apenas julho dentre os meses em que o desmatamento realmente cresceu.

Em julho, os dados do Deter apontaram para 2.254 quilômetros quadrados de área desmatada, um valor 278% maior do que em 2018. Em agosto, mais 1.701 quilômetros quadrados desmatados, 70% mais que no mesmo mês de 2018, e, em setembro, mesmo com a ação de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para controle das queimadas, um crescimento de 96%.

Até junho deste ano, quando o Deter detectou um início do crescimento da área desmatada, os números ainda estavam levemente abaixo de 2018. Neste mês, o crescimento foi de 25%.

Questionado sobre essas estimativas, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que ainda não teve acesso aos dados fechados do Inpe e por isso não queria comentá-los, mas minimizou o crescimento projetado.

“Se ficar entre 9 e 11 mil, é a curva da subida que vem acontecendo desde 2012”, disse. “Se chegasse naqueles números que a imprensa vinha falando, tinha que ficar em 14 mil.”

Segundo Salles, o governo irá anunciar algumas medidas nesta segunda-feira junto com a apresentação dos números, mas na semana que vem, depois de chamar uma reunião com os governadores da região amazônica, novas ações devem ser programadas. O anúncio dos números, normalmente feito em Brasília, foi deslocado para São José dos Campos, onde fica a sede do Inpe.

Críticas

A divulgação mensal dos dados do Deter, que apontaram um crescimento exponencial a partir de julho, abriram uma crise no governo que levou à demissão do então presidente do Inpe, Ricardo Galvão.

Em entrevista a correspondentes estrangeiros, o presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que Galvão estava “a serviço de ONGs estrangeiras” e que os números estariam errados.

O ministro do Meio Ambiente chegou a chamar uma entrevista no Palácio do Planalto para apontar falhas no trabalho do Inpe e disse que os números “não refletiam a realidade”, mas acabou por admitir que havia aumento.

Logo depois da revelação do aumento do desmatamento, em agosto deste ano, o número de queimadas na Amazônia atingiu o ápice, em um crescimento de mais de 80% em relação ao período comparativo do ano passado. As informações e imagens sobre a devastação da floresta amazônica correram o mundo e provocaram críticas à política ambiental do governo.

O estudo apresentado no Global Biology Challenge relaciona o aumento das queimadas – em um ano sem uma seca pronunciada – ao desmatamento, especialmente na relação entre áreas de desmatamento apontadas pelo Deter e os locais de aumento das queimadas.

Lisandra Paraguassu/Reuters