Depois da água, gestão do lixo pode ser o novo foco de crise no Brasil


Geração do lixo no país aumentou cinco vezes mais do que o crescimento populacional

Um café com leite e um pão com manteiga iniciam o dia de milhares de brasileiros. O preço do pãozinho subiu. O do café também. E o banho matinal está mais curto por causa da crise hídrica. Fora isso, a vida segue. Ninguém se pergunta para onde vai o pote de manteiga quando seu conteúdo acabar, tampouco o que fazer com o resto de café no coador ou com a embalagem de leite. E esse será o centro de uma nova crise, caso o poder público e a população não se mobilizem.

O cenário é crítico. Só no Brasil, no ano passado, 30 milhões de toneladas de lixo foram parar nos lixões, que são aterros considerados inadequados e oferecem risco ao meio ambiente e à saúde. Esse número representa 40% do total de lixo gerado no país neste ano. Os dados fazem parte de um levantamento da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Sólidos (Abrelpe). “São cerca de 80.000 toneladas de lixo poluindo solo e água diariamente”, afirma Ednilson Viana, professor da USP e membro do Conselho de Curso de Gestão Ambiental. “As pessoas não têm noção do que isso significa”.

Para Viana, os números apontam para um possível colapso em um futuro não muito distante. “Estamos a caminho de uma situação crítica, como a situação da água. A próxima crise será a do lixo”, diz. E os passos dados pelo poder público nesse âmbito também são lentos. Em 2010, foi instituída a Lei Nacional de Resíduos Sólidos, que, dentre outras coisas, estabelecia que os municípios entregassem, até agosto de 2012, um plano de gestão para o lixo. Também concedia o prazo de agosto de 2014 para que as cidades acabassem com os lixões.

Nenhum dos dois prazos foi cumprido. Por isso, em julho deste ano, o Senado aprovou a prorrogação desse tempo, dividindo as datas para os diferentes tamanhos de cidades. Com a nova norma, as capitais e municípios de regiões metropolitanas têm até 31 de julho de 2018 para acabar com os lixões. As cidades com mais de 100.000 habitantes terão até o final de julho de 2019. Já os municípios entre 50.000 e 100.000 habitantes têm até 31 de julho de 2020, e os com menos de 50.000 habitantes têm até julho de 2021.

E essa é apenas uma das legislações decorrentes sobre o tema. Desde 1979 o Brasil condena o descarte em lixões e desde 1981 a poluição ambiental é considerada crime. Desde 1998 é necessário obter licenciamento ambiental para o descarte de materiais, algo distante da realidade dos lixões.

Para Marcelo Antunes Nolasco, professor em Sustentabilidade e pesquisador da USP, a aprovação da Lei de Resíduos Sólidos significou um marco regulatório importante para o país. Porém, faltou estrutura para que a norma fosse levada a sério. “O poder público federal não realizou um trabalho prévio adequado com as esferas estaduais e municipais e tampouco criou instrumentos econômicos que pudessem fazer caixa para as prefeituras adotarem as medidas adequadas para a disposição final de resíduos sólidos”, diz.

Segundo Nolasco, embora as leis não estejam sendo cumpridas, é difícil aplicar alguma pena por isso. “Dada a complexidade da questão e as dificuldades dos gestores públicos municipais em acessarem recursos, dificilmente poderia se dizer que os prefeitos que não cumpriram a lei sejam criminosos”, diz. “Mas essa é outra questão. O ponto é: o que os gestores públicos estão fazendo hoje, para que em 2019 não tenhamos mais surpresas negativas?”.

Além de legislações mais firmes e que se façam cumprir, é preciso que o poder público desenvolva políticas capazes de engajar a população para solucionar o problema. “Do total de resíduos sólidos no Brasil, 32% poderiam ser reciclados”, afirma Carlos Silva Filho, diretor presidente da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). “Atualmente e efetivamente, porém, são reciclados apenas 4%”.

Fonte: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/01/politica/1443722260_724627.html

Laísa Mangelli

As emissões que vêm das nossas latas de lixo


"Das 27 capitais brasileiras 16 têm aterros. Mas o próprio Distrito Federal mantém há décadas em área nobre, a 15 quilômetros do Palácio do Planalto, o chamado 'lixão da Via Estrutural', que ocupa 174 hectares, onde trabalham 2,5 mil catadores de resíduos", escreve Washington Novaes, jornalista, em artigo, publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, 21-08-2015.

Segundo ele, "nem seria o caso de falar do desperdício de recursos que estão no lixo. Nem na inacreditável perda de alimentos jogados fora. A ONU assegura que um terço dos alimentos produzidos no mundo são desperdiçados – quando 800 milhões de pessoas passam fome. Nos Estados Unidos, 34 milhões de toneladas de comida são jogadas no lixo todo ano. É estarrecedor".

Eis o artigo.

A divulgação de relatórios sobre emissões de gases do efeito estufa pelo ICLEI (Local Governments for Sustainability)- SEEG tem permitido análises importantes para o País nos setores de energia e uso de produtos, agropecuária e resíduos. São análises que podem orientar rumos que o Brasil precisa seguir em suas atividades, para reduzir seu indesejável papel de um dos maiores produtores no mundo de metano, óxido nitroso e dióxido de carbono – segundo o Banco Mundial, em três décadas nossas emissões cresceram três vezes acima do crescimento da população.

São conhecimentos decisivos nestes tempos de graves problemas. Só a agropecuária global responde por 10% a 12% das emissões – embora a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO-ONU) avalie que essa participação pode aumentar muito, com o crescimento da demanda por alimentos (mais 15% a 40%), nas próximas décadas. E o Brasil é o segundo maior emissor na agropecuária, com 1,56 bilhão de toneladas anuais de dióxido de carbono, número que pode dobrar se incluídas as emissões por desmatamento e uso de combustíveis fósseis no setor.

O setor de energia teve a maior taxa média de crescimento anual entre 1990 e 2013. E a área de resíduos, que inclui a disposição no solo e incineração, bem como o tratamento de efluentes domésticos e industriais, em 2013 emitiu 48,73 milhões de toneladas de dióxido de carbono. Materiais orgânicos em aterros e lixões intensificam a ação de bactérias, a decomposição e a geração de metano – da mesma forma que os esgotos domésticos, com alto teor de matéria orgânica, e os efluentes industriais, com seu conteúdo orgânico em muitos produtos, entre eles cervejas, leite cru, papel, etc.

É preciso dar atenção especial ao setor de resíduos, que merece poucas análises quando se trata de emissões e clima, embora já responda por 3,11% do total de emissões. O crescimento médio das emissões entre 1970 e 2013 foi de 2,66% ao ano, mais acentuado a partir de 1989, com pico de 6,22%. Nas emissões por Estados, o crescimento médio foi maior em São Paulo (19,25%), Minas Gerais (9,39%), Paraná (7,68%), Rio Grande do Sul (7,12%) e Rio de Janeiro (6,54%).

No Brasil, a produção diária de resíduos chega a 1,06 quilo por pessoa – ou seja, mais de 200 mil toneladas diárias. E somos o quinto maior gerador de resíduos. Mas, segundo a Confederação Nacional de Municípios, apenas nove cidades concluíram no prazo a primeira fase da eliminação de lixões, obrigatória pela Política Nacional de Resíduos Sólidos. Metade dos 2.400 municípios consultados nem sequer planos tinha – e eles eram obrigatórios para pleitear recursos federais.

Há quem estime em R$ 70 bilhões os recursos necessários para dar fim aos lixões. Mas como se fará se o Ministério das Cidades, a maior fonte provável deles, foi um dos que mais corte sofreu na recente revisão do Orçamento da União, mais de R$ 17, 23 bilhões?

Ainda a Confederação Nacional de Municípios calculou no ano passado que 61,4% dos municípios consultados tenham enviado resíduos para aterro; os restantes, para lixões. Das 27 capitais brasileiras 16 têm aterros. Mas o próprio Distrito Federal mantém há décadas em área nobre, a 15 quilômetros do Palácio do Planalto, o chamado “lixão da Via Estrutural”, que ocupa 174 hectares, onde trabalham 2,5 mil catadores de resíduos e é o maior depósito de lixo a céu aberto no País. O autor destas linhas – como já foi relatado aqui – teve uma experiência pessoal no início da década de 1990: quando, secretário de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia, fez um plano diretor para o lixo deBrasília, que previa a eliminação do depósito da Via Estrutural, a destinação de todos os resíduos para um aterro e uma usina de reciclagem adequados. A oposição foi brutal, de vários setores, e impediu a concretização.

Entre 50% e 55% do lixo urbano produzido no Brasil são resíduos orgânicos, que podem ser compostados e transformados em adubo para várias áreas – não a de alimentos, por causa de resíduos de metais pesados. Seria um ganho enorme, porque hoje a maior ocupação de áreas de aterros é com o lixo orgânico e a compostagem é mínima.

Plásticos respondem por 13,5% do total do lixo; papel, papelão e tetrapak por 13,1%; vidro por 2,4%; metais por 2,9%; e outros resíduos por 16,7%. Junto com o lixo orgânico, parcelas importantes desses outros resíduos poderiam ser reduzidas em mais de 50% – segundo a associação das empresas do setor. E isso significaria liberar parte importante dos aterros, já que, somando aos orgânicos, são 83%. Ainda é preciso lembrar que poderá haver aumento no lixo com o final, em 2018, da televisão analógica, que implicará alto descarte – embora a legislação preveja destinação especial para esse tipo de resíduo.

Infelizmente, o tema do lixo ocupa lugar desprezível – quando ocupa – nas áreas administrativa e política. Estados e municípios acham que cabe ao governo federal fornecer-lhes recursos e não os conseguem, em geral, quando pleiteiam. Não querem cobrar dos cidadãos, que rejeitam uma nova taxação – como aconteceu na cidade de São Paulo, onde foi criada e abolida depois de pouco tempo. Os cidadãos acham que já pagam pelos trabalhos com o lixo, quando fora daqui o que se vê é que só foram encaminhadas soluções nos países que criaram uma taxa proporcional a todo o lixo gerado, nas residências, no comércio, nas indústrias, em toda parte. Mas nossos administradores temem perder a aprovação e votos se enveredarem por aí.

Nem seria o caso de falar do desperdício de recursos que estão no lixo. Nem na inacreditável perda de alimentos jogados fora. A ONU assegura que um terço dos alimentos produzidos no mundo são desperdiçados – quando 800 milhões de pessoas passam fome. Nos Estados Unidos, 34 milhões de toneladas de comida são jogadas no lixo todo ano. É estarrecedor.

Fonte: IHU