Água: bem universal ou privilégio de poucos?


“O acesso à água deve ser universal, para todas as pessoas, independente de qualquer aspecto financeiro ou de privilégio”

Por Roberta Romão

Há alguns anos, a ciência afirmava que o ciclo da água que ia da terra para a atmosfera em forma de vapor e retornava como chuva seria eterno. O problema é a não existência de uma purificação neste processo, uma vez que a chuva ácida se mantém no ambiente. Passa-se a pensar, então, que este recurso natural é finito, uma vez que a poluição compromete sua qualidade.

Além disso, estamos enfrentando um período longo de seca em São Paulo, o pior em 84 anos. O Sistema Cantareira está com 13,8% de sua capacidade, isso considerando o Volume Morto, visto por alguns como impróprio.

“O volume morte é destinado a sedimentação de partículas em suspensão, visando garantir uma melhor qualidade de água do volume útil, logo, a qualidade de sua água é inferior a do volume útil. A captação de água do volume morto para consumo humano precisa estar associada também ao biomonitoramento e não apenas a aplicação de procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade”, afirma Roberta Baptista Rodrigues, professora de Engenharia Ambiental e Sanitária e de Engenharia Civil da Universidade Anhembi Morumbi.

Em abril, o Consumidor Consciente apresentou algumas dicas sobre como economizar no consumo de água e em que interfere a compra de itens com tecnologia voltada à sustentabilidade. E falamos também sobre o relatório final do Plano da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, produzido pela Fundação de Apoio à USP em 2009. Ele destacava que o Cantareira tinha um “déficit de grande magnitude” e aconselhava que medidas fossem tomadas para evitar seu colapso.

 Mas como não nos preparamos, cabe, agora, mudar atitudes. “A sensibilização das pessoas é uma ação preponderante na busca pelo uso eficiente da água. Disseminar o conhecimento sobre atos cotidianos mais eficientes, assim como de tecnologias e soluções de fato comprovadamente mais sustentáveis, certamente poderia ser uma ação importante do poder público, através do desenvolvimento de campanhas para o engajamento das pessoas para o tema”, afirma o engenheiro MSc. Osvaldo Barbosa de Oliveira Junior, do setor de Engenharia de Aplicação Deca.

Osvaldo cita como exemplo a quantidade de água que cada um consome e qual seria o ideal. Como comparação e informação, a média de consumo hoje nos apartamentos em São Paulo varia entre 150 a 200 litros de água por pessoa por dia, e poderia chegar a cerca de 120 litros de água por pessoa por dia. “Resta buscar o engajamento de todos e a sensibilização para o tema, de forma a utilizar a água de maneira mais eficiente em nosso cotidiano, até mesmo nas atividades mais simples”.

Utilização de outros mananciais
O governador Geraldo Alckmin disse que o estado planeja a interligação entre os reservatórios Atibainha e Jaguari. Porém, o engenheiro Osvaldo comenta que tanto o rio Atibainha quanto o reservatório Atibainha fazem parte do sistema Cantareira, e portanto sua utilização já é crítica.

“Entretanto, mesmo em se tratando do volume final restante, também denominado “volume morto”, não deve haver maiores complicações quanto a qualidade da água, pois os sistemas de tratamento de água estão preparados para adequar a água a ser tratada aos padrões de potabilidade exigidos por Lei”.

Ainda segundo Osvaldo, o uso de qualquer novo manancial deve ser exaustivamente avaliado, “pois a transposição de águas entre bacias e mesmo a exploração de águas subterrâneas geram impactos relevantes para as pessoas que habitam as regiões próximas a estes mananciais. Portanto, uma avaliação técnica precisa deve ser desenvolvida, avaliando-se a disponibilidade hídrica das regiões e utilizando este dado como diferencial estratégico na idealização das ações necessárias”.

Rodízio
Em janeiro, a Sabesp entregou um plano de rodízio de água na região da Grande São Paulo, recomendado pelo Ministério Público Federal, mas descartado pelo governador do estado, Geraldo Alckmin. Umas das alternativas que constam no documento é o rodízio de 48 horas com e 24 horas sem água.

“Do ponto de vista técnico, esta é uma solução que deve ser evitada ao máximo, dado possíveis riscos de contaminação da rede. Ao se paralisar o abastecimento, ocasionando o esvaziamento das tubulações, pode ocorrer o ingresso de material indesejado nesta tubulação vazia, visto que nossas redes não são totalmente estanques, podendo gerar contaminação”, explica Osvaldo.

“Vale ressaltar que as concessionárias detém grande conhecimento sobre o assunto, e deverão minimizar estes riscos com métodos adequados para a aplicação de um possível rodízio, dado o extenso arcabouço legal que requisita da concessionária a garantia na qualidade da água de abastecimento”.

Com o programa de bônus lançado em fevereiro e a redução da pressão da água durante a noite, medidas do Plano de Contingência 2, o Sistema conseguiu uma economia de 8.400 litros por segundo no mês de junho. “Assim, pelo poder público, o ideal no momento seria dar enfoque à disseminação de informações sobre o assunto, além de estudos de contingência sobre possíveis fontes alternativas de abastecimento”, opina Osvaldo.

Bônus e multa
O governador Geraldo Alckmin desistiu de aplicar multa aos consumidores que aumentarem o consumo de água devido ao número de pessoas que conseguiram diminuí-lo. De acordo com a Sabesp, até 23 junho, 87% dos clientes abastecidos pelo Sistema Cantareira haviam reduzido o consumo, dos quais 55% atingiram a meta de 20% de economia e receberam 30% de desconto na fatura.

Osvaldo cita os edifícios verticais residenciais antigos, que foram projetados com várias entradas de água nos apartamentos, dificultando uma possível medição do consumo de cada unidade. No final da década de 90 e início dos anos 2000, iniciativas do poder legislativo, em nível estadual e federal, buscaram obrigar à instalação de medidores individuais também nos apartamentos, e não somente em casas.

“Com as primeiras obras finalizadas e os primeiros apartamentos sendo utilizados, ficou claro que o consumo, em geral, é bastante elevado, dado que os apartamentos têm uma condição de pressão e vazão muito melhor que uma casa térrea. Com isso, as primeiras contas recebidas sempre geraram descontentamento e até mesmo indignação, pois as pessoas não esperavam que fossem gastar tanto. Entretanto, imediatamente após a constatação de que realmente gastavam muito, e poderiam economizar, a procura por produtos e tecnologias para redução do consumo em condomínios foi enorme”.

Como exemplo, o engenheiro cita um estudo da Poli-USP em Guarulhos que mostrou que, em uma mesma região, para edifícios similares, aqueles que dispunham de medição individualizada gastavam em média 17% menos água do que aqueles que não possuíam este tipo de tecnologia.

“Portanto, além dos fatores sensibilização e conhecimento já citados, o fator financeiro deve ser levado em consideração, com a aplicação não somente de bônus, mas também de multas. Entretanto, para isso, a metodologia para se atribuir o bônus e a multa deve também ser disseminada e entendida pela população, pois esta ação deve ter uma caráter muito mais educativo do que punitivo”.

Crédito da imagem: Portal Rádio Regional de Ipu.

Fonte: Consumidor Consciente