Diminuição das desigualdades deve ser comemorada com cautela.


 Entrevista especial com Diogo Coutinho

"A desigualdade poderia ser reduzida de forma mais intensa no Brasil se certas instituições fossem reformadas para que se tornassem efetivamente redistributivas, já que hoje várias delas paradoxalmente favorecem os ricos em detrimento dos pobres", diz o advogado.

                                          

A queda da desigualdade no Brasil "não resulta de um ataque efetivo aos gargalos e entraves que compõem a 'armadilha da desigualdade'” no que se refere à renda, riqueza, oportunidades e status social, adverte Diogo Coutinho, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail. Na avaliação dele, "os ganhos de igualdade" da última década estão particularmente relacionados com o aumento do salário mínimo e os programas sociais de distribuição de renda, "não de mudanças estruturais em arranjos jurídico-institucionais que há séculos conservam o status quo e impedem a mobilidade social no país".

Para Coutinho, a tributação "é uma das causas mais graves da desigualdade no Brasil", porque os tributos "são mal calibrados em termos de incidência e alíquotas e tendem – em especial no caso dos impostos indiretos – a penalizar os mais pobres". E acrescenta: "O imposto de renda, que é usado no mundo todo para redistribuir renda, no Brasil tem essa função de “Robin Hood” mitigada ou mesmo revertida pelas distorções que favorecem as classes mais abastadas

Diogo R. Coutinho é doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de São Paulo – USP, na qual leciona atualmente. É pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – Cebrap.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em artigo recente, o senhor comentou que a queda da desigualdade de renda no Brasil na última década deve ser comemorada sem exagero. O debate sobre a diminuição das desigualdades no país é desproporcional à realidade?
Diogo R. Coutinho – O que o professor Octávio Ferraz e eu dissemos no artigo a que você se refere é que a celebração da recente queda da desigualdade no Brasil é importante e bem-vinda, mas não resulta de um ataque efetivo aos gargalos e entraves que compõem a “armadilha da desigualdade” – isto é, a cristalização da desigualdade em suas várias facetas (renda, riqueza, oportunidades, poder e status social) nas instituições, nas leis, nas políticas públicas e na vida social do país, favorecendo os mais ricos em prejuízo dos mais pobres. Isso porque os recentes “ganhos de igualdade” que tivemos resultam, basicamente, de aumentos do salário mínimo e das transferências do Bolsa Família, não de mudanças estruturais em arranjos jurídico-institucionais que há séculos conservam o status quo e impedem a mobilidade social no país. Em outras palavras, procuramos dizer que a desigualdade poderia ser reduzida bem mais intensamente no Brasil se certas instituições fossem reformadas para que se tornassem efetivamente redistributivas, já que hoje várias delas paradoxalmente favorecem os ricos em detrimento dos pobres. Exemplos disso são os sistemas previdenciário, tributário, de acesso à saúde, educação, moradia, entre outros. Por isso, sugerimos alguma cautela e moderação na hora de comemorar, pois ainda há muito a fazer.

                                    

IHU On-Line – Quais são as causas das desigualdades no Brasil? A tributação equivocada é a maior causa?

Diogo R. Coutinho – A tributação, que em países que construíram um Estado de Bem-Estar Social tem uma função claramente redistributiva, é uma das causas mais graves da desigualdade no Brasil. Nossos tributos, como regra, são mal calibrados em termos de incidência e alíquotas e tendem – em especial no caso dos impostos indiretos – a penalizar os mais pobres. O imposto de renda, que é usado no mundo todo para redistribuir renda, no Brasil tem essa função de “Robin Hood” mitigada ou mesmo revertida pelas distorções que favorecem as classes mais abastadas.

Veja também a dificuldade que é instituir um IPTU progressivo nas cidades brasileiras, assim como a tributação de grandes fortunas. Mas a tributação não é a única causa da desigualdade. A noção de “armadilha da desigualdade”, que utilizamos em nosso artigo, refere-se a um conjunto de fatores que, de forma retroalimentada, colabora para afastar pobres de ricos, aumentando o fosso social e atravancando o desenvolvimento. No caso brasileiro, por razões históricas e também mais recentes, parece que quase tudo conspira contra os pobres: desde os sistemas de transporte até a estrutura fundiária, passando pelo acesso à educação, aposentadorias, medicamentos, sistemas de justiça, transportes, etc. Basta lembrar que apenas há muito pouco tempo fomos capazes de dar alguma dignidade aos trabalhadores domésticos. Imaginem quanto dinheiro as elites brasileiras “economizaram” com horas extras e outros direitos trabalhistas nas últimas décadas, quando se pensa em empregadas, babás, cuidadoras, etc? Foram gerações e gerações de elites nutridas, criadas e educadas à custa do sacrifício dos pobres e de seus filhos.

IHU On-Line – Em que medida o direito pode ser um instrumento de redução de desigualdade e indutor do desenvolvimento?

Diogo R. Coutinho – Entendo que o direito pode ser compreendido tanto como um vetor de cristalização e perenização da desigualdade, quanto como uma variável-chave na promoção da justiça social. Afinal, o arcabouço jurídico, ao forjar e delimitar categorias centrais à vida econômica – como “capital”, “propriedade”, “trabalho”, “crédito”, “salário”, “tributo”, “contrato”, entre tantas outras – permanentemente produz e reproduz consequências distributivas na sociedade (nem sempre percebidas, diga-se). Os juristas brasileiros estão habituados a falar em justiça social e são desde cedo expostos a diversas concepções metafísicas sobre o que ela é, ou deveria ser. A conhecida fórmula “tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades” ilustra isso. No entanto, não são educados ou treinados para desempenhar o papel-chave que, na prática, terminam cumprindo na implementação de políticas públicas que são, por excelência, os mecanismos pelos quais direitos econômicos e sociais se efetivam no Estado de Bem-Estar Social. Por conta disso, sejam eles juízes, advogados, promotores de justiça, defensores, administradores ou gestores públicos, os profissionais do Direito se ressentem de falta de familiaridade e expertise para lidar com os desafios e dilemas que a concretização de um ideal de justiça distributiva suscita a todo o tempo. Isso é um problema grave, acredito, que tem raízes no ensino jurídico e nas teorias do Direito.

IHU On-Line – Que medidas podem tornar a reforma tributária mais eficaz e progressiva? Uma mudança no sistema tributário teria mais impacto sobre as desigualdades?

Diogo R. Coutinho – Não sou especialista em sistemas tributários e em sua reforma, mas acredito que, se nossos tributos passassem por um “raio X” pelo qual seus impactos distributivos fossem medidos, constataríamos que há muitos ajustes a fazer e injustiças a corrigir. O mesmo vale para o sistema previdenciário, que é regressivo (isto é, pró-ricos), favorecendo desproporcionalmente os funcionários públicos de alto escalão do Executivo, Legislativo e Judiciário. Esses grupos, que já recebem bons salários durante a carreira, continuarão a ter direito a aposentadorias integrais (ou quase) até que o regime de previdência complementar instituído pela reforma constitucional entre em vigor, o que já tarda mais de 10 anos. O resto da população, incluindo-se aqui os mais pobres, aposenta-se sob o regime geral da previdência social, ganha em sua maioria um salário mínimo ou sequer tem acesso à previdência por trabalhar no setor informal. Em resumo, o que precisamos é de uma avaliação distributiva de nossas normas e sistemas de implementação de políticas públicas – afinal, não basta termos leis bem intencionadas, progressistas ou transformativas se, na prática, seus efeitos são opostos àqueles almejados.

IHU On-Line – Por que o índice de Gini não é o método mais adequado para verificar a distribuição da renda?

Diogo R. Coutinho – Porque o Gini, a despeito de ser uma referência consagrada no campo dos estudos da desigualdade, releva apenas parte da história. Esse índice leva em consideração principalmente os rendimentos do trabalho formal e transferências públicas, deixando de fora da medição a maior parte dos rendimentos do capital (cerca de 80% do rendimento dos ricos no caso brasileiro). A desigualdade medida pelo Gini não é, portanto, inteiramente adequada para revelar a real distribuição da renda entre trabalhadores formais e informais, de um lado, e empresários, banqueiros, latifundiários, proprietários de bens e de imóveis alugados, de outro. Ou seja, o Gini não mede a desigualdade acumulada sob outras formas de riqueza que não a renda em sentido estrito. Além disso, o Gini não captura a desigualdade de oportunidades, de status, de poder, de raça, de gênero. Os estudiosos do assunto nos lembram com muita frequência que a desigualdade é uma noção multidimensional, com diversas facetas, e que isso precisa ser levado em conta na hora de dimensioná-la. Isso não significa que o Gini não seja relevante ou útil, contudo, vale sempre lembrar que ele é limitado quando se trata de retratar de forma completa a armadilha da desigualdade brasileira.

IHU On-Line – A política de acesso ao crédito do governo federal fez bastante sucesso nos primeiros anos por conta do crescimento da economia e ascensão da classe C. Como vê essa política enquanto tentativa de diminuir as desigualdades?

Diogo R. Coutinho – Não vejo o acesso ao crédito como algo negativo a ponto de ameaçar a sustentabilidade do crescimento, mas o desenvolvimento não se constrói somente a partir do estímulo ao consumo, explicam os economistas. É necessário combinar isso com outras políticas macro e microeconômicas capazes de aumentar a produtividade da economia, estimular a inovação, proteger o meio ambiente e, claro, promover a justiça social para mais além do acesso a bens de consumo.

IHU On-Line – Que modelos político e econômico garantem a diminuição das desigualdades? Países mais igualitários seguem quais padrões de desenvolvimento?

Diogo R. Coutinho – Acredito que, de forma sintética, podemos dizer que países que crescem de forma mais sustentável e (o que é bastante importante) reduzindo desigualdade ao invés de aumentá-la, são países que construíram e aperfeiçoam sistemas de bem-estar funcionais, multifacetados, articulados com a política econômica e capazes de combinar arranjos universais (isto é, políticas públicas acessíveis a todos) com arranjos focalizados (políticas públicas que adotam prioridades em relação à definição de seu público-alvo). Como nos explica a Professora Celia Lessa Kerstenetzky em seu excelente livro “Estado do Bem-estar Social na Idade da Razão”, o Estado do bem-estar social, com seu potencial redistributivo, inclusivo e emancipador, é tanto causa quanto consequência do progresso das sociedades e, em sua dinâmica, eficiência econômica e justiça distributiva se reforçam mutuamente, ao invés de se excluírem.

IHU On-Line – Os programas de transferência de renda foram considerados um avanço, mas ainda não alteraram a desigualdade estrutural. Quais os limites desses programas e como avançar a partir deles?

Diogo R. Coutinho – Entendo que o grande desafio a partir de agora é articular esses programas com os demais componentes de um Estado de Bem-Estar Social robusto, num esforço intersetorial complexo e desafiador, mas necessário. As transferências de renda devem ser combinadas de forma mais orgânica com políticas de inclusão produtiva, capacitação profissional, assim como com políticas universais de saúde, educação, moradia e outras. Trata-se de um desafio de integração funcional das políticas sociais, produtivas e de emprego com a finalidade de alcançar uma dinâmica virtuosa pela qual o desenvolvimento seja não apenas traduzido em crescimento do PIB, mas também em “ganhos de equidade”. Esse é o verdadeiro desenvolvimento, em sua acepção mais completa.

Fonte: IHU – Instituto Humanitas Unisinos

 

Devastação na Amazônia pode ficar entre 9 mil e 11 mil km2


“Se ficar entre 9 e 11 mil, é a curva da subida que vem acontecendo desde 2012”, disse o ministro do Meio Ambiente (Reuters)

Brasília – Os dados de sistema de satélites que faz o monitoramento anual do desmatamento por corte raso na Amazônia Legal, o Prodes, a serem divulgados nesta segunda-feira (18), devem apontar que a região perdeu, entre agosto de 2018 e julho deste ano, entre 9 mil e 11 mil quilômetros quadrados de mata nativa, no maior número registrado desde 2008.

“Deve ficar entre 9 mil e 11 mil quilômetros quadrados. Essa é a projeção que se faz com base nos dados que o Deter revelou para esse mesmo período”, disse o ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, responsável por monitorar o desmatamento, Gilberto Câmara.

O índice também é apontado por outras fontes ouvidas com conhecimento dos dados. O mesmo número é estimado também em um estudo publicado no periódico Global Challenge Biology, que analisou as causas e os números da crise das queimadas na Amazônia este ano.

Usando a comparação entre os dados do Deter – sistema mensal de monitoramento de desmatamento usado pelo Inpe, mais impreciso, mas que gera alertas de onde há suspeita de ação de desmatadores – e a relação tradicional com os números anuais do Prodes, o estudo, liderado por pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (MG) e da universidade britânica de Lancaster, apontou para um desmatamento de 10 mil quilômetros quadrados.

Se os dados apresentados nesta segunda-feira pelo Inpe confirmarem essas estimativas, o número do desmatamento será o maior desde o período 2007-2008, quando fechou em 12.911 quilômetros quadrados de área desmatada.

De acordo com os dados disponíveis nas páginas do Inpe, o Deter levantou, no mesmo período usado pelo Prodes – 1º de agosto de 2018 a 31 de julho de 2019 – um desmatamento raso de 6.840 quilômetros quadrados. A estimativa leva em conta que os números do Prodes costumam ser, em média, 1,54 vezes o levantado pelo Deter.

No período 2017-2018, o Deter havia levantado um desmatamento de 4.571 quilômetros quadrados, mas o número do Prodes finalizado chegou a 7.536 quilômetros quadrados, 64,8% maior. Nos dois períodos anteriores, a variação foi de 49,7% e 46,8%, sempre com o Prodes finalizando maior que os dados do Deter.

A estimativa dos técnicos representaria um crescimento em torno de 30%, um índice menor do que o apontado recentemente nas comparações de crescimento do desmatamento em julho, agosto e setembro deste ano com 2018, mas ainda assim um salto maior do que os registrados nos últimos anos.

Além disso, o Prodes ainda deixa de fora justamente os meses de agosto e setembro deste ano, pegando apenas julho dentre os meses em que o desmatamento realmente cresceu.

Em julho, os dados do Deter apontaram para 2.254 quilômetros quadrados de área desmatada, um valor 278% maior do que em 2018. Em agosto, mais 1.701 quilômetros quadrados desmatados, 70% mais que no mesmo mês de 2018, e, em setembro, mesmo com a ação de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para controle das queimadas, um crescimento de 96%.

Até junho deste ano, quando o Deter detectou um início do crescimento da área desmatada, os números ainda estavam levemente abaixo de 2018. Neste mês, o crescimento foi de 25%.

Questionado sobre essas estimativas, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que ainda não teve acesso aos dados fechados do Inpe e por isso não queria comentá-los, mas minimizou o crescimento projetado.

“Se ficar entre 9 e 11 mil, é a curva da subida que vem acontecendo desde 2012”, disse. “Se chegasse naqueles números que a imprensa vinha falando, tinha que ficar em 14 mil.”

Segundo Salles, o governo irá anunciar algumas medidas nesta segunda-feira junto com a apresentação dos números, mas na semana que vem, depois de chamar uma reunião com os governadores da região amazônica, novas ações devem ser programadas. O anúncio dos números, normalmente feito em Brasília, foi deslocado para São José dos Campos, onde fica a sede do Inpe.

Críticas

A divulgação mensal dos dados do Deter, que apontaram um crescimento exponencial a partir de julho, abriram uma crise no governo que levou à demissão do então presidente do Inpe, Ricardo Galvão.

Em entrevista a correspondentes estrangeiros, o presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que Galvão estava “a serviço de ONGs estrangeiras” e que os números estariam errados.

O ministro do Meio Ambiente chegou a chamar uma entrevista no Palácio do Planalto para apontar falhas no trabalho do Inpe e disse que os números “não refletiam a realidade”, mas acabou por admitir que havia aumento.

Logo depois da revelação do aumento do desmatamento, em agosto deste ano, o número de queimadas na Amazônia atingiu o ápice, em um crescimento de mais de 80% em relação ao período comparativo do ano passado. As informações e imagens sobre a devastação da floresta amazônica correram o mundo e provocaram críticas à política ambiental do governo.

O estudo apresentado no Global Biology Challenge relaciona o aumento das queimadas – em um ano sem uma seca pronunciada – ao desmatamento, especialmente na relação entre áreas de desmatamento apontadas pelo Deter e os locais de aumento das queimadas.

Lisandra Paraguassu/Reuters

Primeiro polo de reciclagem do Brasil é inaugurado no Rio


               

Catadores do antigo lixão de Gramacho, em Duque de Caxias (RJ), poderão contar com o primeiro polo de reciclagem de lixo do Brasil, inaugurado na última sexta (22). Na primeira etapa do projeto, cerca de 140 catadores terão à disposição dois galpões voltados para o recebimento, triagem, enfardamento e estocagem de resíduos para venda.

Ao final desta fase, prevista para o dezembro, a Secretaria Estadual do Ambiente vai entregar os projetos executivos do polo aos parceiros financiadores. Os relatórios vão conter os respectivos custos previstos, que indicarão a construção de mais seis galpões.

Com isso, o espaço onde funcionava o lixão terá, no total, oito galpões com maquinário, duas unidades de processamento de resíduos, além de um centro administrativo para cursos de qualificação profissional e uma creche. A ideia é absorver 400 ex-catadores, promovendo a inclusão socioprodutiva.

De acordo com ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, que esteve na inauguração, o Rio é um símbolo que vai inspirar outros estados a iniciarem projetos direcionados para ações sustentáveis. "Nós encontramos uma forma adequada e fecunda que deu certo, juntando a capacidade de organização e luta dos catadores pela cidadania, com o apoio de entidades sociais e a sensibilidade dos governos municipal e estadual, que estimularam a criação desse projeto. Gente que era tida como à margem da sociedade consegue, com essa luta, dar um salto que reafirma sua condição humana e se tornam agentes econômicos importantes", discursou Carvalho.

O secretário do Ambiente do RJ, Carlos Minc, disse que a intenção do governo é ampliar a iniciativa de reciclagem. "Nós estamos em contato com a UFRJ, para que eles possam nos apoiar nessa iniciativa, nos dando resíduos para que os catadores aqui possam reciclá-lo”, comenta. Segundo ele, o governo pretende implantar uma medida para que as cooperativas não esperem meses até conseguir tirar uma licença ambiental. Também haverá um trabalho de conscientização das grandes empresas.

           

Situado às margens da Baia de Guanabara, em Duque de Caxias, o Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho, criado em 1976, era o maior lixão a céu aberto da América Latina, e recebia diariamente cerca de 11 mil toneladas de resíduos vindos do município do Rio. Provocando durante décadas a poluição das águas da baía de Guanabara.

A atividade de catação no local, que chegou a recuperar mais de 200 toneladas por dia de resíduos recicláveis e reaproveitáveis, movimenta, no seu entorno, uma economia que dava sustento a mais de 15 mil pessoas.

Com o fechamento do aterro, em 2012, os catadores organizados em cooperativa e em uma associação, assumiram a responsabilidade de dar continuidade na atividade de catação e propuseram ao governo federal e estadual a criação do pólo de reciclagem.

O lixo da capital que era levado para Gramacho passou a ser transportado à Central de Tratamento de Resíduos do Município de Seropédica. Em parceria com a Petrobras, com o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social e a Fundação Banco do Brasil, o polo de reciclagem de Gramacho conta com investimento de R$ 12 milhões. A Refinaria Duque de Caxias (Reduc) está disponibilizando resíduos sólidos para que os catadores possam desenvolver os trabalhos iniciais.

Fonte: http://agenciabrasil.ebc.com.br/

Laísa Mangelli.

 

Brasil aparece em 77º em ranking de desempenho ambiental


Índice avaliou 178 países em diversas categorias, sendo que o Brasil se destaca negativamente principalmente na questão do saneamento básico, no desmatamento e na tendência de aumento da intensidade de carbono na economia

 

Pesquisadores das Universidades de Yale e Colúmbia, ambas nos Estados Unidos, em parceria com o Fórum Econômico Mundial, divulgaram nesta semana o Environmental Performance Index 2014 (EPI), classificando 178 países de acordo com dois grandes temas: “Proteção da saúde humana das ameaças da natureza”, que inclui questões como saneamento básico e impactos da poluição do ar e da água; e “Vitalidade dos ecossistemas”, que engloba, entre outros fatores, leis de proteção da biodiversidade e impactos da matriz energética no meio ambiente.

Considerando todos os critérios, a Suíça aparece como o líder do ranking, seguida por Luxemburgo, Austrália, Singapura e República Tcheca.

“Muitos dos países que figuram no topo neste ano são os mesmos de edições passadas. Isso demonstra como um bom desempenho ambiental está relacionado com políticas de longo prazo que priorizem a proteção dos ecossistemas e que comprometam investimentos neste sentido”, afirmou Angel Hsu, principal autor do índice.

Entre as grandes potências, a Alemanha é a melhor classificada, em sexto lugar. O Reino Unido está em 12º, o Japão, em 26º, a França, em 27º, e os Estados Unidos, em 33º. 

Já os países emergentes apresentaram modestas melhoras no ranking, mas ainda ocupam baixas posições, devido principalmente à sua urbanização desordenada, crescimento acelerado – movido muitas vezes pela destruição de ecossistemas – e pela ausência de leis de proteção ambiental.

A África do Sul está em 72º, a Rússia, em 73º, o Brasil, em 77º, a China, em 118º e a Índia aparece bem ao fim da lista, em 155º.

A posição ruim do Brasil se justifica pelo seu péssimo desempenho em alguns dos critérios. Em mortalidade infantil, por exemplo, apesar dos avanços dos últimos anos, o país ainda é o 95º no ranking. Em acesso a saneamento básico, que também resulta na alta mortalidade infantil, é o 98º.

 Em “tendência para o aumento de intensidade de carbono”, o Brasil está em 93º, um sinal de que a economia e o setor de energia estão seguindo um caminho de mais emissões de gases do efeito estufa, algo que é facilmente constatado pelo maior uso de termoelétricas e pelas promessas do governo de mais investimentos em carvão.

Mas a pior classificação do país é em “mudança de cobertura florestal”, 105º, destacando o aumento do desmatamento no ano passado, que pode estar relacionado com o enfraquecimento do Código Florestal, alterado em 2012.

No entanto, nem tudo é ruim para o Brasil; aparecemos em primeiro no item “poluição do ar – exposição a particulados (PM 2,5)”. Isso se deve ao grande número de habitantes do país que não vive metrópoles, e que, portanto, não está exposto a tanta poluição de automóveis e fábricas. A nossa atual matriz energética baseada em hidroeletricidade também explica o bom resultado.

Todas as cinco piores nações do ranking, Somália, Mali, Haiti, Lesoto e Afeganistão, estão envolvidas em conflitos civis ou em caos social devido a catástrofes naturais. É o caso do Haiti, que ainda está buscando se recuperar do terremoto de 2010, um reflexo de que, sem estabilidade política e institucional, não há proteção do meio ambiente, afirma o EPI.

“O nosso índice pode ajudar a direcionar os esforços internacionais na busca por cumprir as Metas de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Porém, ainda vemos que existe uma falta de estrutura política para que se acelere a transformação necessária para um modelo econômico e social realmente sustentável”, concluiu Hsu.

Imagem: Crianças brincam perto de esgoto a céu aberto em Brasília / Valter Campanato / AgenciaBrasil   
               O desmatamento voltou a crescer no Brasil em 2013 / Wikimedia Commons 

Fonte: Instituto Carbono Brasil

Extrativistas endossam boicote a produtos brasileiros


O CNS continua sendo a principal referência da luta pela preservação do modo de vida do povo da Amazônia. (Reuters)

Patrícia Azevedo

Boicote à comida brasileira. A campanha foi lançada pelo empresário sueco Johannes Cullberg, fundador da Paradiset, a maior rede de supermercados orgânicos da Escandinávia. Em página no Facebook, que contava com 3.176 curtidas nesta quarta-feira (13), o empresário apresenta suas motivações: protestar contra a alta taxa de desmatamento e o uso de pesticidas no país. Cullberg também afirma estar bravo e chateado com a postura do governo de Jair Bolsonaro, e tenta agora convencer seus concorrentes a aderir à campanha, divulgando a hashtag #boycottbrazilianfood.

“Este é o caminho – conversar e expor a situação da Amazônia para os outros países, construir uma consciência mundial. Viajamos para Europa neste ano, para denunciar e fazer essa articulação. Já há supermercados, como a rede sueca, embargando a compra de produtos brasileiros. Atingir a balança comercial, mesmo que pouco, é uma forma de colocar o governo contra a parede”, afirma Joaquim Belo, presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS). Fundado em 1985 por Chico Mendes e seus companheiros, o CNS – então chamado de Conselho Nacional dos Seringueiros – continua sendo a principal referência da luta pela preservação do modo de vida do povo da Amazônia. Além da articulação internacional, a entidade se empenha para construir alianças internas, buscando resultados mais efetivos.

Joaquim Belo, por sua vez, nasceu em 1963, no município de Mazagão, no Amapá, e herdou do pai a vocação para atuar como liderança. Durante passagem por Belo Horizonte, para participar da 4ª Semana de Estudos Amazônicos (Semea), conversou com o Dom Total sobre a importância do evento e o modelo de desenvolvimento econômico brasileiro. Abordou também os principais desafios vividos pelas populações extrativistas, formadas por 180 mil famílias em 693 territórios – o correspondente a 13% da Amazônia. “A Semea é um desses espaços fundamentais para a formação de alianças. A floresta, para alguns, é uma causa. Para a nossa população, é vida. Continuaremos na luta e recorreremos às cortes internacionais, se necessário”, ressalta. Confira a entrevista completa:

Joaquim Belo em debate da Semea
Joaquim Belo em debate da Semea

Como está a situação dos extrativistas? Ela mudou com o atual governo?

A nossa luta na Amazônia nunca foi fácil, enfrentamos muitas dificuldades, mas já foi um pouco “menos pior”. É a primeira vez que temos uma agenda ambiental tão preocupante. Nos deparamos com um governo que se elegeu pelas vias democráticas, mas com comportamento ditatorial. Com uma postura que é extremamente ameaçadora com relação àquilo que sempre tivemos como patrimônio –  a nossa biodiversidade. É um governo que vê a questão ambiental como empecilho ao desenvolvimento do país, de uma ignorância tremenda. Por essa lógica, estão lançando um ataque sobre nós, diretamente, pois dependemos da floresta, dos rios. É um momento seríssimo, mas estamos resistindo e vamos resistir. Como disse meu pai: não há mal que dure para sempre. Precisamos ter paciência e perseverança. Fortalecer as alianças e as parcerias, que sempre foram fundamentais para a nossa conquista.

A Semea tem estimulado essas parcerias? Como o senhor avalia o evento?

A Semea é isto, um espaço que une diversos pensamentos para fortalecer essa agenda comum – a proteção da Amazônia e da biodiversidade. É um evento que reconhece o valor dessa articulação. Nossa principal arma, neste momento, são as parcerias. Além disso, podemos trabalhar melhor a questão econômica. Usá-la contra o próprio governo. A política que se instalou em nosso planeta, pautada pelo fascismo, começa a perder forças. A América do Sul está vivendo um grande movimento neste sentido, um governo fascista acabou de cair na Argentina. Então, estamos vendo um sinal, se o Trump perder nos Estados Unidos, os governos fascistas começam a desmoronar de vez. Enquanto isso, é resistir. Nós não temos outros caminhos, afinal é o nosso modo de vida que está em jogo.

É possível conciliar o desenvolvimento econômico e o modo de vida dos extrativistas?

Costumo dizer que o Brasil é o único do mundo que tem a chance de construir um grande projeto de desenvolvimento diferente de qualquer país. Só que escolhemos importar modelos econômicos e ignorar a nossa própria vocação. Acredito muito que essa resistência que estamos fazendo agora, de manter nossa diversidade, nossa riqueza, uma hora será reconhecida. Não sei por quantas gerações vamos ter que resistir para chegar a uma nova safra de políticos, que enxergue nossa potencialidade. Esse país tem tudo. Se souber organizar, não perde para ninguém. Mas é tudo um processo. Viemos de um sistema colonialista, e esses interesses estão longe de serem afastados, somos reféns. Não sei até quando, mas o que fazemos hoje pode apresentar às futuras gerações uma oportunidade de ter o Brasil como um país soberano, realmente.

As populações extrativistas enfrentam problemas para defender seus territórios? O senhor, como liderança, já sofreu ameaças?

As invasões sempre ocorreram e estão ocorrendo, em diversos pontos, principalmente nos lugares em que o Estado, do ponto de vista institucional, está ausente, onde a comunidade fica à mercê dela mesma. Aí, é muito complicado. Há invasão de madeireiros e garimpeiros, extração ilegal de tudo o que se possa imaginar, um risco tremendo. O crime organizado está tomando também o interior da Amazônia, saiu dos morros e dos cartéis. E de fato, há risco de vida. Muitas lideranças tombaram, morreram. Sofri ameaças de morte por duas vezes, mas sempre lidei com uma certa frieza, para não tornar isso algo espetacular. Tem gente que gosta de fazer isso. Mas lido de forma muito natural, são recados que chegam para quem está na liderança, para intimidar. Mas não temos escolha. É manter a firmeza, ter cuidado. Fazemos uma agenda de estratégia. Por exemplo: quando há um enfrentamento, levamos lideranças de outros lugares para ajudar na proteção. Mas o risco há em todo lugar, inclusive aqui na cidade. Estamos em uma sociedade que, em qualquer lugar, você está ameaçado. Na sua casa. O ladrão entra, te assalta, te mata. É ter cuidado, zelo, não subestimar e saber lidar com a situação.

O Brasil está perto de ter políticas consistentes para a proteção da Amazônia?

Há um longo caminho para que possamos ter políticas públicas eficientes, que sejam adequadas à realidade, construídas com a participação da população. A nossa estrutura política é concentradora, é sequestrada pelo sistema capitalista, pelo sistema financeiro e por outros interesses que estão em jogo. Não considera a pequena população. As pessoas que estão nas favelas, na floresta, na beira dos rios. Os interesses são outros, e estamos longe de romper com isso. Vamos ter que conviver por muito tempo. Os investimentos de infraestrutura, obras como Belo Monte, são para atender o grande capital. Esmagam os pequenos. Chegam com tudo decidido e fazem de qualquer jeito, em nome de um projeto que destrói mais do que desenvolve. Precisamos estar atentos a isso e fazer denúncias onde for possível. Constranger essas autoridades lá fora.

Veja também:

Patrícia Azevedo/Dom Total

Transgênicos no Brasil: ciência e perspectivas de futuro.


Entrevista especial com Marcos Silveira Buckeridge    

"O Brasil pode assumir um papel protagonista na pesquisa com OGMs para criar um futuro próprio, e não navegar naquele criado pelos outros", aposta o biologista vegetal.

Em 2003, o Brasil regulamentou a entrada de organismos geneticamente modificados – OGMs – no país e formou uma comissão de biossegurança para avaliar e regular a sua utilização. No entanto, para o pesquisador e professor da Universidade de São Paulo, Marcos Buckeridge, se por um lado a decisão organiza o setor e o conduz para não haver excessos, por outro seria um exagero comparável a “usar uma bala de canhão para matar uma pulga”. Isto porque, para ele, “já está muito claro que os transgênicos não oferecem todo aquele perigo que se imaginava aos seres humanos e ao ambiente”.

O pesquisador esclarece que, apesar do receio em relação aos alimentos transgênicos, a técnica em muito se parece com a manipulação biológica tradicional — que busca aperfeiçoar características mais interessantes ou valorizadas em um organismo. Não investir na tecnologia, para Buckeridge, seria um retrocesso para o país, tendo em vista os benefícios que os transgênicos podem trazer. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ele defende que o Brasil pode assumir um papel protagonista no assunto, mas para isso é preciso abrir a cabeça “para criar um futuro, ao invés de navegar nos futuros criados pelos outros”.

Buckeridge elenca diversas possibilidades que os estudos na área propõem. “Na saúde, por exemplo, imagine que consigamos sintetizar polímeros contendo glicosamina nos alimentos”, sugere. O composto é utilizado por idosos e atletas para fortalecer as articulações. “Ao invés de tomar cápsulas, isto já poderia vir no próprio alimento.” Outro benefício trazido pelos OGMs seria o de evitar o desmatamento de biomas como a Amazônia. Isto porque, ao produzir plantas com maiores taxas de fotossíntese e de crescimento, poderíamos produzir mais com menor área plantada. Assim, ele afirma: “Se a logística e a distribuição das culturas forem bem pensadas em relação às florestas, seria possível conservá-las e até recuperá-las em áreas que antes teriam sido utilizadas para culturas agrícolas”.

 

 

 

Marcos Silveira Buckeridge possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade de Guarulhos – UNG, mestrado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Paulo – Unifesp e doutorado em Ciências Biológicas e Moleculares pela University of Stirling. Durante 20 anos, trabalhou com espécies nativas neotropicais no Instituto de Botânica de São Paulo. Atualmente é professor da Universidade de São Puaulo – USP e atua como diretor científico do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol, CTBE, em Campinas, e como coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (INCT do Bioetanol). Buckeridge é um dos autores líderes do próximo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) a ser apresentado em 2014.

 

 

Confira a entrevista.

IHU On-Line – No começo do ano você deu algumas entrevistas em que afirmava que o uso de sementes transgênicas no Brasil poderia evitar o desmatamento de alguns biomas. Qual a relação possível entre estes elementos?

Marcos Buckeridge – O meu ponto é que, se utilizarmos técnicas moleculares que nos levem às plantas mais produtivas, com maiores taxas de fotossíntese e crescimento, poderíamos produzir mais com menor área plantada. Neste sentido, se a logística e a distribuição das culturas forem bem pensadas em relação às florestas, seria possível conservá-las e até recuperá-las em áreas que antes teriam sido utilizadas para culturas agrícolas.

IHU On-Line – Nestes 10 anos da presença dos transgênicos no país, como enxerga a discussão sobre o assunto? Acredita que ela tem avançado? E se tem, para onde?

Marcos Buckeridge – O Brasil regulamentou os transgênicos e formou uma comissão de biossegurança. Por um lado, isto é sim uma forma de organizar o setor e conduzi-lo para que não haja excessos. Porém, a forma que isto é feito se parece mais com “usar uma bala de canhão para matar uma pulga”. Creio que já está muito claro que os transgênicos não oferecem todo aquele perigo que se imaginava aos seres humanos e ao ambiente. Em minha opinião, dada a vocação do Brasil para os agronegócios, acho que nosso país está perdendo uma grande oportunidade de assumir a ponta nesta tecnologia. Isto não se dá somente através da pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias, o que já estamos fazendo muito bem, mas principalmente em trabalhar para encurtar o tempo para a aprovação de transgênicos e desburocratizar o processo de tal forma que nós estejamos sempre na frente na produção de novas variedades.

Hoje, a liberação de uma nova variedade obtida por genética clássica e uma transgênica leva mais o menos o mesmo tempo, acima de 10 anos. Se acelerássemos a produção de transgênicos, poderíamos avaliar os impactos dos produtos no mercado com maior rapidez; com isto o nosso mercado seria mais ágil e, inclusive, iria atrair mais negócios para o Brasil não só no setor agrícola, mas em vários setores ligados a ele.

Há riscos? Sim, mas o que temos de fazer é pensar de forma mais ampla e estratégica como país e assumir riscos que possam nos levar a maiores ganhos. Há também formas de acoplar a genética clássica à produção de geneticamente modificados. Muitas vezes, não é necessário transferir um gene de uma planta para outra. Basta engenheirar o sistema para que funcione melhor. Isto já é a engenharia biológica, que seria a técnica em que se remodela o metabolismo de um organismo para fazê-lo funcionar melhor para as finalidades que desejamos. É diferente de transferir um único gene que muda o contexto e faz a planta funcionar um pouco melhor. Hoje já existem técnicas de edição de genoma que permitem a inserção de um gene com precisão cirúrgica. Isto tende a diminuir drasticamente os riscos em relação às técnicas de transformação mais usadas, que inserem genes ao acaso num genoma.

IHU On-Line – O uso dos transgênicos é tido como uma solução para o combate à fome. Este discurso, no entanto, é rebatido por afirmações de que o fim do desperdício (na colheita, no transporte, no varejo) aliado a uma distribuição adequada seriam saídas mais efetivas. O que pensa disso?

Marcos Buckeridge – Definitivamente, o fim do desperdício é um caminho a seguir. Em conjunto com os diversos transgênicos existentes e em desenvolvimento no mundo, tais como os já existentes em soja e arroz, e as promessas para melhorar as respostas a doenças de culturas importantes como mandioca, banana e outras, a produtividade deve aumentar e com isto virão os efeitos de menor custo operacional. Os transgênicos feitos para este fim, na realidade, contribuem muito para a diminuição do desperdício, se considerarmos que menos insumos serão utilizados para produzir uma planta que irá, no fim, ser atacada por um inseto ou microrganismo e nunca será colhida ou utilizada. Até o momento, as tecnologias de transgênicos têm enfocado principalmente produtos para o agricultor, ou seja, algo que levará à melhora do desempenho da lavoura. Este é só o primeiro passo e poderia ser realizado em conjunto com a diminuição do desperdício, fazendo com que tudo se tornasse mais eficiente. O uso da engenharia biológica pode ajudar a diminuir o desperdício através da produção de frutos mais resistentes e com formas mais adequadas para transporte, sementes mais resistentes ao ataque de insetos e microrganismos.

Mas a engenharia biológica vai muito além disso. Com ela podemos desenhar características especiais nos alimentos, incluindo, por exemplo, substâncias benéficas aos seres humanos. Já foi desenvolvida uma variedade de maçã que não sofre oxidação e, portanto, não fica marrom quando cortada. Isto é importante, pois vários produtos poderiam utilizar o fruto, ampliando as suas aplicações e seu mercado. Na saúde, por exemplo, imagine que consigamos sintetizar polímeros contendo glicosamina nos alimentos. Estes são aqueles compostos que as pessoas mais velhas e os atletas têm que tomar para fortalecer os ligamentos dos joelhos e ombros. Ao invés de tomar cápsulas, isto já poderia vir no próprio alimento. Este é só um exemplo que ilustra algo não relacionado à fome, mas que pode ser muito benéfico para uma população que está envelhecendo, como a brasileira. Neste caso, imagine os benefícios em termos de menor frequência em hospitais, maior produtividade de idosos. Isto não geraria mais trabalho e preservaria mais a riqueza da sociedade?

IHU On-Line – Como biólogo e relator do IPCC, como percebe a expansão da fronteira agrícola em áreas como a Amazônia em relação aos perigos para o clima e a perda de biodiversidade?

Marcos Buckeridge – Apesar das estimativas de que precisaremos aumentar 70% a produção de alimentos até 2040 e de que o Brasil seria um dos poucos lugares com área agricultável para suprir essa demanda, acredito que não precisemos de áreas da Amazônia para isto. Com o aumento da eficiência esperado com o uso da engenharia biológica e ao mesmo tempo com as estimativas de que as populações em todo o mundo estão envelhecendo, teremos, sim, que focar na quantidade, daí o uso da engenharia biológica para melhorar a produtividade agrícola, mas outro foco será a qualidade dos alimentos.

Como todos sabem, um dos principais fatores que impulsionam as Mudanças Climáticas Globais é o aumento de gás carbônico na atmosfera. Já há vários trabalhos, inclusive nossos, demonstrando que a qualidade dos alimentos deve cair. Por exemplo, em soja, já se verificou que há uma queda em proteínas e em aminoácidos essenciais da ordem de 7% em plantas cultivadas na atmosfera esperada para meados do século XXI. Vimos algo parecido em feijão. As consequências disso podem ser bastante impactantes no médio e longo prazo nas populações. Esta queda de qualidade poderá levar a um aumento de consumo para suprir o déficit de proteínas. Mas, com isto, haverá mais consumo de carboidratos e lipídeos, agravando ainda mais os problemas de obesidade, o que leva ao aumento de doenças cardiovasculares, e assim por diante.

Este fenômeno é chamado de teleconexão, que é quando um evento desencadeia uma série de outros eventos, todos conectados entre si. Uma forma de evitar esta e outras cadeias de teleconexões seria engenheirarmos as plantas para que elas mantivessem o mesmo nível de proteínas mesmo com o aumento no gás carbônico atmosférico. Isto seria uma forma de nos adaptarmos aos impactos das mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, fazer com que plantas produzam mais proteínas pode ser benéfico hoje para ajudar a melhorar a nutrição.

IHU On-Line – Uma das suas áreas de pesquisa é a cana-de-açúcar. Como está atualmente a pesquisa da cana geneticamente modificada no país?

Marcos Buckeridge – Os avanços, desde 2008, têm sido incríveis na área científica. Com a montagem de forças-tarefa científicas que fizemos durante este período, como o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol e o Programa BIOEN da FAPESP, vários grupos de pesquisa conseguiram detectar um grande número de genes de cana relacionados à degradação da parede celular, fotossíntese e metabolismo de carbono e resistência à seca, que já estão permitindo os primeiros experimentos em que visamos engenheirar biologicamente a cana. No caso de resistência à seca e em parede, já há iniciativas de grandes empresas para o lançamento de variedades modificadas geneticamente. Que se saiba, estas são ainda variedades que terão um único gene inserido para melhorar a planta. Já a engenharia biológica da cana está a caminho.

Temos conjuntos de genes que são responsáveis, na cana, pela degradação de suas próprias paredes. Estamos a caminho de produzir plantas engenheiradas para ativar este mecanismo sob o nosso controle. Com isto, poderíamos ativar o processo de amolecimento da parede ainda no campo, de forma que haja melhora tanto na extração do açúcar, pois o interior das células se tornaria mais acessível, como seria mais fácil realizar o processo de segunda geração (o etanol celulósico) com o bagaço que sobrar deste mesmo processo. Pesquisadores do grupo do INCT produziram plantas geneticamente modificadas de cana que têm a lignina alterada. Isto é importante, pois a lignina é um dos principais entraves no processo de produção de etanol de segunda geração.

Este esforço vem sendo feito em uma cooperação entre grupos brasileiros de pesquisa que estão sequenciando o genoma da cana, os que estão estudando vários aspectos da fisiologia da planta e os que são capazes de transformá-la geneticamente. Tudo isto sem perder de vista o geneticistas clássicos, que conhecem profundamente a genética da cana e que são os que estão desvendando os mapas genômicos dela.

Somando tudo isso, os produtos deverão se multiplicar nos próximos anos. Eu acredito que teremos plantas de cana engenheiradas de diferentes formas que poderiam ser utilizadas para diferentes aplicações. Poderemos combinar tudo em plantas que seriam mais resistentes à seca, a doenças, com maior taxa fotossintética e crescimento e ao mesmo tempo adaptadas para a produção de açúcar e etanol. É a isto que eu chamo projeto supercana. As consequências do projeto supercana são um aumento de produtividade e considerável produção do etanol de segunda geração e, consequentemente, diminuição de custos para os processos agrícola e industrial. Aplicar tudo isso na indústria e transformar em produtos será o grande desafio nos próximos 10 anos. Aqui vemos a importância de diminuir a parcela burocrática, pois mesmo com a ciência avançando tão rápido, a tecnologia corre o perigo de ficar emperrada por causa de comissões, documentos, etc. O Brasil tem que ficar atento a isto, sob pena de perder sua posição na dianteira da produção de etanol sustentável, que hoje ele detém no mundo.

IHU On-Line – Em países que desenvolvem pesquisa com a cana, um dos grandes escopos é o aumento da biomassa para incrementar a produtividade de biocombustível. Como percebe a relevância desta pesquisa tendo em vista previsões de crise energética?

Marcos Buckeridge – O etanol de cana pode e vem ajudando na produção de energia, principalmente no Brasil e nos Estados Unidos. No Brasil, conhecemos bem o sistema de produção de automóveis flex. Nos EUA, o etanol vem sendo introduzido de forma muito similar ao que foi feito no Brasil durante o Programa Proálcool, isto é, com o álcool sendo adicionado gradativamente à gasolina.

No entanto, o etanol é apenas parte da solução para a crise energética. Por exemplo, nas Américas do Sul e Central juntas, 80% da energia renovável vem de hidrelétricas. A demanda de energia nesta região e no mundo deve aumentar muito com a entrada da China como um grande consumidor de energia e também com o desenvolvimento de países como a Índia e o Brasil. A produção de biocombustíveis é, sim, muito importante e devemos continuar trilhando este caminho.

Porém, é possível que as descobertas biológicas relacionadas ao controle da fotossíntese sejam ainda mais impactantes em melhorar a eficiência de captura da luz solar e com isto aumentar a produção de energia de uma forma muito mais intensa. O desenvolvimento das tecnologias de fotovoltaicos  vem caminhando rapidamente neste sentido. Pode ser que, no futuro, tenhamos híbridos com a introdução de proteínas fotossintéticas nos sistemas de captura fotovoltaicos. Eu vejo um caminho bastante promissor nesta fusão da biologia com a física e a química, e é aí que as pesquisas em cana podem ajudar num processo mais amplo de como lidar com a crise energética mundial.

IHU On-Line – Entre os riscos apontados nas pesquisas com transgênicos, muito se fala dos perigos para a saúde humana. Acredita que os benefícios trazidos são suficientes frente aos possíveis riscos irreversíveis para a humanidade?

Marcos Buckeridge – Até o momento, há muito pouco que ateste um efeito irreversível sobre a saúde humana relacionada aos transgênicos. Temos de lembrar que a forma que até agora utilizamos a genética é muito parecida com modificar geneticamente uma planta utilizando ferramentas da biologia molecular. Já temos alguma experiência com os transgênicos, principalmente nos EUA, que remonta a cerca de 20 anos.

Já dei alguns exemplos de transgênicos que podem melhorar a saúde. Com a engenharia biológica, há inúmeras possibilidades. Neste sentido, o Brasil parece estar se movendo. O Centro de Gestão de Estudos Estratégicos junto à Embrapa está montando um plano estratégico, com a participação de cientistas brasileiros e estrangeiros, que visa colocar o Brasil como um dos expoentes mundiais na produção e inovação em alimentos. A engenharia biológica deverá ter um papel central neste futuro se o Brasil realmente quiser chegar lá.

Eu acredito que o uso da engenharia biológica deverá trazer um enorme benefício para a saúde das populações, pois a capacidade de inovar na produção de alimentos que previnam doenças, que impactem menos o ambiente, diminua o desperdício, tudo isso pode ser alcançado de uma forma muito mais rápida e eficiente com esta técnica, principalmente se acoplada à genética clássica.

IHU On-Line – No caso dos riscos para o meio ambiente, há relatos de que as plantas geneticamente modificadas estariam gerando insetos e plantas daninhas super-resistentes a herbicidas e inseticidas. Também há o medo de o pólen de uma área transgênica contaminar outra livre de transgênicos. Qual a sua opinião sobre isso?

Marcos Buckeridge – Este é um fenômeno natural. Cada vez que produzimos uma variedade resistente a uma doença, os vetores destas doenças, como microrganismos e insetos, sempre terão em suas populações alguns indivíduos que são resistentes. Com o tempo, estas populações podem aumentar e aquela resistência deixa de existir do ponto de vista agrícola. Esta nova população é resistente, porque ela tem genes ou conjuntos de genes que conferem esta característica. Que saiba, não há mecanismos que possam levar um processo de resistência colocado em uma planta de uma determinada cultura, de soja, por exemplo, para plantas daninhas.

Geralmente, as estratégias que têm sido utilizadas por grandes empresas, até onde tenho acesso à informação, têm sido formuladas com muito cuidado. São feitos inúmeros testes antes que uma nova variedade seja lançada. Sobre uma área contaminar outra, isto depende do contexto, mas obviamente se o pólen de uma área é levado a outra e houver fecundação (obviamente da mesma espécie), o transgene deverá passar para as próximas gerações. No entanto, na maioria dos casos, o plantio é feito através de sementes produzidas especificamente para isto. Assim, o escape do polén, pelo menos nestes casos, não tem nenhuma consequência, pois não é assim que produzimos as sementes que usamos em agricultura.

Sobre a questão ambiental, uma ideia bem polêmica é a de que possamos usar transgênicos para remodelar florestas. Por exemplo, imagine se pudéssemos acelerar a regeneração de florestas de forma que leve a metade ou até um quarto do tempo que normalmente se leva para ter uma floresta madura? Neste caso, podem-se usar técnicas de terapia gênica em que certos genes estejam ativos numa fase da vida da árvore, mas que este gene seja silenciado quando o crescimento está completo. Isto nos ajudaria a acelerar a recuperação de florestas e a melhorar os serviços do ecossistema. Isto ainda parece estar muito longe de acontecer, pois estamos começando agora a investigar os genes de plantas nativas, mas devemos lembrar que a tecnologia e suas aplicações crescem exponencialmente, e não linearmente. Este futuro, portanto, pode chegar bem antes do que imaginamos. Já vi apresentações de pesquisadores chineses que ambicionam sequenciar os genomas de todas as espécies nativas da China. O que será que eles querem fazer com esta informação?

IHU On-Line – Deseja acrescentar mais alguma coisa?

Marcos Buckeridge – No Brasil, para que possamos “destravar” a sociedade em relação aos enormes benefícios às pessoas, ao país e ao mundo que a engenharia biológica pode trazer, será necessário promover uma grande mudança cultural. Para isso, as questões éticas sobre esse assunto deveriam ser mais discutidas, mas ao mesmo tempo a informação deve chegar à população de uma forma compreensível, mas sem que se perca de vista a profundidade e complexidade do assunto. A sociedade brasileira tem um medo e um desprezo pela complexidade que é preciso parar. Temos que pensar mais e mais longe. Não podemos nos contentar com a informação que já vem pronta e acharmos que aquilo é a palavra final. Entender a complexidade é ampliar a consciência, e as sociedades que melhor fazem isto são as que dominam o mundo. Não poderíamos ser — ou pelo menos querer ser — uma delas?

Hoje a palavra DNA já está tão popularizada a ponto de ser utilizada de forma analógica por empresas e até partidos políticos. O Brasil, tradicionalmente, é conservador, sempre aguardando que uma tecnologia seja desenvolvida primeiro nos EUA, no Japão ou pelos colonizadores europeus. Se quisermos realmente fazer algo que mude o mundo e o conduza para o que achamos ser uma boa direção, precisamos fazer com que a nossa sociedade seja mais arrojada, tanto no pensar como no fazer. Não adianta termos os nossos cientistas contribuindo para a literatura mundial e produzindo, de graça, aquilo que vai ser usado pelos países mais arrojados para gerar as tecnologias que, depois, iremos comprar. Precisamos mudar isto, e esta mudança não depende dos transgênicos, mas sim de nós mesmos “abrirmos as cabeças” para criar um futuro, ao invés de navegar nos futuros criados pelos outros.

 

Para saber mais:

 

Fonte: IHU – Unisinos

A Usina de Belo Monte é boa para o Brasil?


INADIMPLÊNCIA SOCIOAMBIENTAL

Carro-chefe do PAC, instalada em uma região da Amazônia com ausência histórica do Estado, Belo Monte é símbolo de inadimplência socioambiental. Obrigações do poder público e da empresa responsável pela construção da usina, a Norte Energia, têm sido sistematicamente descumpridas.

Apesar de a obra estar sendo planejada há 30 anos, a região atingida para receber a terceira maior hidrelétrica do mundo não obteve os investimentos e ações necessários para mitigar e compensar de maneira adequada seus impactos.

O mais caro e polêmico empreendimento do país chegou em 2013 ao pico de sua própria contradição. Praticamente 50% da usina está pronta, mas o mesmo não pode ser dito das obrigações socioambientais que deveriam acompanhá-la. O descumprimento, verificado pelo Ibama e pela Funai, não se traduz em ações corretivas. As mais graves sanções administrativas não passaram de algumas multas em valores irrisórios para um empreendimento orçado em quase R$ 30 bilhões.

Temas sensíveis à Amazônia como o desmatamento e a sobrevivência de populações ribeirinhas e indígenas têm sido tratados com descaso, sobretudo os últimos. Antes de promover investimentos estruturados para mitigação e compensação dos impactos, R$ 100 milhões foram gastos em quinquilharias consumistas para cooptar lideranças, em um padrão clientelista de relacionamento inaceitável.

Os programas de prevenção ou diminuição dos impactos relacionados à saúde indígena e à integridade de seus territórios, pressionados pelo aumento de renda e população trazidos à região pela obra, não saíram até hoje do papel, apesar de sua implantação ter sido prevista para antes do início da construção. A taxa de mortalidade infantil indígena em Altamira (PA) é quatro vezes superior à média nacional.

Se a usina ficar pronta antes de o aterro e o sistema de esgoto entrarem em pleno funcionamento –obras que estão dois anos atrasadas–, a parte do rio Xingu que envolve Altamira ficará contaminada, afetando a população da cidade.

Nesta semana, em decisão unânime, a Justiça ordenou parar a construção da usina até que fossem atendidas plenamente as obrigações socioambientais prometidas quando da licença ambiental.

Diversas vezes o governo conseguiu derrubar a paralisação da obra usando uma medida judicial criada à época da ditadura, a suspensão de segurança, que se baseia no argumento de que o cronograma da obra é mais relevante que os direitos das populações atingidas. Isso dá à empresa a sensação de estar acima das leis estabelecidas no país simplesmente por tocar uma obra considerada "estratégica".

O empreendimento esbarra em grave conflito de interesses. A União tem participação acionária de 50% na Norte Energia. A obra é 80% financiada pelo BNDES, vigiada permanentemente por 90 homens da Força Nacional de Segurança e defendida judicialmente pela Advocacia-Geral da União. Paradoxalmente é fiscalizada pelo Ibama, órgão de governo federal.

Não existe nenhuma instância de controle social efetivo nem mecanismo independente de fiscalização. Essa blindagem é um vício de origem da implementação de obras de infraestrutura, entre as quais Belo Monte se destaca pela forma com que foi imposta à sociedade brasileira sem oitivas aos povos indígenas e com audiências públicas meramente formais, para inglês ver.

A somatória de erros de Belo Monte não pode se repetir na Amazônia. A ausência de planejamento socioambiental responsável e respeito às instituições democráticas vão na contramão de qualquer projeto de desenvolvimento sustentável.

ANDRÉ VILLAS-BÔAS, 57, indigenista, é secretário-executivo do Instituto Socioambiental (ISA)

Foto: Reprodução

Fonte: Folha de São Paulo

 

Legislação esbarra em problemas estruturais


A Guiana veio aderindo a práticas socioeconômicas focadas no crescimento e na sustentabilidade (Jody Amiet/AFP)

Márcio Luís de Oliveira* e Franclim Jorge Sobral de Brito**

A República Cooperativa da Guiana – antiga Guiana Inglesa – tem demonstrado forte intenção de alteração de sua política de desenvolvimento, não só para se inserir no contexto econômico internacional, mas também para adotar critérios de sustentabilidade socioeconômica, ambiental e orçamentário-financeira, posto que integra a região da América do Sul conhecida como Amazônia Internacional.

Mudanças no sistema constitucional e na legislação infraconstitucional, ocorridas no final dos anos de 1990 e início dos anos de 2000, fizeram com que o país se ajustasse a padrões internacionais de desenvolvimento, tornando-se, progressivamente, mais eficaz nos setores econômico e ambiental, ainda que conviva com diversos problemas socioeconômicos e ambientais. Contudo, a Guiana tem expressado real interesse e disposição para superá-los num prazo programado de 50 anos, nos quais se inserirá no que se pode chamar de “economia verde”.

Em sua história, o país tem vasta experiência na elaboração e adoção de programas de governo, uma vez que já foi adepto do socialismo de economia planificada pelo Estado. Desde o seu processo de abertura econômica e política, iniciado em 1989, a Guiana veio aderindo a práticas socioeconômicas focadas no crescimento e na sustentabilidade. Nesse período de três décadas, foram superadas grandes dificuldades. Portanto, o esforço concentrado de suas autoridades e de seu povo tem permitido que o país efetivamente integre o rol de nações em franco processo de desenvolvimento, a partir do início dos anos 2000.

Apesar de seus esforços, a economia do país ainda é muito concentrada nas atividades agropecuárias e sua indústria permanece fortemente lastreada na atividade extrativista, com pouca diversificação da produção industrial. Paralelamente, as populações locais ficam sujeitas à submissão de interesses econômicos escusos internos e externos, o que se agrava no interior, uma vez que a Guiana apresenta baixa densidade demográfica, sobretudo na região de florestas, que cobre 80% do seu território.

Ademais, a Guiana possui nove identidades ameríndias que se encontram espalhadas em seu território, inclusive nas regiões de floresta mais densa. Essa população, apesar de organizada e de ser destinatária de legislação que protege sua cultura e sua subsistência, sofre com pressões internas e externas de exploração na região. E, como tem acontecido em todo o continente latino-americano, a legislação tem baixa eficácia social como consequência da ausência de políticas públicas que as tornem efetivas.

Nesse sentido, reforça-se a necessidade de sinergia entre todos os Estados e povos da Amazônia Internacional para a urgência na adoção de políticas públicas efetivas de proteção, preservação e desenvolvimento sustentável de suas riquezas naturais e de melhoria das condições socioeconômicas de seus habitantes.

No atual cenário de globalização de mercado, a formação de uma cultura comum de proteção e de promoção conjunta entre os povos da Amazônia Internacional permanece substancialmente enfraquecida, o que dificulta o trabalho solidário e compartilhado de seus Estados e povos em prol da realização dos seus interesses comuns. Logo, o trabalho acadêmico, aliado às políticas de governo e à conscientização da sociedade civil pode em muito contribuir para a formação e a afirmação da identidade amazônica internacional a partir do fortalecimento da proteção das culturas dos povos originários e do meio ambiente local em cada Estado da região.

*** Este texto é o quinto da série de nove artigos sobre jurisdição ambiental dos países que compõem a Pan-Amazônia. A versão integral do livro Pan-Amazônia: O ordenamento jurídico na perspectiva das questões socioambientais e da proteção ambiental está disponível gratuitamente no site da Editora Dom Helder. Leia amanhã texto de André de Paiva Toledo sobre a Guiana Francesa.

Leia também: 

*Doutor e mestre em Direito (UFMG); aperfeiçoamento em Direito Internacional Público e Privado (Países Baixos); professor da Dom Helder Escola de Dieito; professor da Faculdade de Direito da UFMG; professor-visitante na Universidad Complutense de Madrid (Espanha); professor-colaborador na The Hague University of Applied Sciences (Países Baixos); consultor-geral da Consultoria Técnico-Legislativa do Governo de Minas Gerais.

**Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Mestre em Direito, graduado em Direito e em Filosofia. Coordenador da graduação de Direito Integral da Dom Helder escola de Direito e reitor da Escola de Engenharia de Minas Gerais (EMGE).

Desigualdade no saneamento básico no Brasil impressiona relatora especial da ONU


Após dez dias de visita ao Brasil, a relatora especial das Nações Unidas sobre Água e Saneamento, Catarina de Albuquerque, apresentou na quinta-feira (19) suas conclusões preliminares e as recomendações iniciais ao governo brasileiro sobre as condições sanitárias do país. A relatora disse que ficou chocada com as desigualdades regionais no acesso ao saneamento básico, sendo a Região Norte a mais afetada.

“Vi muitos contrastes. Há regiões com nível de primeiro mundo, como os estados de São Paulo e do Rio, com cidades com taxa de tratamento de esgoto superior a 93%, e vi outras regiões, como Belém, em que essa taxa é 7,7%, e Macapá, 5,5%. São diferenças assustadoras. Também vi diferenças entre ricos e pobres. O que uma pessoa rica pela água e pelo esgoto não é significativo, mas, para uma pessoa pobre, essa conta é muito alta”, disse a relatora.

Catarina se reuniu com representantes do governo e de organizações internacionais, da sociedade civil e com membros de comunidades em Brasília, no Rio de Janeiro, em São Paulo, Fortaleza e Belém. Em suas visitas, a relatora deu atenção especial aos moradores de favelas, de assentamentos informais e de áreas rurais, incluindo aquelas afetadas pela seca.

Segundo a especialista, o Brasil está entre os dez países onde mais faltam banheiros – 7 milhões de brasileiros estão nessa situação. Cinquenta e dois por cento da população não têm coleta de esgoto e somente 38% do esgoto é tratado. “A situação de falta de acesso a esgoto é particularmente grave na Região Norte, onde menos de 10% da população têm coleta de esgoto”, disse Catarina.

Ao visitar comunidades carentes no Rio de Janeiro e em São Paulo, a perita da ONU observou que as populações pobres se sentem invisíveis e esquecidas pelo Poder Público. “Fiquei chocada com a miséria e com a falta de acesso ao saneamento de pessoas que vivem em favelas e em assentamentos informais. Isto é inaceitável de uma perspectiva de direitos humanos. Ninguém pode excluir determinados segmentos da população porque não têm a titularidade da terra”, destacou.

Catarina visitou o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, e ouviu reclamações dos moradores sobre a falta de continuidade nos serviços de abastecimento e da qualidade da água. “O Complexo do Alemão é uma preocupação enquanto houver pessoas que não têm acesso a esgoto e água.”

Segundo ela, os problemas criados pela falta de esgoto acentuam-se durante a temporada de chuvas, como a que ela presenciou na Baixada Fluminense, no Rio, na semana passada. “Pude observar a inundação de ruas e canais de dragagem e vi o esgoto inundando as casas das pessoas”, acrescentou.

Baixo investimento

Para a especialista, o baixo investimento em saneamento resulta em alto custo para a saúde pública, com 400 mil internados por diarreia, a um custo de R$ 140 milhões para o Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente entre as crianças até 5 anos. “As pessoas não associam a diarreia à falta de esgoto e de água potável. Em termos econômicos, investir na água e no esgoto é um ótimo negócio. Para cada R$ 1 investido, os custos evitados [com gastos em saúde] são da ordem de R$ 4”, estimou.

Outro ponto apontado pela relatora da ONU é a questão do alto custo das tarifas de água e esgoto para a população de baixa renda. “É um sufoco para essas pessoas pagar as tarifas. Essa conta não deveria ultrapassar 5% do orçamento familiar. As companhias estaduais decidem ter tarifas muito altas e dividem os lucros entre os acionistas. Deve haver mais pressão dos municípios e dos estados sobre as companhias para que elas reinvistam os lucros no setor.”

Catarina reconhece os avanços no setor e comemora a recente aprovação do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). “O Plansab é um avanço enorme, mostra que o país tem visão para o setor nos próximos 20 anos, com recursos financeiros muito significativos.” O plano, com investimentos estimados de R$ 508 bilhões entre 2013 e 2033, prevê metas nacionais e regionalizadas de curto, médio e longo prazos, para a universalização dos serviços de saneamento básico.

O relatório final será apresentado em setembro na próxima sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

Procurado pela reportagem da Agência Brasil, até fechamento desta matéria, o Ministério das Cidades não se manifestou sobre o relatório preliminar da perita da ONU.

Publicado em: EcoInformação