Água enquanto bem jurídico-constitucional: as experiências europeia e brasileira


          

                                                         Carlos Francisco Molina Del Pozo

   O segundo dia de palestras do II Congresso Internacional de Direito Ambiental, promovido pela Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC), teve início sexta-feira, 13 de setembro, com o painel “Direito das Águas no Brasil e na União Europeia”, no qual o público teve a oportunidade de ter uma visão a respeito dos pontos em comum e das diferenças em torno da tutela jurídico-constitucional da água, nos ordenamentos europeu e brasileiro. 
   O painel contou com a participação dos professores Carlos Francisco Molina Del Pozo, catedrático Jean Monet De Direito Comunitário, da Universidade de Alcalá, da Espanha, e presidente do Instituto Eurolatinoamericano de Estudos para a Integração; e Celso Antônio Pacheco Fiorillo, coordenador e professor do Programa de Pós Graduação em Direito do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), de São Paulo. 

A experiência europeia

   Em sua palestra, o professor Carlos Francisco Del Pozo fez uma análise da evolução da política ambiental e da regulação dos recursos hídricos na União Europeia, ao longo dos anos. Del Pozo ressaltou que a Conferência de Estocolmo, de 1972, foi o marco para o início da construção de uma política ambiental na comunidade europeia. “Nos tratados de Paris (1951) e Roma (1957), considerados marcos para a instituição da União Europeia, o conceito de meio ambiente simplesmente não existia. Antes, a questão ambiental era tratada independentemente por cada país”, ressaltou. 
   Com a instituição da União Europeia, os países europeus começaram a articular uma política comum. “O tratado que regula o funcionamento da União Europeia institui mínimos regulatórios não só para o meio ambiente, como também para diversas áreas correlatas a ele, como as águas, o turismo, o consumo, entre outras. Nesse sentido, não há vazio constitucional, em se tratando de matéria ambiental, na União Europeia”, ressaltou. 

           

As águas no ordenamento jurídico europeu

   O professor explicou que, em se tratando de meio ambiente e gestão de águas, o ordenamento jurídico-constitucional europeu adota o princípio da do subsidiariedade, no qual os Estados-membros têm competência para legislar, porém devem observar as normas do ordenamento constitucional europeu.

   ”Estamos construindo uma Federação Europeia, cujo ordenamento constitucional entende as águas e o meio ambiente como direito fundamental. Nesse mesmo sentido, “a água é tratada como um bem comum, cuja gestão está submetida à participação de todos os cidadãos”, afirmou. 
   Ao final, ele destacou a importância de se resguardar a água enquanto bem jurídico necessário à sobrevivência das futuras gerações. “Nós nos vamos, mas a vida segue”, finalizou. 

As águas na Constituição Brasileira de 1988

                                                          Celso Antônio Pacheco Fiorillo

   O professor Celso Antônio Pacheco Fiorillo abordou o tratamento dado à água pela Constituição Brasileira de 1988 e suas consequências tanto para o ordenamento jurídico-constitucional do país. Em sua palestra, Fiorillo destacou os aspectos constitucionais para a construção de uma política de gestão de recursos hídricos no país.

   Em sua explanação, ele fez uma interpretação sistêmica da questão da água no texto constitucional, não apenas sob o ponto de vista da proteção do meio ambiente, consagrado no artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como também sob a perspectiva de demais direitos e garantias.

   “Em primeiro lugar, não se pode falar em água sem se falar em dignidade da pessoa humana. Se o texto constitucional, em seu artigo 1º, diz que é a dignidade da pessoa humana é um fundamento do ordenamento jurídico brasileiro, a água deve ser entendida como um bem jurídico a qual todos devem ter acesso. Afinal, não há vida sem água. Esse é um entendimento mais do que pacífico”, destacou.

   O professor ressaltou, no entanto, outros aspectos que devem ser levados em consideração, ao se falar em gestão de recursos hídricos, como a proteção da propriedade privada e na busca pelo desenvolvimento nacional, dois valores que também estão consagrados no texto constitucional. “Nesse sentido, não se pode falar que a exploração econômica da água seja ilegal, uma vez que esse entendimento foi confirmado, inclusive pelo STF”, ressaltou. 

   Ao final, Fiorillo destacou os desafios da tutela da água enquanto bem jurídico diferenciado, uma vez que o Brasil é um Estado Democrático de Direito, mas também de sistema de produção capitalista e que cuja administração está nas mãos de partidos políticos. “Precisamos ter uma visão de enfrentamento, para que haja uma articulação equilibrada de todos esses fatores, para que a água, bem jurídico necessário à vida e ao bem estar de todos, esteja disponível para o uso racional de todos”, disse.
 

Publicado originalmente em: Dom Total