O bem-viver dos povos andinos: a sustentabilidade desejada


                           

Por Leonardo Boff*

Curiosamente, nos vem dos povos originários uma proposta que poderá ser inspiradora de uma nova civilização focada no equilíbrio e na centralidade da vida. Os povos andinos que vão desde a patagônia até o norte da América do Sul e do Caribe, os filhos e filhas de Abya Ayala (nome que se dava à America Latina que significava “terra boa e fértil”), são originários não tanto num sentido temporal (povos antigos), mas no sentido filosófico, quer dizer, aqueles que vão ás origens primeiras da organização social da vida em comunhão com o universo e com a natureza.

O ideal que propõem é o bem-viver. O “bem-viver” não é o nosso “viver melhor” ou “qualidade de vida” que, para se realizar, muitos tem que viver pior e ter uma má qualidade de vida. O bem-viver andino visa uma ética da suficiência para toda a comunidade e não apenas para o individuo. Pressupõe uma visão holística e integrada do ser humano inserido na grande comunidade terrenal que inclui, além do ser humano, o ar, a água, os solos, as montanhas, as arvores e os animais, o Sol, a Lua e as estrelas, é buscar um caminho de equilíbrio e estar em profunda comunhão com a Pacha (energia universal), que se concentra na Pachamama (Terra), com as energias do universo e com Deus.

A preocupação central não é acumular. De mais a mais, a Mãe Terra nos fornece tudo que precisamos. Nosso trabalho supre o que ela não pode nos dar ou a ajudamos a produzir o suficiente e decente para todos, também para os animais e as plantas. Bem-viver é estar em permanente harmonia com o Todo, harmonia entre marido e mulher, entre todos na comunidade, celebrando os ritos sagrados, que continuamente renovam a conexão cósmica e com Deus. Por isso, no bem-viver há uma clara dimensão espiritual com os valores que acompanham como o sentimento de pertença a um Todo e compaixão para com os que sofrem e solidariedade entre todos.

O bem-viver nos convida a não consumir mais do que o ecossistema pode suportar, a evitar a produção de resíduos que não podemos absorver com segurança e nos incita a reutilizar e reciclar tudo o que tivermos usado. Será um consumo reciclável e frugal. Então não haverá escassez.

A sabedoria aymara resume nestes valores o sentido do bem-viver: saber comer (alimentos sãos); saber beber (dando sempre um pouco a pachamama); saber dançar (entrar numa relação cósmica-telúrica); saber dormir (com a cabeça ao norte e os pés ao sul); saber trabalhar (não como um peso, mas como uma autorealização); saber meditar (guardar tempos de silêncio para a introspecção); saber pensar ( mais com o coração do que com a cabeça); saber amar e ser amado ( manter a reciprocidade); saber escutar ( não só com os ouvidos, mas com o corpo todo, pois todos os seres enviam mensagens) ; saber falar bem ( falar para construir, por isso atingindo o coração do interlocutor); saber sonhar ( tudo começa com um sonho criando um projeto de vida); saber caminhar ( nunca caminhamos sós, mas com o vento, o Sol e acompanhados pelos nossos ancestrais); saber dar e receber ( a vida surge da interação de muitas forças, por isso dar e receber devem ser recíprocos, agradecer e bendizer).

Este conceito é tão central que entrou nas constituições da Bolívia e do Equador. Na constituição deste ultimo país, que entrou em vigor em 2008, no capitulo VII que trata “dos direitos da natureza” se diz belamente no artigo 71: “ A natureza ou a Pachamama, onde se reproduz e realiza a vida, tem direito a que se respeite integralmente sua existência, a manutenção e a regeneração de seus ciclos vitais, estruturas, funções e processos evolutivos. Toda pessoa, comunidade, povo ou nacionalidade poderá exigir da autoridade pública o cumprimento dos direitos da natureza […]. O Estado incentivará as pessoas físicas ou jurídicas e as coletividades para que protejam a natureza e promoverá o respeito a todos os elementos que formam ecossistema”.

Aqui encontramos em miniatura e de forma antecipada aquilo que provavelmente será o futuro da humanidade. A crise generalizada que ameaça nossa vida e a habitalidade da Terra nos levará necessariamente na direção desta visão e na vivência destes valores. Nossa proposta quer prolongar estas intuições na base da nova cosmologia e do novo paradigma de civilização.

O Butão, espremido entre China e a Índia, aos pés do Himalaia, pratica há séculos um ideal semelhante as dos povos andinos. Trata-se de um país muito pobre materialmente, mas que estatuiu oficialmente o “Índice de Felicidade Interna Bruta”. Este não é medido por critérios quantitativos, mas qualitativos, como boa governança das autoridades, equitativa distribuição dos excedentes da agricultura de subsistência, da extração vegetal e da venda de energia para a Índia, boa saúde, nível de estresse e equilíbrio psicológico, boa educação e especialmente bom nível de cooperação de todos para garantir a paz social.

Estas expressões, embora seminais, revelam-nos que um outro mundo é possível e hoje necessário. Há uma porção da humanidade que não se deixou iludir pelo fetichismo da mercadoria e pela obsessão de riqueza, dominantes na atual fase da humanidade, mas guardou a sanidade básica que se encontra no profundo de cada pessoa e no conjunto das sociedades humanas.

Em conclusão podemos dizer: pouco importa a concepção que tivermos de sustentabilidade, a idéia motora é esta: não é correto, não é justo nem ético que, ao buscarmos os meios para a nossa subsistência, dilapidemos a natureza, destruamos biomas, evenenemos os solos, contaminemos as águas, poluamos os ares e destruamos o sutil equilíbrio do Sistema Terra e do Sistema Vida. Não é tolerável eticamente que sociedades particulares vivam à custa de outras sociedades ou de outras regiões, nem que a sociedade humana atual viva subtraindo das futuras gerações os meios necessários para poderem viver decentemente. 

É imperioso superar igualmente todo antropocentrismo. Não se trata egoisticamente de garantir a vida humana, descurando a corrente e a comunidade de vida, da qual nós somos um elo e uma parte, a parte consciente, responsável, ética e espiritual. A sustentabilidade deve atender o inteiro Sistema Terra, o Sistema Vida e o Sistema Vida Humana. Sem esta ampla perspectiva  o discurso da sustentabilidade permanecerá apenas discurso, quando a realidade nos urge à afetivação rápida e eficiente da sustentabilidade, a preço de perdermos nosso lugar neste pequeno e belo planeta, a única Casa Comum que temos para morar.

*Leonardo Boff é brasileiro e formado em Teologia e Filosofia, e desde 1980 tem se ocupado intensivamente com as questões da ecologia e ajudou a formular uma ecoteologia da libertação. Autor de mais de oitenta livros, Boff também é membro comissionado da Carta de Terra, publicada aqui.

Laísa Mangelli

Saco de lixo separa coisas que podem ser reaproveitadas do lixo comum


Não há dúvidas de que, especialmente nas metrópoles, produzimos uma quantidade muito alta de lixo e ainda estamos buscando formas de lhe dar um uso mais sustentável. Ideias como a deste grupo holandês fazem a diferença. O Goedzak é um saco de lixo onde só entram coisas que podem vir a ser úteis a alguém.

Muitos dos itens que rotulamos como lixo podem não o ser na perspectiva de outras pessoas. Então por que não separar o que é realmente lixo do que ainda pode ser utilizado por outros? A ideia é que tudo isso não se misture com resíduos e seja colocado num saco bem especial, o Goedzak que mistura duas palavras – ‘goe’ e ‘zak’, respectivamente ‘bens’ e ‘sacola’.

Junto dos outros sacos do lixo na rua, o Goedzak se destaca pelo design e permite que os objetos sejam vistos pelos pedestres, chamando mais facilmente a atenção e dispensando uma pesquisa exaustiva no interior dos sacos. O mais legal é que esta inovação pode ainda fortalecer as relações na comunidade, aumentando o sentimento de partilha.

Ideia fácil fácil de ser replicada no Brasil. Quem se habilita?

Fonte: Hypeness

Leitura no ponto de ônibus!


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Quem já esperou um ônibus em pé, por mais de uma hora, sabe o valor de um banquinho ou de uma sombra para se abrigar do sol. Pois aqui em Piracaia, SP, a grande maioria dos pontos de ônibus foi construída para ser amigável com a população: as paradas têm estrutura de madeira e pedra, cobertura de telha cerâmica e um grande banco para abrigar várias pessoas. E tem mais: quase todos os pontos têm plantas ao redor – em geral, primaveras – para deixar o local mais bonito.

O resultado desse cuidado é que as paradas de ônibus chamam a atenção de turistas e visitantes que apenas atravessam a cidade. Pois bem, por que estou contando isso para você? Bom, a história começou quando um casal de amigos, que se mudou recentemente para a ecovila, chegou à cidade com aquele olhar estrangeiro que, mais até do que os “nativos”, é capaz de notar e valorizar as belezas do lugar.

Eles ficaram encantados com os tais pontos de ônibus. E, então, vieram com uma proposta incrível: que tal transformar esses lugares em espaços de leitura, com a instalação de uma caixa-estante para livros e revistas em cada um deles, e com um paisagismo ainda mais bacana e caprichado? A ideia ecoou pela comunidade, conquistou amigos da cidade para se integrar como parceiros e, assim, foi apresentada à prefeita, que decidiu apoiar completamente o projeto.

Uau. Esta é, sem dúvida, uma iniciativa simples e de baixo custo, que já existe em algumas cidades do Brasil e do exterior, e que tem um bom potencial para repercutir muito positivamente entre os moradores, especialmente pelo seu caráter comunitário, participativo e de economia solidária.

Como vai funcionar? Designers parceiros do projeto vão criar opções para a caixa-estante, que será construída na marcenaria da prefeitura. Os livros e revistas, num primeiro momento, poderão vir de campanhas de doação. Quando estiverem disponíveis nos pontos de ônibus, poderão ser lidos durante o tempo de espera do ônibus ou mesmo levados na viagem para serem devolvidos no ponto de destino.

Algumas paradas podem ter caixas-estantes temáticas: na frente do posto de saúde, por exemplo, a ideia é dar preferência a títulos que falem de alimentação saudável, fitoterapia, atividades físicas, cuidados preventivos com a saúde etc.; já em frente ao parque ecológico da cidade, onde acontecem as provas práticas para quem está tirando a carteira de habilitação, o mote pode estar em livros e revistas que tratem de segurança no trânsito e mobilidade urbana. O mais importante, na verdade, é incentivar e promover a leitura. E, para isso, vale de tudo, de livros de literatura a biografias e outras obras de não-ficção, gibis, revistas e textos de poetas da cidade.

Vale ressaltar o paisagismo que queremos dar a cada parada, com trepadeiras e outras plantas que possam embelezar o lugar e torná-lo ainda mais convidativo, até para quem não está interessado em entrar em um ônibus – aliás, a intenção é transformar cada ponto de ônibus em um local de convivência comunitária. Ah, sim, também será instalada uma lixeira em cada ponto, por razões que dispensam comentários, e um mural de avisos, uma vez que hoje é comum ver os postes da estrutura serem usados para pregar cartazes de todo tipo (de campanhas de vacinação, oferta de “serviços esotéricos”, avisos de shows e festas populares, entre outros).

Mas, você pode perguntar, e se não devolverem os livros? Tudo bem, sinal de que gostaram da leitura. Basta repor e pronto. Sem dramas. O importante é experimentar e não deixar que a desconfiança fale mais alto. Muitas vezes, as cidades são desenhadas como se os moradores fossem todos vândalos! Os parques têm grades para serem fechados à noite, as árvores ficam em cercadinhos para não serem depredadas, as escolas têm muros cada vez mais altos e quase toda superfície plana na fachada dos prédios recebe pontas de ferro, cacos de vidro ou outro material que possa afastar pessoas em situação de rua ou gente interessada em sentar por apenas alguns minutos.

Essa arquitetura do medo e da desconfiança no outro não torna a cidade melhor. Ao contrário. Esse diálogo, com o tempo, vai tornando os moradores mais fechados, distantes, desinteressados pelo patrimônio público. É preciso mudar, dar um voto de confiança, testar, acreditar na população. E é por isso que estou bem animada com esse projeto por aqui. Ele representa uma vontade de trocar com a população, de conversar com ela, de tornar as idas e vindas mais acolhedoras. Ler é sonhar, é enxergar novas possibilidades, é descobrir empatia e compaixão, é se espelhar no outro para acreditar na mudança.

A oferta de livros em pontos de ônibus pode também levar à realização de outros eventos ligados à leitura: mediação de leitura, rodas de contação de histórias, saraus literários em escolas, bibliotecas e praças públicas, feiras de trocas de livros, além de festas literárias que valorizem a feiras de trocas. Gostou? Então, que tal começar aí na sua cidade? Pode ser no seu condomínio, na sua escola, no clube, no parque, na academia…

Texto escrito por Giuliana Capello do Planeta Sustentável