Copa do Mundo x Saneamento Básico


Se o critério de classificação do mundial fossem as condições sanitárias, quem venceria?

Levantamento realizado pela ABES compara os índices de saneamento básico entre todos os países que participarão do torneio esportivo. Para o presidente da ABES, Dante Ragazzi Pauli, o Governo Federal, Estados e Municípios precisam se acostumar a trabalhar em equipe, como um time de futebol.

 Se a Copa do Mundo fosse uma competição que levasse em consideração as condições de saneamento básico, o Brasil não passaria da fase de grupos. Esta é a constatação de um levantamento realizado pela ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, comparando as condições sanitárias entre todos os países que participarão do mundial, a partir de 12 de junho, tal qual estão dispostos na tabela da Copa. O estudo foi feito com base em dados do Programa de Monitoramento Conjunto para o abastecimento de água e saneamento – UNICEF e Organização Mundial da Saúde (OMS) – (Joint Monitoring Programme – JMP – (http://www.wssinfo.org/), dos Objetivos do Milênio (http://www.un.org/millenniumgoals/) e da Organização Mundial da Saúde (http://www.who.int/water_sanitation_health/mdg1/en/).

 

O Brasil, apesar de obter um índice de 81,3% na combinação de fatores que classificam como satisfatórias as condições sanitárias de um país, de acordo com estes órgãos, fica abaixo de dois países do grupo A: Croácia (98,2%) e México (85,3%), só ganhando de Camarões (45,2%.). Por isso, não avança para as oitavas de final. Na Copa do Saneamento, Alemanha levantaria a taça. Em segundo lugar viria a França, em terceiro, a Holanda e em quarto, a Austrália.

 

O JMP considera satisfatórias as condições de saneamento a partir de um conjunto de itens, como:

 

Água: ligações domiciliares, Poços Artesianos, Captação, armazenamento e utilização de água da chuva, dentre outros;

 

E para o Saneamento: a existência de vaso sanitário, sistema de coleta de esgoto (coleta, bombeamento, tratamento e disposição final adequada) e fossa séptica, entre outros.

No Brasil, 93% da população urbana têm acesso à água tratada, mas apenas 56% têm acesso à rede coletora de esgoto. No que se refere ao tratamento de esgoto, apenas 69% do esgoto coletado recebe tratamento (dados do SNIS-2012).

 

De outra perspectiva dessa situação: 32 milhões de brasileiros não têm acesso adequado ao abastecimento de água (rede geral de abastecimento), 85 milhões de brasileiros não têm acesso adequado ao esgotamento sanitário (rede coletora nas zonas urbanas e rede coletora ou fossa séptica nas zonas rurais), 134 milhões não têm os esgotos de suas casas tratados e 6,6 milhões não têm nem sequer banheiro.

 

Além disso, a cobertura de saneamento é muito heterogênea no País. De acordo com os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, 2012), as únicas unidades da federação com mais de 70% dos domicílios urbanos atendidos em coleta de esgotos são Distrito Federal, São Paulo e Minas Gerais. As menores coberturas são Amapá, Pará, Rondônia e Piauí.

 

 “Temos que ressaltar que houve avanços no setor, como a Lei de Saneamento, a Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), que deixam mais claros os desafios da universalização. Mas há metas estabelecidas difíceis de alcançar e dificuldade dos municípios e estados brasileiros em avançar no saneamento. Por isso é muito importante que estados e municípios reconheçam que têm participação fundamental no avanço do setor no Brasil, tanto quanto o Governo Federal, ou seja, temos que jogar como um time”, afirma o presidente da ABES, Dante Ragazzi Pauli.

 

Fonte: http://www.abes-dn.org.br/Artigos/b2_artigo22.php

Laísa Mangelli

Torcedores incentivados a reduzir impacto ambiental na Copa do Mundo


          

 Para reduzir o impacto ambiental da Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 e conscientizar as pessoas sobre as emissões de carbono, a FIFA lançou um programa que incentiva os titulares de ingressos a compensarem gratuitamente as emissões resultantes da sua viagem para o torneio, independentemente do local de onde estejam partindo. Todos os portadores de ingressos com uma conta válida do Clube FIFA.com e um número de solicitação bem-sucedida de compra de ingresso podem se cadastrar em https://worldcupoffset.fifa.com/pt/initiate e participar de um sorteio para ganhar dois ingressos para a final da Copa do Mundo da FIFA, enquanto a FIFA cobrirá os custos para compensar as emissões.

"A FIFA leva muito a sério a sua responsabilidade ambiental", afirmou o diretor de Responsabilidade Social Corporativa da FIFA, Federico Addiechi. "Como parte da nossa dupla estratégia com o programa de gestão de carbono sem fins lucrativos BP Target Neutral, a FIFA e o Comitê Organizador Local compensarão 100% das suas próprias emissões operacionais. Por meio da campanha lançada hoje, estamos incentivando os torcedores a neutralizar as emissões de carbono resultantes da sua viagem ao Brasil. Ao mesmo tempo, usamos a Copa do Mundo da FIFA como uma oportunidade para engajar milhões de pessoas, aumentando a conscientização sobre o impacto ambiental das nossas viagens e as maneiras de reduzir esse impacto."

A Copa do Mundo da FIFA é a maior competição monoesportiva do mundo. Organizar um torneio desta escala inevitavelmente acarreta num impacto sobre o meio ambiente. A compensação é uma forma de limitar este impacto. Ela visa a equilibrar os gases de efeito estufa liberados na atmosfera em um local ao removê-los ou evitá-los em outro, resultando, assim, em um efeito zero.

"Faz muito sentido", diz Cafu, o único jogador a ter participado de três finais da Copa do Mundo. "Apoiar a sua seleção e ao mesmo tempo apoiar o desenvolvimento de baixas emissões de carbono no Brasil é uma vitória para todos.  Estou compensando as minhas viagens relacionadas à Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 e incentivando todos a fazerem o mesmo. É muito fácil de fazer e leva apenas um minuto."

A FIFA vai compensar as emissões usando um portfólio dos melhores projetos brasileiros de baixa emissão de carbono selecionados para a Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014™ pelo BP Target Neutral. Cada projeto é selecionado por meio de um rigoroso processo de licitação e adesão aos padrões estabelecidos pela Aliança Internacional de Compensação e Redução de Carbono (ICROA). A seleção final é feita por um painel independente de ONGs ambientais. A lista completa de projetos de compensação selecionados, os quais resultarão em benefícios sociais e econômicos para as comunidades locais brasileiras, será anunciada em junho.

"Esta é uma ótima maneira para que os que têm ingressos ajudem projetos ambientais no Brasil", disse a diretora global do BP Target Neutral, Andrea Abrahams. "Em apoio ao patrocínio da Castrol à Copa do Mundo, a BP está feliz por ajudar a minimizar o impacto de carbono da Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014."

Fonte: http://pt.fifa.com/worldcup/news/y=2014/m=4/news=donos-de-ingressos-incentivados-a-reduzir-impacto-ambiental-2326120.html

Laísa Mangelli

O televisor da Copa do Mundo é o lixo eletrônico de amanhã


            

“Já comprou a TV para ver a Copa do Mundo?”, perguntam animadamente os vendedores das lojas de eletrodomésticos da capital brasileira. A pouco menos de dois meses dos jogos, aparelhos cada vez maiores e mais modernos ganham destaque nas lojas, o que enche os olhos tanto dos consumidores quanto da indústria.

Em 2014, os fabricantes calculam produzir entre 18 milhões e 20 milhões de TVs – 30% a mais do que no ano passado –, segundo a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros). Do total das vendas, 60% devem ocorrer no primeiro semestre, justamente no embalo do Mundial.

Mas essa febre de consumo pré-Copa pode, em alguns anos, tornar-se prejudicial para o meio ambiente e a população. Atualmente, o Brasil produz 6,5kg/ano de lixo eletrônico por habitante, e acredita-se que esse número passará a 8kg/habitante/ano em 2015 – ou seja, serão 16 milhões de quilos de resíduos eletrônicos. No entanto, o país ainda não toma medidas unificadas para processá-los adequadamente.

A preocupação é agravada pelo fato de 2014 ser o último ano em que o Brasil produzirá televisões de tubo (CRT, no jargão técnico). A partir de 2015, só telas de plasma e de LCD sairão das fábricas.

Embora as TVs durem bem mais do que um smartphone ou um tablet, a questão do descarte inquieta especialistas na área de lixo eletrônico.

“Boa parte do crescimento da venda de TVs de LCD em 2010 é atribuído à Copa na África do Sul. À época, a produção de TVs de tubo caiu 30%; essa preferência certamente vai influenciar o volume de lixo eletrônico à medida que os consumidores substituírem seus aparelhos normais pelos de LCD nos próximos anos”, avalia um estudo do Banco Mundial.

Segundo a autora, Vanda Scartezini, os brasileiros costumam doar suas TVs antigas. “Só que, com o aumento da classe média brasileira e do consumo nos últimos anos, há cada vez menos gente disposta a receber ou manter uma televisão pequena ou mais antiga”, explica.

Com isso, a tendência é, nos próximos anos, esses aparelhos serem descartados de qualquer jeito, em qualquer lugar, o que pode ser prejudicial ao meio ambiente e aos catadores de lixo.

As antigas TVs de tubo contêm chumbo, cádmio, bário e fósforo, entre outros elementos tóxicos, capazes de causar danos neurológicos e outros problemas de saúde. Chumbo e plásticos também estão presentes nos modelos mais novos, embora em menor concentração.

Quando o descarte e a reciclagem são feitos corretamente, dá para extrair não apenas esses elementos químicos (que têm valor comercial mais alto), como também componentes, a exemplo de vidro e metais, que podem ser reutilizados pela indústria. No processo, ainda é possível gerar milhares de empregos sustentáveis, segundo o estudo do Banco Mundial.

O problema é que pouco mudou desde que o Brasil assinou, em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos. A implementação da lei depende de uma decisão – que até hoje não saiu – entre o Estado e a indústria de eletroeletrônicos.

“Em 2013 houve várias conversas, mas ainda há pontos que precisam ser ajustados para o acordo ir adiante”, comenta Scartezini. O acordo diz respeito, entre outros temas, à maneira como os equipamentos devem ser descartados, transportados até as usinas de processamento e reaproveitados.

Também está em jogo quem paga por tudo isso: a indústria ou o cliente. No Japão, por exemplo, cabe ao consumidor empacotar a TV e enviá-la por correio ao centro de reciclagem mais próximo.

Enquanto isso, no Brasil, termina em 2014 o prazo para firmar essa decisão. E, no fim do ano que vem, a meta para que o país feche todos os seus lixões a céu aberto. A Eletros, que está à frente do plano a ser feito para a reciclagem de TVs, não quis comentar o assunto.

Fonte: El País

Laísa Mangelli

Mil hectares protegidos para o tatu-bola a cada gol marcado na Copa?


 

                                

E se a cada gol marcado na Copa do Mundo, que será realizada no Brasil entre junho e julho, fossem destinados 1 mil hectares de Caatinga como área protegida? O desafio à Fifa e ao governo brasileiro foi oficializado em artigo de um grupo de pesquisadores do Nordeste, cujo objetivo é garantir a proteção do tatu-bola – o mascote do torneio encontra-se ameaçado de extinção.

 

A espécie, conhecida cientificamente como Tolypeutes tricinctus, está ameaçada de extinção (consta como “vulnerável” no Livro Vermelho do ICMBio), assim como o ambiente natural do qual ela depende para sobreviver.

 

Levando-se em conta que cerca de 150 gols são marcados em média por torneio, isso implicaria na criação de 1.500 km2 de áreas protegidas no bioma, o que representaria 0,002 % da área total de ocorrência da espécie (estimada em 732 mil km2).

 

A proposta dos pesquisadores está descrita em um artigo publicado na revista científica Biotropica. O autor principal é o biólogo Enrico Bernard, da Universidade Federal de Pernambuco.

 

“A escolha do tatu como mascote da Copa do Brasil é uma oportunidade ímpar para que Fifa e governo brasileiro estabeleçam um novo padrão de legado ambiental para as Copas”, destacou o especialista em entrevista à Herton Escobar, do Estadão.

Comprometimento

Segundo Bernard, a escolha de uma mascote simboliza um comprometimento de quem o escolheu com uma causa. “Sob o ponto de vista de marketing a escolha do tatu foi apropriada: É um animal tipicamente brasileiro e que assume uma forma peculiar de bola, que obviamente remete ao futebol. Entretanto, o mal status de conservação da espécie e de seu habitat colocam tanto a Fifa quanto o governo brasileiro em uma situação delicada quanto à escolha. Eles precisarão agir efetivamente.”

 

Para quem tem gasto bilhões com a construção de estádios e para os que vão lucrar (e muito) com o torneio, a pedida parece bastante justa. Concorda?

 

(EcoD)

 

Fonte: Mercado Ético

Copa do mundo de 2014: o cenário brasileiro


Entrevista especial com Luana Xavier Pinto Coelho

 

“Creio que vivemos em um momento de reaquecimento da política, que volta às ruas, se desencastelando dos espaços institucionais”, afirma a advogada.

Foto: http://bit.ly/1i7LMYt

Há sete meses da realização do mundial de futebol no Brasil, as manifestações de rua que marcaram o outonoquente no país parecem ter dado uma trégua ao fim do ano.

Entretanto, a julgar pela remobilização massiva dos movimentos sociais, o próximo ano tende a ser novamente palco de manifestações, ainda mais considerando que 2014 será um ano de eleições presidenciais. “A reação de governos/partidos a possíveis manifestações e atos públicos terá relação direta com a possibilidade de terem ganhos político-eleitorais. Haverá, portanto, mais uma vez, a disputa por sentido das lutas das ruas, no caso de se reproduzir novamente o levante popular de junho de 2013. Neste cenário, contudo, é difícil prever como será o ano de 2014”, avalia Luana Xavier Pinto Coelho, assessora jurídica da ONG Terra de Direitos, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

Na opinião de Luana, a realização da Copa do Mundo está garantida, haja vista o investimento do governo para a realização do evento. “O saldo negativo que poderemos esperar neste caso é que os governos vão querer garantir que a Copa ocorra de qualquer forma, sendo que isso significa uma violenta e truculenta repressão policial, monitoramento de movimentos e redes sociais, ações de terrorismo de Estado somente vistos no período da ditadura militar brasileira, para evitar as grandes manifestações”, sustenta.

Luana Xavier Pinto Coelho, advogada, especialista em Direito Constitucional e mestre em Cooperação Internacional e Desenvolvimento Urbano pela Technische Universität Darmstadt (Alemanha). É assessora jurídica da ONG Terra de Direitos no programa "Direito à Cidade".

Confira a entrevista.

Foto: http://bit.ly/JaJmsN

IHU On-Line – Qual é o cenário político-social brasileiro há cerca de sete meses da realização da Copa do Mundo no país?

Luana Xavier Pinto Coelho – O cenário atual é dos mais complicados possíveis. Creio que há tempos o país não vive um cenário tão difícil de compreender e também de contrapor. Viveremos no próximo ano um megaevento internacional, que chamará a atenção de todo o mundo para o país, o que coloca a oportunidade de expor governos e corporações, por suas atuações violadoras de direitos humanos. Por outro lado, neste mesmo ano teremos eleições presidenciais, de governos dos estados e parlamentos federais e estaduais. Ter uma Copa do Mundo no Brasil em ano de eleições torna o cenário político-social mais complexo de ser analisado, uma vez que os diferentes coletivos vão, certamente, pautar suas atuações também visando consequências eleitorais.

Não se pode ignorar, ainda, neste contexto, o reflexo das jornadas de junho nos diversos coletivos e movimentos populares, que voltaram a acreditar nas ruas, na resistência e no enfretamento como forma de luta por direitos. Creio que vivemos em um momento de reaquecimento da política, que volta às ruas, se desencastelando dos espaços institucionais.

Da mesma forma, a reação de governos/partidos a possíveis manifestações e atos públicos terá relação direta com a possibilidade de terem ganhos político-eleitorais. Haverá, portanto, mais uma vez, a disputa por sentido das lutas das ruas, no caso de se reproduzir novamente o levante popular de junho de 2013. Neste cenário, contudo, é difícil prevercomo será o ano de 2014.

IHU On-Line – Qual o papel dos Comitês Populares da Copa no atual contexto?

Luana Xavier Pinto Coelho – Os Comitês Populares tiveram um trabalho central na sistematização e difusão de informação sobre as violações de direitos que vêm ocorrendo nas cidades sede com o lançamento de dossiês. Da mesma forma, os comitês auxiliaram a dar visibilidade à luta de comunidades atingidas, pois como uma articulação formada por diferentes sujeitos e coletivos, impulsionou um movimento que fortaleceu as reivindicações neste período.

Acho que os comitês irão continuar com os processos de denúncias e nos processos de resistência dos atingidos, em especial com a crítica contundente à Fifa como uma corporação e ao modelo privatista e elitista de copa do mundo imposto por ela.

Contudo, a reflexão sobre a Copa do Mundo e seus impactos negativos no país já não é privilégio dos Comitês Populares da Copa, inúmeros coletivos, grupos, movimentos e indivíduos já estão se posicionando criticamente a este megaevento, inclusive prevendo manifestações e protestos com agendas próprias.

IHU On-Line – Pode-se considerar que a Copa do Mundo no Brasil está ameaçada? Por quê?

Luana Xavier Pinto Coelho – Acho difícil. Foi um investimento muito grande dos governos, de grandes corporações e da Fifa para realizar este megaevento, portanto creio ser muito difícil impedir. Além disso, o futebol é um esporte popular, e o mundo inteiro espera por este evento. O saldo negativo que poderemos esperar neste caso é que os governos vão querer garantir que a Copa ocorra de qualquer forma, sendo que isso significa uma violenta e truculenta repressão policial, monitoramento de movimentos e redes sociais, ações de terrorismo de Estado somente vistos no período da ditadura militar brasileira, para evitar as grandes manifestações. É lastimável que uma democracia popular como a nossa, em um momento como este, mostre sua face mais autoritária e truculenta para garantir lucros de capitalistas privados.

IHU On-Line – Como podemos entender a relação entre a União e a Fifa? Que tipos de ações do Estado são ilustrativos dessa comunhão de interesses?

Luana Xavier Pinto Coelho – O Estado Brasileiro aceitou, sem maior resistência, todas as imposições da Fifa, inclusive aquelas que são contrárias à legislação nacional e à Constituição, numa afronta à soberania do país. Para citar algumas: a zona de exclusão imposta pela Fifa é inconstitucional, primeiramente porque é princípio constitucional a livre iniciativa, ou seja, o Estado não pode aceitar – quanto menos impor – regimes de monopólio; da mesma forma é inconstitucional e viola direitos humanos a restrição de acesso de parte da população a espaços públicos, que são as ruas, praças e demais equipamentos públicos presentes no raio da zona de exclusão; o financiamento público de um evento privado sem contrapartida também é ilegal e constitui improbidade administrativa – nos discursos iniciais o governo dizia que não haveria recursos públicos investidos na Copa do Mundo e agora, após alguns anos, os números são chocantes. Para piorar, o modelo imposto pela Fifa de transformação dos estádios de futebol em “arenas multiuso” faz uma distorção absurda: dinheiro público vai para a reforma dos estádios que são, em seguida, passados à administração de concessionárias privadas por períodos de 30 a 40 anos, sem que haja nenhuma contrapartida por parte delas, ficando o legado para o povo da elitização e privatização dos equipamentos de esporte nacionais. Uma pesquisa do Instituto Mais democracia já demonstrou“quem são os donos do Brasil” – por trás de todas as obras da Copa estão majoritariamente quatro construtoras, e os interesses destas e o interesse do Estado já são algo em que não há qualquer dissociação. Vivemos, como dizRaquel Rolnik, em um neoliberalismo de Estado.

IHU On-Line – Quais são os principais avanços que as competições internacionais trarão ao Estado brasileiro e quais são os principais limites? Haverá legado? Qual?

Luana Xavier Pinto Coelho – Não consigo ver avanços para o Estado Brasileiro decorrentes das competições internacionais. Penso que o legado da Copa já está traçado: sobre-endividamento de estados e municípios, perda da democracia, criminalização de movimentos sociais, terrorismo de Estado, privatização de espaços públicos e equipamentos de lazer, elitização do futebol, higienização das cidades, remoções forçadas, e a lista continua longa e desastrosa. O legado anunciado de obras de infraestrutura e a possibilidade de atração de investimentos já têm se provado uma grande falácia. A maioria das obras de infraestrutura de mobilidade, que poderiam beneficiar as cidades, foram retiradas das matrizes de responsabilidade, ficando aquelas obras que se direcionam mais a infraestrutura de esporte (ligar aeroportos e rodoviárias aos estádios de futebol). Inúmeros estudos já apontam que não há atração de investimentos com o megaevento, muito menos aquele que conseguirá pagar a conta que ficará para os municípios (considerando a exceção alarmante de endividamento de municípios a 50%).

IHU On-Line – Nas últimas três semanas, quatro trabalhadores morreram (dois em São Paulo, na Arena Corinthians, e dois em Manaus, na Arena Amazônia) nas obras dos estádios da Copa, sem contar outras violações trabalhistas. Em que medida isso macula a imagem dos jogos perante a população em geral?

Luana Xavier Pinto Coelho – O ritmo de trabalho imposto aos trabalhadores e as condições deste são desumanas. Alguns dos trabalhadores que faleceram estavam em jornadas de trabalho ilegais e sem descanso semanal. Infelizmente a forma como tais eventos são veiculados na grande mídia não permite uma reflexão aprofundada entre as tragédias e as imposições da Fifa para o país. Penso que há pouca reflexão entre as fatalidades e uma possibilidade de pensar criticamente a Copa do Mundo no país.

IHU On-Line – Circula na Internet um vídeo que denuncia uma suposta fraude no sorteio dos grupos da Copa do Mundo, que ilustra certo desgaste da imagem da Fifa. Essa desconfiança seria reflexo de uma visão mais crítica da população em relação ao mundial?

Luana Xavier Pinto Coelho – A mensagem que veicula no vídeo reflete uma crítica que sempre permeia os campeonatos esportivos acerca da desconfiança dos descontentes com resultados dos campeonatos com a compra de jogadores, lobby dos grandes clubes/países. Mas não sei até que ponto esta desconfiança à credibilidade da Fifa enquanto organizadora dos jogos permite uma reflexão mais ampla sobre a entidade como uma corporação que usa o megaevento para obtenção de lucro para si e para seus patrocinadores e como violadora de direitos humanos. Creio que toda crítica neste momento é positiva, ajuda a manchar a imagem da Fifa, e temos que acreditar que nossa população irá compreender a dimensão dos impactos negativos que ficarão de “legado” para o país.

IHU On-Line – Como avalia a indicação da Fifa para a pior empresa do mundo, conforme votação aberta na Internet?

Luana Xavier Pinto Coelho – A Fifa se apresenta como uma fundação, sem fins lucrativos, mas os números têm mostrado que seus lucros nas últimas copas ultrapassam a casa de um bilhão de reais. Penso que a simples aceitação da Fifa pela Public Eye já foi uma vitória, em trazer a imagem da Fifa como uma corporação. A entidade também sempre tenta se esquivar das denúncias de violações de direitos humanos relacionadas às obras da Copa, dizendo que seria responsabilidade do Governo a forma como o megaevento é preparado. A nomeação da Fifa, mais uma vez, relaciona todas as violações diretamente a esta corporação, que se alia aos governos, usa o apelo popular ao futebol, para promover gastos exorbitantes, favorecer seu pequeno grupo de patrocinadores e garantir seu bilhão em lucro.

IHU On-Line – Na sua opinião, o clima de ufanismo em relação à Copa do Mundo arrefeceu porque estamos relativamente longe da realização dos jogos ou por conta de uma posição mais crítica da sociedade?

Luana Xavier Pinto Coelho – Creio que as mobilizações de junho foram fundamentais para disseminar esta reflexão mais crítica acerca dos jogos da Copa do Mundo. Com as multidões na rua, trazendo inclusive críticas à Copa da Fifa, não havia como a mídia ignorar. Contudo, penso que o apelo ufanista, a produção de propaganda neste sentido será intensificada no momento próximo aos jogos. Será difícil prever como será a reação das pessoas em junho e julho, quando a mídia certamente intensificará a abordagem de festa e celebração, assim como foi sentida no dia da transmissão do sorteio das chaves.

IHU On-Line – Qual a perspectiva para os próximos meses?

Luana Xavier Pinto Coelho – Creio que os próximos meses exigirão dos movimentos populares, dos comitês e demais coletivos uma atuação direta e efetiva na produção de contrainformação. Mais do que nunca será preciso fazer o contraponto entre o “país da festa e do futebol” e as violações de direitos pela Fifa. Assim, a perspectiva é que se intensifiquem as campanhas que divulguem todas as atrocidades cometidas para preparar este megaevento.

Por outro lado, o Estado também se prepara e, neste sentido, podemos também esperar uma atuação cada vez mais violenta e arbitrária das polícias e governos estaduais (secretarias de segurança pública), que irá demandar uma atuação coordenada de diversos atores para, mais uma vez, denunciar a perigosa perda da democracia e liberdade dos brasileiros. Exemplo disso é o andamento adiantado no Congresso Nacional da discussão de tornar o “terrorismo” um crime.

Isto seria a morte da liberdade de expressão e manifestação no Brasil, como um dos mais tristes e indefensáveis legados da Copa do Mundo.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Luana Xavier Pinto Coelho – É importante acrescentar que o modelo de cidade que se descortina com as obras e prioridades da Copa do Mundo não nasce com a Fifa ou com o megaevento no Brasil, é um modelo que já vinha se instalando nas cidades brasileiras, um modelo de produção capitalista do espaço, que somente se intensifica, se exponencializa, com a vinda de um megaevento que traz grandes oportunidades para os empreendedores imobiliários e para as grandes construtoras. Mas não podemos esquecer que os megaprojetos já estão em curso no país antes da Copa e continuarão para além dela, nos obrigando a fazer um esforço conjunto em repensar que modelo de cidade queremos e se permitiremos o abandono completo do modelo de cidade democrático e igualitário delineado no Estatuto da Cidade.

 

Fonte: IHU – Unisinos