Manifesto Eco Modernista e a crença tecnológica


Manifesto Eco Modernista e a crença tecnológica como superação da crise ambiental. Entrevista especial com Maurício Waldman

 

“O Manifesto Eco Modernista se indispõe com o que acredito ser uma das maiores contribuições do ambientalismo: a defesa da justiça social”, critica o pesquisador.

 

Imagem: revistaemdia.com.br
 

Manifesto Eco Modernista, lançado recentemente por pesquisadores de universidades britânicas e americanas, “não tem como ser ignorado”, mas isso “não implica aceitar as teses” propostas no documento, pontua Maurício Waldman em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail.

 

Na avaliação do pesquisador, o Manifesto “revela adesão apaixonada ao ideário da ecoefiência, matriz de linhas de pensamento como o capitalismo ecológico ou a economia verde. Isto explica a razão de as considerações associadas ao meio natural e à noção de justiça ambiental serem raras ou inexistentes”.

Entre os pontos centrais do Manifesto Eco Modernista, destaca-se a discussão sobre o papel das tecnologias para resolver os problemas ambientais, em oposição aos impactos promovidos pelo moderno estilo de vida. “Note-se que o Manifesto sequer menciona os impactos promovidos pelo moderno estilo de vida e seus sucedâneos, o consumismo e a sociedade do descartável. Isto apesar de serem inseparáveis dos mecanismos que estão alimentando a crise ambiental dos tempos modernos. (…) A aposta básica do documento é a intensificação das atividades humanas respaldadas por técnicas avançadas, tendo por meta o avanço da modernização”, frisa.

Waldman também comenta rapidamente a Encíclica Laudato Si’, chamando atenção para o fato de o documento ter sido publicado num momento marcado por uma “encruzilhada ambiental, impondo a necessidade de instauração de um novo equilíbrio a zelar pelo ambiente”. Mas essa harmonia, ressalta, “somente será assegurada com avanços sociais, posição consignada pela Encíclica juntamente com a crítica ao consumismo e à sociedade do descartável”.

Maurício Waldman é doutor em Geografia, mestre em Antropologia e graduado em Sociologia pela Universidade de São Paulo – USP. Cursou pós-doutorado em Geociências pela Universidade de Campinas – Unicamp e em Relações Internacionais pela USP. Iniciou em janeiro de 2014 seu 3º pós-doutorado, pesquisa centrada na área do meio ambiente com foco na questão dos catadores, incineração e reciclagem dos resíduos sólidos. A investigação possui respaldo institucional da Universidade do Oeste Paulista – Unoeste, de Presidente Prudente, e financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Maurício Waldman foi Chefe da Coleta Seletiva de Lixo da Capital paulista e Coordenador do Meio Ambiente em São Bernardo do Campo. Realizou duas traduções de monta: El Ecologismo de los Pobres – Conflictos Ambientales y Lenguajes de Valoración (de Joan Martinez Alier) e Fifty Major Philosophers (de Diané Collinson). Mais informação no Portal Acadêmico do Professor Maurício Waldman: www.mw.pro.br.

Confira a entrevista.

 

Foto: Arquivo Pessoal
 

IHU On-Line – O que é o Manifesto Eco Modernista?

 

Maurício Waldman – O Manifesto é um documento lançado em abril de 2015, assinado por 18 personalidades de proa do campo ambiental. Este texto contesta muitas teses clássicas do ambientalismo. Em particular, coloca em discussão as percepções presentes no imaginário social a respeito da natureza. Nesta linha de compreensão  e independentemente da opinião que venha a ser formada sobre o material – Manifesto cria um fato midiático, conceitual e político. Isto é inerente ao fato de o documento fazer uso da nomenclatura Manifesto.

Manifesto sempre é uma declaração pública e solene, trazida a público com o fito de externalizar uma dada posição ou programa, adotada por pessoas interessadas em questionar determinado estado de coisas. Se, como lembram os manuais de ciência política, todos os atos humanos possuem um reflexo político, isto é ainda mais verdadeiro quando um texto é investido do caráter de Manifesto.

IHU On-Line – Quais são os questionamentos propostos pelo Manifesto?

Maurício Waldman – Atente-se que o Manifesto vem à luz num momento extremamente crítico para a humanidade. Especialmente pelo acirramento de uma crise ambiental historicamente sem precedentes. Para piorar, os programas existentes que tentam dar conta da destruição do meio ambiente, têm fracassado. Demonstram soberba incompetência até mesmo para mitigar as sequelas ambientalmente mais imediatas da crise. Só por isso, o material não tem como ser ignorado. Contudo, isto não implica em aceitar as teses do Manifesto. Até por friccionar com amplos setores da comunidade ambientalista, o documento defende propostas de difícil pactuação.

IHU On-Line – Há resistências ao Manifesto? Por quais razões?

Maurício Waldman – Note-se que o ambientalismo nunca configurou um corpo de ideias coeso. Aliás, o ambientalismo é refratário ao monolitismo. Nesta perspectiva, Joan Martinez Alier, em sua obra icônica O Ecologismo dos Pobres, alerta que o ecologismo exibe três vertentes básicas: o evangelho da ecoeficiência, o culto ao silvestre e o ecologismo dos pobres ou justiça ambiental. Ao mesmo tempo, Alier recorda que a despeito das diferenças existentes entre estas três correntes, a regra é que na materialidade social encontramos grupos, pessoas e instituições que combinam de modo variável as três linhas. Entretanto, até porque o que está em foco é uma narrativa autointitulada Manifesto, o que se tem são proposições muito centradas numa tomada de posição específica.

IHU On-Line – Qual é a posição sugerida pelo Manifesto?

Maurício Waldman – O Manifesto revela adesão apaixonada ao ideário da ecoeficiência, matriz de linhas de pensamento como o capitalismo ecológico ou a economia verde. Isto explica a razão de as considerações associadas ao meio natural e à noção de justiça ambiental serem raras ou inexistentes. Quando o texto em algum momento sinaliza nesta direção, é sempre articulando tais concepções enquanto ator coadjuvante, expurgadas de papel determinante. A viga mestra do documento está firmemente calçada na apologia da ecoeficiência. A mais ver, seria do mesmo modo pertinente advertir que a despeito de as teses do Manifesto não configurarem unanimidade, nada disto retira validade do documento. Pelo contrário, o debate proposto pelo Manifesto é útil, necessário e fundamental. 

"Por friccionar com amplos setores da comunidade ambientalista, o documento defende propostas de difícil pactuação"

IHU On-Line – Quais são as propostas básicas do Manifesto para o meio ambiente?

Maurício Waldman – Um ponto essencial diz respeito à tecnologia, pautada com insistência ao longo de todo oManifesto. Porém, é importante rubricar que as técnicas estão imersas em totalidades sociais, que as sancionam ou não. Não é a técnica que faz a história. O contrário é que estaria mais próximo da verdade. A matriz social é pressuposto básico para que novas criações ou ideações se integrem ao universo concreto. Inclusive à revelia das próprias condições materiais. Afinal, a Idade da Pedra não acabou por falta de pedra. A humanidade parou de lascar pedra em face da mudança das prioridades sociais, instigando-a a explorar novos patamares ecológicos. Portanto, ao empossar as tecnologias do papel de protagonista, o Manifesto tende a enveredar por uma visão tecnicista.

IHU On-Line – O Manifesto sugere que a técnica é fundamental para superar a crise ecológica. Como vê essa proposta?

Maurício Waldman – Sem dúvida alguma. Ausentes tecnologias versáteis e eficientes, o quadro de calamidade ambiental que observamos não tem como ser revertido. De maneira alguma. Por outro lado, não é simplesmente por existirem que as técnicas, por um passe de mágica, passarão a ser adotadas. Isso sem contar que o tecido social da Modernidade está perpassado por clivagens e contradições de todo tipo, transformando qualquer prognóstico num precário exercício de futurismo. Decerto, o Manifesto expõe alternativas que podem, por exemplo, revolucionar a matriz energética em vigor. Contudo, são necessárias diversas outras flexões para que as formas de geração de energia que estão carbonizando a atmosfera sejam definitivamente abolidas.

Manifesto defende o ciclo combustível do tório, opção contraposta às usinas nucleares convencionais, baseadas na fissão do urânio. Mas os signatários do Manifesto parecem ignorar que o protótipo dos reatores à base de tório remonta aos anos 50. Ou seja: 60 anos atrás. Apesar de serem menos perigosos que os reatores abastecidos com urânio, gerarem menos lixo nuclear e emitirem níveis mais baixos de radioatividade, o ciclo combustível do tório não vingou. Basicamente por ter contrariado o nascente lobby nuclear pró-urânio e por dificultar a construção de artefatos nucleares. No clima da Guerra Fria, tal particularidade sentenciou à morte os programas energéticos à base de tório.

O quadro hoje é, sem dúvida alguma, diferente. Todavia, persevera sob a batuta de premissas políticas e econômicas. As nações que hoje estão implantando projetos baseados no ciclo combustível do tório são, no geral, países como oChile e a Noruega, nações secundárias na ordem mundial. Ou então são nações como IsraelChinaRússia e Índia, que, por motivos variados, estão no encalço de um protagonismo próprio no cenário global. Chama a atenção que países como os EUAFrança e Reino Unido continuem fiéis ao urânio, tanto por motivações políticas quanto pela influência dos complexos industriais e tecnológicos existentes. Portanto, não são as possíveis virtudes do tório que justificam novos programas energéticos. Pelo contrário, são prescrições políticas, sociais e econômicas que uma vez mais direcionam, comandam e certificam a pauta tecnológica.

IHU On-Line – Além da questão tecnológica, o manifesto gera outras polêmicas?

Maurício Waldman – Sem dúvida. Exemplificando, no Manifesto, a Modernidade é avaliada como parteira dos avanços técnicos, do progresso econômico e da igualdade de gênero. Outros feitos seriam a dinamização da vida urbana e de novas formas de relacionamento político e social. Em si mesmas, não há como contestar a factualidade destas mudanças. Sob impulso da Modernidade, ocorreram transformações consideráveis no modo de vida da humanidade, das quais vastos setores não se dispõem a abrir mão. Assim, a Modernidade se tornou um elemento central para a história humana. Entretanto, o Manifesto omite qualquer tipo de visão crítica, um dado complicado se pensarmos as formas de reprodução social que a Modernidade implantou.

Note-se que o Manifesto sequer menciona os impactos promovidos pelo moderno estilo de vida e seus sucedâneos, oconsumismo e a sociedade do descartável. Isto apesar de serem inseparáveis dos mecanismos que estão alimentando a crise ambiental dos tempos modernos. Nesta lógica, o Manifesto se indispõe com o que acredito ser uma das maiores contribuições do ambientalismo: a defesa da justiça social. Digo também que não poderia ser diferente disso. Não há como fechar os olhos diante dos gritantes contrastes difundidos na sociedade contemporânea.

"O meio urbano está no centro do debate ambiental"

 

 

 

IHU On-Line – Como o manifesto se posiciona diante da questão da pobreza?

Maurício Waldman – Sabe-se de longa data que as disparidades de renda e de consumo estão firmemente apoiadas em estacas socioeconômicas. Porém, não é desta forma que o Manifesto aborda a questão. A narrativa do documento tem por pressuposto a compreensão de que a pobreza é um problema em si. Adotando este axioma como princípio, no Manifesto os processos de pauperização são dissociados da lógica estrutural que gera dessimetrias sociais e econômicas que excluem povos, grupos e pessoas.

Tal como noutras abordagens carentes de sociologia e de economia política, o Manifesto subverte os dados da questão. A pobreza seria um acaso, um desvio de percurso, um evento aberrante que pouco ou nada tem a ver com o funcionamento do sistema econômico. Portanto, as desigualdades econômicas seriam passíveis de serem zeradas ou corrigidas via aplicação mais intensa – e poder-se-ia adjetivar – mais radical das normas econômicas existentes. Dito de outro modo, with more of the same. Isto é: com mais do mesmo. No horizonte utópico do Manifesto, um remake ou repaginação modernizante não só livraria o Planeta dos problemas sociais, como também pavimentaria caminhos para a preservação do meio natural. Isto explica a razão do Manifesto advogar a aceleração da desconexão entre desenvolvimento e natureza como solução para a crise ambiental.

IHU On-Line – De que modo o Manifesto dissocia desenvolvimento e meio natural?

Maurício Waldman – Os autores do Manifesto alegam – nisto apelando para um consistente e bem fundamentado universo conceitual acadêmico – que uma natureza propriamente natural não existe. Aliás, uma ideia que de nova não tem nada. Desde o século XIX estudos realizados por biólogos, geógrafos e antropólogos demonstram a decisiva influência dos humanos no meio ambiente. Assim, o que chamamos de natureza seriam espaços regrados por sansões sociais, e a naturalidade, uma decorrência da esculturação humana do espaço. Das intervenções humanas no meio natural resulta justamente o Antropoceno. No texto do ManifestoAntropoceno é a palavra chave por excelência. Deste conceito advém a segunda noção básica do documento: o Bom Antropoceno.

IHU On-Line – O que o Manifesto apresenta como sendo o bom Antropoceno?

Maurício Waldman – Antes, seria importante esclarecer que a noção de Antropoceno está inserida de modo muito genérico no texto do Manifesto. Note-se que tal como a compreensão do papel dos humanos na construção da fisionomia da Terra, a noção de Antropoceno acumula décadas de discussões. Já no início do século XX o geoquímico e mineralogista soviético Vladimir Vernadsky deu os primeiros passos nessa direção. Vernadsky lança em 1926 o livro A Biosfera, sugerindo a hipótese de que a fisionomia terrestre foi biologicamente determinada. Avançando nesta discussão, concluiu que a paisagem terrestre não poderia ser desconectada das ações antropogênicas. Ou seja, transformações desenvolvidas pelos humanos. Este é o eixo que justifica uma famosa frase do cientista: “O homem tornou-se uma poderosa força geológica”. Mais adiante, o empenho de Vernadsky inspirou o biólogo norte-americano Eugene Stoermer a propor, nos anos 1980, o neologismo Antropoceno. Desde então, o conceito transita difusamente no meio acadêmico.

Foi dito que o Manifesto carece de sociologia. Infelizmente carece também de antropologia. Do modo como oAntropoceno integra a grade conceitual do Manifesto, a falta de perspectiva social e cultural compromete a argumentação do documento.

IHU On-Line – Por quê?

Maurício Waldman – Mesmo uma leitura superficial do Manifesto é suficiente para notar que o texto cita repetidamente o Antropoceno no singular, tal como se as paisagens humanizadas pelas diferentes sociedades ao longo da história fossem parte de um único processo. Acontece que a realidade é bem mais complexa. O geógrafo brasileiro Milton Santos na sua análise do espaço geográfico frisava que as múltiplas sociedades humanas criaram múltiplos espaços. Qual seja, muitas leituras da relação com o meio natural. Em comum, todas as antigas interpretações da territorialidade foram radicalmente diferentes do Antropoceno da Modernidade. No passado, rompimentos drásticos com os ciclos naturais ocorreram em caráter excepcional. Isto dificulta que se trace uma linha de continuidade entre as sociedades tradicionais e o mundo contemporâneo. Na história humana existiram Antropocenos e não O Antropoceno.

IHU On-Line – Quais os desdobramentos da forma como o Manifesto entende o Antropoceno?

Maurício Waldman – Um destes é que para o documento a oposição dos humanos ao meio natural é praticamente atávica. O Manifesto recorda, por exemplo, que as sociedades antigas derrubaram três quartos das florestas mundiais antes da revolução industrial. Certamente isto é verdade. Mas importa também sublinhar que este processo ocorreu ao longo de dois milhões de anos. E mais: que a quarta parte restante está sendo dizimada no frigir de poucas décadas. Ninguém ignora que as culturas tradicionais promoveram transformações de monta no ambiente natural.

Tanto isto é verdade que em certos contextos – como no bojo das civilizações AnashaziMaiaKhmerSabá e da ilha da Páscoa – irromperam severas crises ecológicas. Mas em nenhum momento a ação dos humanos do passado colocou em perigo a biosfera como um todo. Tampouco ameaçando a existência da Humanidade. Portanto, nada nas formas assumidas pelo Antropoceno na antiguidade permite filiação direta com o que acontece na sociedade atual. A Modernidade é única quanto à ferocidade da devastação e fome insaciável por recursos. Trata-se de uma singularidade que, a propósito, constitui seu dilema civilizatório central.

 

 

 

"Na história humana existiram Antropocenos, e não o Antropoceno"

IHU On-Line – Como o Manifesto propõe um bom Antropoceno?

Maurício Waldman – No que considero um ponto alto do Manifesto, o texto frisa com muita propriedade que o meio urbano está no centro do debate ambiental. Não podemos esquecer que atualmente a população humana é majoritariamente urbana, tendência que escancaradamente se acentua a cada dia que passa. Basta consultar Planeta Favela, obra do geógrafo norte-americano Mark Davis, um trabalho que não admite contestação quanto à centralidade do fato urbano na vida moderna. Nesta ordem de considerações, o Manifesto contesta com razão um clássico imaginário ambientalista, altamente ideacionado, que desloca a questão ambiental para os espaços romanticamente carimbados como naturais: florestas, oceanos e paisagens sob domínio da vida selvagem. Mas, novamente enveredando por visões avessas ao contraditório, o Manifesto reporta a uma cidade alegórica, também romanceada. Exatamente por esta razão, não possui densidade conceitual suficiente para pensar o meio urbano.

Porque não leva em consideração que a cidade moderna constitui um tecido urbano umbilicalmente associado àscontradições gerais da sociedade contemporânea. Novamente recorrendo a Milton Santos, a cidade moderna não é nem um pouco isonômica. Para as imensas massas de excluídos, a chamada rede urbana simplesmente não existe. A imagem de cidade exposta pelo Manifesto é uma caricatura da cidade real. É uma metrópole com altos arranha-céus cercados de verde. Mas onde estão os de fora da “cidade formal”? Nesta perspectiva, o chamado Bom Antropocenopoderá ser unicamente bom para alguns, para poucos.

IHU On-Line – Como fica a sustentabilidade nessa discussão?

Maurício Waldman – Na maneira como tem sido proposta, não fica. Contudo, não seria justo estigmatizar o Manifestopor conta disso. A sustentabilidade é um conceito que mostrou fragilidade e incapacidade em deter o avanço da crise ambiental. Entendo que conjunturalmente o Manifesto surge em função das lacunas operacionais do conceito de desenvolvimento sustentável. No tocante à dinâmica social, a tomada de posição do Manifesto não acontece por acaso. Presumivelmente, o documento expressa de um modo ou de outro uma corrente de opinião para a qual a sustentabilidade, além de ter malogrado, está conceitualmente desmoralizada.

desenvolvimento sustentável enfrenta dúvidas e incertezas em duas frentes. Primeiro, existem problemas concretos. Após mais de 20 anos de consagração do conceito no Encontro do Rio-92, simplesmente inexistem avanços palpáveis da sustentabilidade em nível global. O Relatório Panorama Ambiental Global 2012, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA, revela cenário desalentador. Nos últimos 40 anos apenas quatro dentre 90 metas ambientais estratégicas tiveram avanço significativo. Outros 40 objetivos avançaram minimamente. Para arrematar, 24 metas simplesmente estancaram. O fracasso é tão retumbante que até mesmo Gro Brundtland, mentora do Relatório Nosso Futuro Comum – ONU, expôs suas frustrações publicamente. Reverenciada como “Mãe” do conceito de desenvolvimento sustentável, Brundtland advertiu em entrevista concedida em 2012 que a sustentabilidade aguardava materialização como prática real. Mais: admoestou que o termo é utilizado abusivamente, desconectado de práticas reais. Desabafou por fim sem maiores delongas: “O desenvolvimento sustentável ainda não aconteceu”. Ora, se a própria mãe da sustentabilidade emite declaração deste tipo, quem somos nós a objetar?

Lado a lado com vicissitudes operacionais, o desenvolvimento sustentável demonstrou fragilidade teórica. Dado estar esvaziado de sustentação metodológica, o conceito terminou facilmente assimilável a qualquer tipo de situação. É o que explica a notória polissemia do termo. Numa conjuntura em que a insustentabilidade se tornou regra geral, existe toda sorte de objetos e serviços “sustentáveis”. Tudo é sustentável: existem fogões, canecas, computadores, cemitérios, carros, detergentes e roupas sustentáveis. Eu até brinco em sala de aula dizendo que um dia inventarão professores e alunos sustentáveis.

IHU On-Line – Que tipo de avaliação o Manifesto faz da ideia de sustentabilidade?

Maurício Waldman – Para os autores do Manifesto, a sustentabilidade não é um paradigma central. A aposta básica do documento é a intensificação das atividades humanas respaldadas por técnicas avançadas, tendo por meta o avanço da modernização. Decerto, a maior tecnificação das redes produtivas propiciaria uso mais eficiente dos insumos naturais. Por extensão, contribuiria para conservar e proteger o patrimônio natural. Entretanto, esta noção pode ser questionada. Mantendo-se a tendência ao crescimento ilimitado típico da economia moderna, não está garantido que existirão limites na exploração dos recursos naturais. Com isso se recoloca novamente a questão do tipo de desenvolvimento apropriado para garantir um futuro viável para as gerações que herdarão a Terra. 

"A viga mestra do documento está firmemente calçada na apologia da ecoeficiência"

 

 

 

 

IHU On-Line – Está aberta a possibilidade de pautar novamente a sustentabilidade?

Maurício Waldman – Sim e não. Evidência sobre a qual não se permite calar, caso o desenvolvimento fosse em si mesmo sustentável, não haveria necessidade de adjetivá-lo. Fala-se em “desenvolvimento sustentado” porque o tipo de relação mantida pela economia com a natureza não tem nada de sustentável. Fosse a sustentabilidade plenamente operacional, o mundo já estaria livre dos problemas ambientais. Conforme foi destacado, a pregação da sustentabilidade não obteve a repercussão esperada. Nesta sequência, o Manifesto implicitamente reconhece que o desenvolvimento não é sustentável e ponto final. E talvez paradoxalmente – em coerência com o discurso da dissociação entre desenvolvimento e natureza – afirma que um futuro ambientalmente seguro seria viabilizado por mais, e não por menos desenvolvimento.

IHU On-Line – Que avaliação inicial faz da abordagem ecológica da Encíclica Laudato Si’?

Maurício Waldman – A discussão sobre o meio ambiente na esfera das religiões é extremamente importante. No âmbito das religiões inspiradas na Bíblia, a criação é sempre avaliada como um ato divino. Por conseguinte, cabe aos humanos a responsabilidade em zelar por este acervo. A Encíclica Laudato Si’ – Louvado Sejas, tendo por subtítuloSobre o Cuidado da Casa Comum – se inscreveria, conforme foi colocado, num momento histórico marcado por uma encruzilhada ambiental, impondo a necessidade de instauração de um novo equilíbrio a zelar pelo ambiente. Mas esta harmonia somente será assegurada com avanços sociais, posição consignada pela Encíclica juntamente com a crítica ao consumismo e à sociedade do descartável. Lançada numa conjuntura na qual o debate ambiental está sendo reaberto, a Encíclica, portanto, amplia o debate numa direção correta. Uma importante contribuição a ser levada em consideração.

Por Patrícia Fachin

Fonte: IHU

Desenvolvimento econômico x crise ambiental


Entrevista especial com Sérgio Besserman Vianna

 

“A posição do Brasil é um pouco ambígua; o país já teve um papel de liderança nas negociações sobre as mudanças climáticas, mas esse papel se reduziu na medida em que se optou por ser mais um dos BRICs ao invés de ser uma ponte entre os países desenvolvidos e os países que emergem, como já foi no passado”, avalia o economista.

                           

“A dicotomia meio ambiente de um lado, e crescimento econômico, combate à pobreza, combate à desigualdade do outro é anacrônica, é algo para ficar no século passado”, pontua Sérgio Besserman Vianna na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone.

Segundo ele, neste século está “cada vez mais claro que só poderemos ter perspectivas de crescimento econômico se formos capazes de evitar a continuidade da degradação da natureza do planeta”. O economista enfatiza que as incertezas acerca de como a “humanidade vai reagir principalmente frente às mudanças climáticas” está “paralisando investimentos” e dificultando o cálculo da taxa de retorno de projetos de longo prazo. Essa insegurança, menciona, “virou uma restrição à retomada do crescimento desde a crise de 2008, dado que não só não há mais dicotomia, como muito possivelmente uma recuperação efetiva da economia global vai passar por uma tomada de decisões com relação a mudanças climáticas e outros problemas ambientais”.

Defensor de uma governança global para projetar ações relativas ao enfrentamento das mudanças climáticas, o economista enfatiza que um acordo global ou até mesmo uma proposta de governança “não ocorrerá por boa vontade de uma ou outra liderança”. A falta de convergência, assinala, deverá impactar as negociações do acordo a ser firmado em 2015, na Conferência das Partes em Paris, o qual substituirá o Protocolo de Kyoto. “As dificuldades serão imensas porque o que está em jogo é a geopolítica, ou seja, o poder e a segurança energética de países que dependem de fósseis. Também haverá muita dificuldade na distribuição, no cálculo da contribuição que cada país, cada nação dará para a redução dessas emissões, e dificuldades normais em qualquer negociação que afeta interesses envolvendo mais de 170 países”. Enquanto não se chega a um consenso, a prioridade, ressalta, é que “se retirasse imediatamente qualquer subsídio a combustíveis fósseis. Se não se consegue ainda começar a transição para a gigantesca redução das emissões de gases de efeito estufa, pelo menos é importante que se deixe de usar o dinheiro das pessoas, arrecadado em forma de tributo, para subsidiar o aquecimento do planeta”.

“esperança”“a grande novidade” poderá surgir durante a COP-21, com a participação dos EUA nas negociações do novo acordo climático. “O presidente Obama aparecerá nessas reuniões, principalmente em Paris, com capital para jogar. Ele não precisará mais ser o ‘cara do veto’, ele tem cartas na mão para o jogo político e diplomático, que são as reduções norte-americanas em função da substituição de carvão por gás natural. Da mesma maneira, a Chinatem compreensão de que se os Estados Unidos e a União Europeia entrarem em um processo de transmissão para baixo carbono, o crescimento econômico da China vai depender de ela também se engajar nesse processo, caso contrário retaliações comerciais seriam inevitáveis”. E conclui: “No que isso vai resultar e como a mudança da postura desses dois principais atores — Estados Unidos e China — afetará as negociações é o que nós vamos descobrir, mas pelo menos é um fator de alento para que tenhamos esperanças de sair da inércia”.

Sérgio Besserman Vianna é doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestre em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RJ e graduado em Economia pela mesma universidade.

Confira a entrevista.

 

 

IHU On-Line – É possível pensar em crescimento da economia global sem gerar mais problemas ambientais? Trata-se de uma dicotomia ou essas duas propostas podem ser unidas?

Sérgio Besserman Vianna – Essas duas questões hoje, obrigatoriamente, têm de ser pensadas de uma forma conjunta. No século XXI está cada vez mais claro que não é a natureza, ou seja, o meio ambiente que tem problema. A natureza tem um tempo muito diferente do nosso — dezenas, milhões e bilhões de anos. Assim, qualquer coisa que a humanidade faça, a natureza, no tempo dela, vai se recuperar sem qualquer dificuldade. Mas, ao mesmo tempo, a ciência tem nos informado que esse crescimento tem se acelerado muito nos últimos anos e a natureza do nosso tempo, essa que admiramos, amamos e da qual dependemos, não está mais conseguindo se recuperar das degradações provocadas pelo processo produtivo de consumo humano a tempo de continuar a nos entregar serviços indispensáveis à economia e à humanidade, como clima, solos, biodiversidade, água, etc.

Então, a dicotomia meio ambiente de um lado, e crescimento econômico, combate à pobreza, combate à desigualdade do outro é anacrônica, é algo para ficar no século passado. Neste século é cada vez mais claro que só poderemos ter perspectivas de crescimento econômico se formos capazes de evitar a continuidade da degradação da natureza do planeta. Ao mesmo tempo, como esse conhecimento já está consolidado, a incerteza que continua a existir sobre como a humanidade vai reagir, principalmente, frente às mudanças climáticas, está paralisando investimentos, torna difícil — se não impossível — o cálculo da taxa de retorno de projetos de prazo mais longo e virou uma restrição à retomada do crescimento desde a crise de 2008, dado que não só não há mais dicotomia, como muito possivelmente uma recuperação efetiva da economia global vai passar por uma tomada de decisões com relação a mudanças climáticas e outros problemas ambientais.

 

 

“Nos próximos anos, em duas ou três décadas, teremos de ter uma gigantesca revolução tecnológica envolvendo não apenas a produção, a oferta de energia, mas envolvendo toda a economia”

IHU On-Line – Como o senhor vê os discursos de desenvolvimento sustentável e economia verde? Há uma tentativa de a economia se sobrepor às questões ambientais? Quais são os temas mais urgentes a serem discutidos quando se trata de economia e meio ambiente, tendo em vista a sustentabilidade e o atual momento econômico e ambiental?

 

Sérgio Besserman Vianna – É preciso distinguir os impactos ambientais locais — um rio, uma bacia hidrográfica, um território dentro de uma cidade ou um bioma — dos problemas ecossistêmicos globais. Do ponto de vista local, muita coisa tem sido feita, o Sebrae tem sido muito atuante, muitos atores econômicos e sociais têm participado da busca de produções locais. Os principais problemas estão relacionados aos recursos hídricos, como estamos observando hoje a crise no abastecimento de água em São Paulo e nos reservatórios de energia elétrica do país; aos resíduos sólidos, porque nós ainda estamos no século passado, querendo acabar com os lixões, quando no mundo mais desenvolvido o lixo tende a desaparecer, sendo grande parte reciclável e o resto produtor de energia ou outros insumos; e à gestão do território em si, porque a proteção da natureza é uma garantia de que nós vamos continuar a ter oferta de água, de clima e assim por diante. Então, proteger nascentes, proteger matas ciliares, florestas perto de cidades ou áreas verdes têm um impacto considerável no clima e muita coisa tem sido feita nesse contexto por aquilo que chamamos de economia verde. Cada sociedade, cada município, cada comunidade atribuiu um valor maior ou menor a essas questões, mas é crescente o engajamento, a participação e a busca por soluções.

Já no plano global são muitos os problemas, mas dois se destacam. Um deles é a crise da biodiversidade e a extinção das espécies. As projeções são de que até o meio do século serão extintas cerca de 20% ou mais das espécies vivas do planeta, e não sabemos o que ocorrerá quando isso se realizar. Há um acordo global sobre a conservação da biodiversidade, mas ele não é implementado.

O outro problema prioritário é o de mudanças climáticas. Esse é urgente, é grave, é profundo, porque nós não temos tempo, porque o estoque de gases na atmosfera já está elevado demais, já não temos tempo de evitar um aquecimento da temperatura média do planeta superior a 2 graus centígrados. Nos próximos anos, em duas ou três décadas, teremos de ter uma gigantesca revolução tecnológica envolvendo não apenas a produção, a oferta de energia, mas toda a economia, os materiais que se utiliza, o padrão de consumo. Haverá uma grande alteração nos preços relativos da economia de mercado global, negócios grandes deixarão de existir, oportunidades e outros negócios vão surgir e a mudança será muito grande. Se nós não fizermos nada, teremos um aumento da temperatura média do planeta superior a 4,5, talvez 6 graus centígrados, o que não será o fim do mundo, o fim da civilização, mas será um pesadelo com grandes consequências, principalmente sobre populações pobres, que são as que estão em posições mais vulneráveis e têm menos recursos para se defender.

IHU On-Line – Como o senhor avalia as interpretações de alguns economistas de que a transição ecológica é inseparável de uma transição social? Qual pode ser a contribuição dessa transição ecológica para as questões sociais?

Sérgio Besserman Vianna – Essa observação é muito justa. No século XIX, dois jovens, Karl Marx e Engels, escreveram o livro A ideologia alemã. Eles não gostaram do livro, o colocaram na gaveta para não ser publicado, mas ele foi achado, publicado e ali tem uma frase genial: “Só existe uma ciência, a ciência da história”. Essas divisões — economia, sociologia, antropologia, ciência política e a própria ecologia — são janelas que nós criamos para facilitar a tentativa de analisar e de entender a realidade, que é muito complexa, mas só existe uma ciência, uma realidade, e essa realidade é a história.

Na história do século XX, pelo fato de já sermos 7 bilhões de pessoas — seremos 10 bilhões —, pelo impacto ambiental ter aumentado enormemente, pelo fato de termos chegado aos limites do planeta em vários temas, mas com destaque para as mudanças climáticas e a biodiversidade, o que irá acontecer no restante deste século, principalmente na primeira metade, com relação às condições sociais de vida das pessoas, ao processo produtivo, àquilo que é objeto de desejo de consumo, à própria cultura, aos valores, é inseparável das decisões que a humanidade vai tomar com relação à crise ecológica. Nós vamos descobrir, de certa maneira, quem somos: se somos aqueles capazes de agir hoje para evitar problemas lá na frente, daqui a 20, 30 anos, e mais ainda para os nossos filhos e netos, ou se somos aqueles que não nos interessamos por isso, vivemos nossa vida e os que vão nascer no futuro resolverão essa questão mais adiante.

 

“A governança global está tão falha que não consegue lidar com praticamente nenhum problema, quanto mais com um problema complexo como esse das mudanças climáticas”

IHU On-Line – O senhor aponta a resolução dessas questões a partir de ações e atitudes individuais. Contudo, pensando no âmbito político, como pensar numa governança global nos dias de hoje, considerando que os países não conseguem chegar a acordos nas Conferências do Clima, por exemplo? Como essa governança global daria conta de catalisar ou sugerir uma direção para os diversos problemas a serem enfrentados atualmente, como as mudanças climáticas, a questão econômica?

Sérgio Besserman Vianna – Essa é uma grande incógnita. De fato não existe hoje uma governança global para essa tomada de decisão. Mais do que isso, a governança global está tão falha que não consegue lidar com praticamente nenhum problema, quanto mais com um problema complexo como esse das mudanças climáticas. Mas, a natureza não espera, ela não está dando a menor importância às nossas dificuldades diplomáticas, geopolíticas, econômicas. Nós temos uma janela de oportunidades de 10, 20 anos, no máximo, para iniciarmos a transição da economia de baixo teor de carbono e evitar os piores cenários de aquecimento global. Então, como haverá um encontro dessa necessidade com a atual incapacidade de tomada de decisão, ninguém sabe. As negociações diplomáticas não sugerem que um acordo seja possível, os interesses a serem contrariados são muito grandes, interesses econômicos, geopolíticos. De outro lado, o conhecimento, principalmente o científico, mas também os relatos de povos ao longo do mundo, que observam as transformações da natureza, deixam claro que, com relação a mudanças climáticas, a decisão tem de ser rápida.

Eu não sei a resposta e ninguém sabe, mas acredito firmemente que ela depende de cada um de nós, não só fazendo a sua parte, reduzindo emissões, etc., mas mais do que isso, fazendo política com “P” maiúsculo, política em torno de ideias. Somos nós os cidadãos do planeta, porque agora todos nós somos cidadãos locais e globais. Se no Brasil fizermos todo o dever de casa com relação ao desmatamento e milagrosamente chegarmos ao desmatamento zero, ainda assim, se formos para os piores cenários de aquecimento global, vamos perder grande parte — se não a maior parte — da Amazônia. Então, agora temos de nos manifestar e exigir dos nossos representantes, dentro das nossas nações, que conheçam o tema — porque são ignorantes na sua maioria — e se posicionem sobre o assunto, e devemos votar levando esse fator em conta.

IHU On-Line – Nas discussões das Conferências do clima sempre pesam as decisões econômicas e políticas dos países. As nações deveriam pensar outro modelo de desenvolvimento?

Sérgio Besserman Vianna – Isso não ocorrerá por boa vontade de uma ou outra liderança. O que está em jogo aqui não é um pequeno problema ambiental, o que está em jogo é a civilização dos combustíveis fósseis, é o jeito como vivemos em todos os lugares, na Escandinávia, na América Latina, na África, na Ásia, nos Estados Unidos. Essa civilização dos combustíveis fósseis tem que terminar, senão o planeta vai aquecer muitíssimo neste século, e o sofrimento em vida e os custos econômicos serão elevadíssimos. Um bom exemplo é perguntar: o que sai mais caro, despoluir a Baía de Guanabara agora ou ter trabalhado para que ela não fosse poluída antes? Despoluir é muito mais caro. Podemos fazer uma analogia com o planeta: enfrentar as consequências desse grande aquecimento global sairá muitíssimo mais caro do que evitá-lo, e já não é mais possível evitá-lo da forma como seria desejado.

Respondendo diretamente sua pergunta: a transição da atual civilização de combustíveis fósseis para uma economia de baixo teor de carbono traz custos, modifica os preços relativos, contraria diversos interesses, mas é inevitável. E todos os negócios, grandes e médias companhias do mundo, os próprios pequenos e médios empreendedores, todos vão se defrontar, em algum momento, com uma dramática alteração dos preços relativos, um custo que afetará muito os seus negócios. É preciso estar atento para evitar os principais problemas e aproveitar as oportunidades, mas o custo da inação já não é mais aceitável.

Então, em algum momento, não sabemos como, passará pela pressão da sociedade civil planetária, a transmissão para o baixo carbono terá de ser uma realidade e, mais do que isso, acelerada.

IHU On-Line – Qual tem sido o desempenho do Brasil no processo de enfrentamento das mudanças climáticas e da transição energética? O Brasil está atento a essa mudança?

Sérgio Besserman Vianna – A posição do Brasil é um pouco ambígua; o país já teve um papel de liderança nas negociações, mas esse papel se reduziu depois na medida em que se optou por ser mais um dos BRICs ao invés de ser uma ponte entre os países desenvolvidos e os países que emergem, como já foi no passado — isso do ponto de vista diplomático. Do ponto de vista político, o assunto já foi mais considerado e atualmente tem sido mais ignorado.

Nós temos um ponto positivo e uma preocupação muito grande: o ponto positivo é a redução do desmatamento; o controle do desmatamento reduziu muito as emissões brasileiras e há um trunfo para ser usado nas negociações. O ponto negativo é que na economia nós fizemos muito pouco, até há bons planos setoriais para a agricultura de baixo carbono e diversos outros, que não foram implementados, mas simultaneamente a nossa matriz energética vem se sujando mais a cada ano.

matriz energética é muito limpa porque é baseada em hidroeletricidade, mas os problemas de escassez vêm afetando os reservatórios, e por conta disso tem se acionado térmicas, e térmicas a carvão, térmicas a óleo combustível. Nesse sentido, não há uma política clara de constituição de uma matriz energética que não apenas continue tão limpa quanto já foi no passado, mas que se torne mais limpa, ou seja, não há uma aposta clara em eficiência energética e das fontes renováveis de energia que levem em conta a necessidade de transição para baixo carbono.

IHU On-Line – É possível vislumbrar quais são as dificuldades em torno do documento que substituirá Kyoto, que já expirou em 2012, tendo em vista o novo acordo climático global a ser firmado em 2015, na França? Que temas deveriam ser prioridade nesse acordo que já começou a ser negociado?

 

“O mais importante em Lima serão as negociações de bastidores para ir preparando para 2015 uma negociação mais profunda e capaz de atender as metas que têm de ser alcançadas e que são muito grandes”

Sérgio Besserman Vianna – As dificuldades serão imensas porque o que está em jogo é a geopolítica, ou seja, o poder e a segurança energética de países que dependem de fósseis.

Também haverá muita dificuldade na distribuição, no cálculo da contribuição que cada país, cada nação dará para a redução dessas emissões, e dificuldades normais em qualquer negociação que afeta interesses envolvendo mais de 170 países.

ONU não é uma instituição habilitada à tomada de decisões rápidas; ela representa as nações, mas é pouco eficaz como a teoria dos jogos explicaria perfeitamente, porque qualquer país tem direito de veto e assim por diante.

As dificuldades, então, serão muito grandes, geopolíticas e principalmente econômicas, porque o que está em jogo também é o ritmo de depreciação dos ativos, é a mudança no processo de produção de consumo. É verdade que grandes companhias e empresários do mundo têm perfeita consciência de todo esse problema e já se posicionam para o novo mundo, digamos assim, mas também há muitas companhias e empresários que preferem ignorar e apostar tudo no lucro de curto prazo. Essas resistências serão as maiores dificuldades.

A prioridade maior de todas — porque embora haja uma data para o acordo em 2015, pode não se chegar a esse acordo — seria que em todos os países do mundo se retirasse imediatamente qualquer subsídio a combustíveis fósseis. Se não se consegue ainda começar a transição para a gigantesca redução das emissões de gases de efeito estufa, pelo menos é importante que se deixe de usar o dinheiro das pessoas, arrecadado em forma de tributo, para subsidiar o aquecimento do planeta. Isso ocorre na maior parte dos países e também no Brasil, por exemplo, com a manutenção artificialmente baixa do preço da gasolina, ou com subsídios na compra de automóveis sem discriminar os veículos que emitem muito ou que são mais eficientes.

IHU On-Line – Em relação à geopolítica, quais países terão mais peso nas negociações de 2015? Nas negociações de Kyoto, os EUA dificultaram as negociações. Hoje o país ainda desempenha um papel fundamental no sentido de assumir uma postura contrária ao acordo?

Sérgio Besserman Vianna – Até hoje nós tivemos um jogo naturalmente complicado, mas tanto os Estados Unidosquanto a China eram atores mais voltados para vetar e embarreirar o avanço do que para fazer as negociações progredirem. Isso mudou muito nos últimos anos com o gás não convencional — que no Brasil nós chamamos gás de xisto — nos Estados Unidos. Eles passaram a ter quase autonomia energética por mais de um século e meio, e embora o gás natural seja um fóssil que aqueça o planeta, ele é utilizado lá para substituir o carvão, sendo que nesse sentido é visto como uma vantagem, porque o carvão é muito pior que o gás natural.

A grande novidade em 2015 na Conferência das Partes — talvez já apareça um pouco nesse ano na Conferência das Partes de Lima, que é preparatória para a conferência de Paris — é que o presidente Obama aparecerá nessas reuniões, principalmente em Paris, com capital para jogar. Ele não precisará mais ser o “cara do veto”, ele tem cartas na mão para o jogo político e diplomático, que são as reduções norte-americanas em função da substituição de carvão por gás natural. Da mesma maneira, a China tem compreensão de que se os Estados Unidos e a União Europeia entrarem em um processo de transmissão para baixo carbono, o crescimento econômico da China vai depender de ela também se engajar nesse processo, caso contrário retaliações comerciais seriam inevitáveis. Então, no que isso vai resultar e como a mudança da postura desses dois principais atores — Estados Unidos e China — afetará as negociações é o que nós iremos descobrir, mas pelo menos é um fator de alento para que tenhamos esperanças de sair da inércia.

IHU On-Line – Quais as expectativas para a Conferência do Clima – COP-20 deste ano, em Lima, no Peru? Quais os principais temas a serem discutidos?

Sérgio Besserman Vianna – Esse modelo de negociações climáticas das Nações Unidas reproduz um pouco a forma de negociação da Organização Mundial de Comércio: é extremamente detalhado, e toda a tecnologia das negociações globais comercias foi trazida para as negociações das mudanças climáticas. Em 2014, em Lima, o que vai ser discutido de mais importante são os mecanismos de financiamentos para os países que necessitarão de recursos, seja para mudar o seu processo produtivo, seja para se adaptar aos impactos das mudanças climáticas, e o financiamento da redução do desmatamento, da preservação das florestas. Isso é importante, mas o mais importante em Lima serão as negociações de bastidores para ir preparando para 2015 uma negociação mais profunda e capaz de atender as metas que têm de ser alcançadas e que são muito grandes.

(Por Patricia Fachin)

Crises ambientais brasileiras se aprofundam


Crises ambientais brasileiras se aprofundam, artigo de Luiz Marques

artigo

 

[EcoDebate] Em setembro de 2015, o governo brasileiro anunciou ao mundo sua contribuição pretendida nos esforços globais de atenuar a progressão do aquecimento global e das perturbações do sistema climático[1]. O Brasil pretende “reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025”. Como “contribuição indicativa subsequente”, o país pretende ainda “reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% abaixo dos níveis de 2005, em 2030”. Essa dupla pretensão está consignada no documento comunicado ao Secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), em cujo âmbito ocorrerá a decisiva Conferência do Clima em dezembro próximo em Paris (COP 21).

Para atingir essas metas, o Brasil se compromete a “alcançar, na Amazônia brasileira, o desmatamento ilegal zero até 2030”. O ceticismo em relação a esse engajamento é inevitável. Márcio Astrini, do Greenpeace, sublinha a incompatibilidade entre essas metas e o novo Código Florestal, aprovado em 2012: “Este plano é baseado em uma lei que sabemos que não funciona. Dilma não propõe nada para mudar essa política. Seu plano é irrealista”. Antes ainda de irrealista, o documento apresentado à ONU é uma aberração jurídico-política, pois quando o Estado brasileiro promete orgulhosamente que o desmatamento ilegal será zerado em… 2030, ele confessa sua incapacidade de fazer cumprir sua própria lei aqui e agora. O Estado é, por definição, a autoridade dotada dos instrumentos policiais e jurídicos que o capacitam a garantir a observância de sua legislação. Prometer que as leis vigentes serão respeitadas em 2030 é uma afirmação absurda, auto desqualificante, cômica (se não fosse trágica) e que cobre de vergonha os cidadãos deste país.

Além disso, se o governo quisesse mesmo que sua lei fosse cumprida no futuro remoto, deveria começar por tomar providências nesse sentido no presente. Ora, o que se constata é uma aceleração da destruição e da degradação do patrimônio natural do país, tal como discutido em detalhe em meu livro, Capitalismo e Colapso Ambiental, recentemente lançado pela editora da Unicamp. O governo apoiou uma legislação que anistia os criminosos e permite mais áreas desmatadas sob o abrigo da lei, reduziu o Ministério do Meio Ambiente à míngua e coroou sua aliança com os protagonistas do desmatamento ao nomear para o seu primeiro escalão Kátia Abreu, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Eleita em 2009 e em 2010 pelo Greenpeace “Miss Desmatamento” e “Motosserra de ouro”, Kátia Abreu defende abertamente o desmatamento, a ponto de escrever: “Há um sentido pejorativo que foi atrelado à palavra desmatamento, como se ela significasse um ato voluntário e arbitrário de destruição da natureza”[2].

O resultado objetivo dessas políticas é o aprofundamento das crises ambientais brasileiras. Em apenas três anos, entre agosto de 2011 e julho de 2014, o agronegócio arrasou 15.559 km2 da floresta amazônica, uma área mais de dez vezes maior que o município de São Paulo. E os alertas de desmatamento identificados pelo sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (DETER/INPE) de agosto de 2014 a julho de 2015 apontam para “os maiores índices de desmatamento e degradação da floresta amazônica dos últimos seis anos”[3]. Quanto aos incêndios, a floresta amazônica no Maranhão está em chamas e o INPE detectou no estado do Amazonas, apenas em setembro de 2015, 5.882 focos de incêndio, o maior número de incêndios em 17 anos de monitoramento nesse estado.

Legal ou ilegal, o desmatamento é um só. Ele causa aquecimento global, desequilíbrios climáticos, secas, colapso dos habitats florestais e da biodiversidade, degradação dos solos e insegurança energética, hídrica e alimentar. Mas ainda que o governo conseguisse convencer seus aliados a não desmatar além do permitido pela lei, o que o novo Código Florestal permite desmatar já é suficiente para amputar mais do que já destruímos da manta vegetal nativa brasileira desde 1970! Como sabemos, o novo Código Florestal permite o desmatamento de 20% da área de uma propriedade na Amazônia Legal, de 65% no Cerrado e de 80% em outros biomas[4]. Ora, segundo estimativas de Gerd Sparovek (Esalq/USP), a área brasileira de vegetação nativa que o Código deixou desprotegida, podendo ser desmatada dentro dos limites da lei, soma 957 mil km², uma área maior que o estado do Mato Grosso, sendo mais de 400 mil km2 no Cerrado, 280 mil km2 na Caatinga e 78 mil km2 na Amazônia.

Como pode o governo brasileiro prometer uma participação expressiva no combate ao aquecimento global, quando permite ao agronegócio trocar florestas por pastagens, como se ignorasse que as florestas sequestram carbono, ao passo que sua queima libera quantidades gigantescas de gases de efeito estufa na atmosfera do planeta? Após a catástrofe militar, que desencadeou na Amazônia o maior ecocídio da história humana, nada há na política dos governos civis sucessivos que lhes empreste credibilidade no que se refere ao combate ao aquecimento global e à proteção de nosso patrimônio natural. Enquanto continuarmos a eleger governos que não apenas não reprimem, mas financiam e são financiados pelos desmatadores, não poderemos nos queixar da conta que já estamos pagando pela morte de nossas florestas e de nosso futuro.

Luiz Marques é professor do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), da Unicamp e lançou o livro “Capitalismo e colapso ambiental”, pela Editora Unicamp.

[1] Por gases de efeito estufa (GEE), o documento explicita os dois gases de maior impacto – o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4) –, mas também os demais gases que compõem, secundariamente, os GEE: o óxido nitroso (N2O), os perfluorcarbonos, os hidrofluorcarbonos e o Hexafluoreto de Enxofre (SF6). Veja-se: <http://www.itamaraty.gov.br/images/ed_desenvsust/BRASIL-iNDC-portugues.pdf>.

[2] Cf. “Desmatamento eleitoreiro”. Folha de São Paulo, 27/IX/2014.

[3] “Agora é oficial, alertas do Deter disparam 68%”. Amazônia, 1º de setembro de 2015

<http://amazonia.org.br/2015/09/agora-e-oficial-alertas-do-deter-disparam-68/>.

[4] Cf. Soares-Filho, Britaldo, et alia, “Cracking Brazil’s Forest Code”. Science, 25/IV/2014, 6182, pp. 363-364.

[5] Cf. Observatório do Código Florestal <http://www.observatorioflorestal.org.br/noticia/passivo-florestal-e-de-quase-um-parana>.

 

in EcoDebate, 13/11/2015

‘Nosso modelo econômico é o vilão da crise ambiental’


                                 

O enfrentamento das mudanças climáticas é uma luta que a humanidade está travando contra si mesma na busca de um modelo de desenvolvimento sustentável. E, por enquanto, não está se saindo muito bem nisso. "Estamos contra as cordas e atordoados", diz o advogado de Direito Internacional Eduardo Felipe Matias, autor do livro A Humanidade Contra as Cordas (Paz e Terra), lançado nesta terça-feira, 8, em São Paulo. A boa notícia é que não vai ser fácil, mas ainda dá tempo de virar o jogo, diz ele.

 

A entrevista é de Herton Escobar, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 07-04-2014.

 

Eis a entrevista.

O título do livro faz uma analogia com uma luta de boxe. Em que estágio estamos dessa luta, e como estamos nos saindo?

A analogia é exatamente essa; estamos contra a cordas e atordoados, especialmente porque fomos nós mesmos que nos colocamos nessa situação complicada. Se você parar para pensar quem é o vilão nessa história, ele é todo o nosso modelo econômico de sociedade. Estamos diretamente inseridos nisso, e não há como fugir (dessa responsabilidade). Há uma inércia muito grande que precisa ser combatida. A tendência é que essa inércia prevaleça e a gente continue a fazer as coisas do mesmo jeito, até porque isso favorece os grupos já dominantes nessas circunstâncias.

 

Qual é a responsabilidade dos indivíduos nessa luta?

Cada indivíduo é importante como uma parte desse sistema no qual estamos inseridos, seja como eleitores, como consumidores ou simplesmente como cidadãos. Então, nossa participação é fundamental. Nesse ponto eu faço um paralelo entre duas crises: a financeira e a ambiental. Uma conclusão que permeia todo o livro é que o principal problema que vivemos é o dos incentivos equivocados; incentivos de curto prazo, voltados para o lucro imediato. O consumidor tem o papel de pressionar as empresas e também de persuadi-las, porque a partir do momento que ele ganha consciência e começa a privilegiar empresas sustentáveis, ele manda uma mensagem para as outras empresas que aquilo é importante.

 

E as empresas?

As empresas têm um funil pela frente. Seja pela escassez de recursos seja pela pressão do consumo consciente, as empresas que saírem na frente e passarem primeiro por esse funil da sustentabilidade sairão na frente, com vantagens, enquanto que as passarem por último correrão risco até de perecer.

 

O senhor vê isso acontecendo já? Essa mudança de atitude em favor da sustentabilidade?

Sim, acho que está acontecendo, mas de forma ainda muito insipiente, se pensarmos no tamanho do problema – que o novo relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) mostra ser grande. Deveríamos estar muito mais adiantados. A imagem que eu uso no livro é de um círculo virtuoso da sustentabilidade; o objetivo é mostrar quais são os atores e quais são os instrumentos que esses atores têm para tentar reverter essa situação. Não vai haver uma bala de prata e não é um grande ator ou um grande acordo internacional que vai resolver o problema; a gente tem de acionar todos esses atores ao mesmo tempo, agora.

 

Como o Brasil se encaixa nesse círculo virtuoso? O País está fazendo um bom papel?

Acho que o Brasil está perdendo a oportunidade de se tornar um Estado líder nessa área. Do mesmo jeito que as primeiras empresas que passarem pelo funil da sustentabilidade vão se beneficiar, os Estados também vão. Os países que criam incentivos na direção correta, investem em pesquisa e desenvolvimento, e que entendem essa tendência de sustentabilidade, vão sair na frente. O Brasil tem tudo para ser um país de ponta nessa área, por conta de suas atribuições ambientais e até pelo pioneirismo em certas áreas que, infelizmente, estão sendo deixadas de lado, como a do etanol. Então, vemos que pode ser uma oportunidade perdida.

 

A atual crise da água em São Paulo tem relação com isso?

Com certeza. No livro, falo dos limites do planeta que não podem ser extrapolados, e o da água é o mais evidente. Nesta segunda, vi uma estatística que o desperdício de água potável no Brasil supera 38%. É um absurdo, que mostra com a gente age de maneira imediatista, como se os recursos fossem infinitos, ignorando completamente a necessidade de preservação a longo prazo.

 

E o novo relatório do IPCC confirma tudo isso?

Sim, confirma com 95% de certeza que nós somos os culpados (pelas mudanças climáticas), e que as consequências são graves e já começaram a aparecer. Então, está mais claro do que nunca que quem nos colocou contra as cordas fomos nós mesmos, e que para sair delas precisamos mudar nossa atitude nessa luta.

 

Ainda dá para ganhar a luta?

Dá, mas vai exigir um esforço considerável. Temos de continuar lutando e ganhar a luta, ou seremos nocauteados, mas não podemos ignorar o fato de que o prejuízo causado já foi grande, e por isso há a necessidade de se adaptar a esse mal que já foi causado.da violência e inimigas da cidade".

 

Fonte: IHU – Unisinos

O mapa da Pegada Ecológica


O mapa da Pegada Ecológica, artigo José Eustáquio Diniz Alves

pegada ecológica per capita, países, 2012

 

[EcoDebate] A Global Footprint Network apresenta duas medidas úteis para se avaliar o impacto humano sobre o meio ambiente e a disponibilidade de “capital natural” do mundo. A Pegada Ecológica serve para avaliar o impacto que o ser humano exerce sobre a biosfera. A Biocapacidade avalia o montante de terra e água, biologicamente produtivo, para prover bens e serviços do ecossistema à demanda humana por consumo, sendo equivalente à capacidade regenerativa da natureza.

Em 2012, o mundo tinha uma população 7,1 bilhões de pessoas, com uma pegada ecológica per capita de 2,84 hectares globais (gha) e uma biocapacidade per capita de 1,73 gha. O déficit ambiental global era de 64%. Para que o mundo vivesse sem déficit a pegada ecológica deveria ser igual à biocapacidade, isto é, 1,73 gha.

A pegada ecológica cresce em função do aumento do consumo e das atividades econômicas. Em geral, a pegada ecológica é maior para os países mais ricos, com alto IDH, ou grandes produtores de petróleo. Em 2012, os países com as maiores pegadas ecológicas per capita eram: Luxemburgo (15,8 gha), Aruba (11,9 gha), Qatar (10,8 gha), Austrália (9,3 gha), EUA (8,2 gha), Canada (8,2 gha), Kuwait (8,1 gha), Singapura (8,0 gha), Trinidad e Tobago (7,9 gha), Oman (7,5 gha), Bahrain (7,5 gha) e Suécia (7,3 gha).

No mapa, só os países bem clarinhos tinham pegada ecológica igual ou menor do que 1,73 gha. Já os países mais escuros tinham pegada ecológica superior a 6,7 gha. Nota-se que nenhum país da América Latina e África possuía pegada ecológica elevada. Os dois países mais populosos do mundo tinham pegada ecológica de 1,2 gha na Índia e 3,4 gha na China. O Brasil tinha pegada de 3,1 gha em 2012 (acima da média mundial de 2,8 gha).

Já o mapa da pegada ecológica total muda de figura, pois é preciso multiplicar a pegada per capita pela população. Observa-se que a Índia tem uma pegada ecológica per capita muito baixa, mas como tem uma população muito grande (que deve ultrapassar a China e se tornar o país mais populoso do mundo a partir de 2025) a Pegada Ecológica total é enorme. Não por coincidência, são os 3 países mais populosos do mundo (China, Índia e EUA) que possuem as pegadas ecológicas totais mais elevadas.

China = 1,4 bilhão de habitantes, com pegada ecológica per capita de 3,4 gha. A pegada ecológica total era de 4,8 bilhões de gha. A biocapacidade per capita chinesa era de 0,9 gha em 2012. O déficit ambiental era de 260%.

Índia = 1,24 bilhão de habitantes, com pegada ecológica per capita de 1,2 gha. A pegada ecológica total era de 1,4 bilhão de gha. A biocapacidade per capita chinesa era de 0,5 gha em 2012. O déficit ambiental era de 160%.

 

pegada ecológica total, países, 2016

 

Estados Unidos = 318 milhões de habitantes, com pegada ecológica per capita de 8,2 gha. A pegada ecológica total era de 2,6 bilhões de gha. A biocapacidade per capita chinesa era de 3,8 gha em 2012. O déficit ambiental era de 120%.

Nota-se que o déficit ambiental total dos EUA é menor do que o da China. E a diferença fundamental é o tamanho da população. A China tinha em 2012 a maior população do mundo e uma pegada ecológica média. O resultado é a utilização de 4,8 bilhões de hectares globais, utilizando 39% da biocapacidade total do Planeta. Os Estados Unidos (EUA) tinham uma população bem menor do que a China, mas uma pegada ecológica per capita muito alta. O impacto global dos EUA era de 2,6 bilhões de gha, representando 21% da biocapacidade total do mundo. A Índia tinha em 2012 a segunda maior população do planeta, mas uma pegada ecológica per capita bem abaixo da média mundial. O resultado é uma pegada ecológica global de 1,4 bilhão de gha, representando 12% da biocapacidade total da Terra.

Para que o mundo saia do vermelho do déficit ambiental e passe para o verde do superávit ambiental será preciso diminuir a pegada ecológica (consumo), ou a população ou os dois ao mesmo tempo. O que não dá é para continuar sobrecarregando o Planeta com o crescimento demoeconômico e a ampliação do déficit ambiental. O caminho atual leva ao abismo e, como diria Cartola: “Abismo que cavaste com os teus pés”.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

 

in EcoDebate, 24/06/2016