Poder de destruição planetária


 
Em seu livro “A Desordem do Progresso”, Cristovam Buarque diz que “criamos o poder de destruição planetária, mas não criamos uma consciência planetária”.

Quanto a isso, parece ser consenso que o homem moderno, ao dominar as técnicas de produção econômica e se “apossar” impetuosamente do meio ambiente, numa relação nada amistosa com a natureza, passou a se sentir como um semideus, um verdadeiro “senhor do Universo”, “embriagado” pelo afã em sempre conquistar mais e mais.

Com isso, a noção de limites (principalmente em relação à disponibilidade de recursos naturais) foi completamente perdida. Extrapolou-se, por consequência, as fronteiras daquilo que se convenciona chamar de razoável, ponderável, aceitável.

Não por acaso, é sintomática a percepção que a raça humana “desenvolveu” mecanismos com mais facilidade para a “destruição” do que pela “preservação”, tendo em vista que para a realização dessa última é imprescindível o desenvolvimento de plena e comum consciência do todo.

A prova inconteste dessa falta de parcimônia ou mesmo de intolerância para com o meio ambiente, contida na completa ausência de consciência planetária, talvez esteja muito presente na prática e hábitos enraizados em diversas culturas que enaltecem, sobremaneira, o consumo excessivo, fazendo da aquisição material espécie de dogma para a promoção pessoal, verdadeiro cabedal paradigmático do progresso e da conquista de bem-estar, de bem viver.

Essa cultura do “ter” (vinculada intimamente ao ato de consumir) constantemente se eleva e, por isso, afronta à cultura do “ser”, que se liga, por sua vez, às questões morais, éticas, de conduta pessoal.

No caso específico do “ter”, é a materialidade que se expressa com força ímpar, penetrando no consciente dos mais vorazes consumidores, nos suntuosos compradores, naqueles que estão (ou nunca estiveram) poucos preocupados com as consequências ao planeta de um consumo ostensivo.

Daqueles que, em outras palavras, pouco se importam se essa busca pelo progresso econômico e pelo bem-estar material será ou não inimiga da preservação ambiental, afinal, o que importa em matéria de mercado de consumo não é “preservar”, mas sim “consumir”, logo, “destruir” (pela origem etimológica).

Esse excesso de produção/consumo – causador em primeiro plano da dilapidação dos recursos naturais – está expresso nos 20% da humanidade (residente nos países mais avançados) que se apropriam de 80% de toda a produção material mundial.

Isso faz com que em larga medida não haja uma adaptação das atividades econômicas às leis da natureza. Se houvesse, os níveis de produção e consumo seriam indubitavelmente mais cônscios, menos agressivos.

Como a ordem que vem do mercado aponta para a “necessidade” de se produzir (sempre mais) para promover crescimento econômico (em níveis elevados), a única “consciência” que parece se estabelecer se dá em torno de fazer com que o “ter” prevaleça sobre qualquer condição.

Por isso se constata o confronto latente entre o sistema econômico (que se expande sem limites) e o sistema ecológico (que decreta os limites não respeitados pela atividade econômica).

Disso decorre afimar, igualmente, que os processos econômicos e sociais nunca estiveram essencialmente a serviço da vida, dificultando assim a criação dessa consciência planetária em torno de se buscar, primordialmente, a partir da ação individual, o compromisso com o planeta (nossa Casa Comum – Gaia, nos dizeres dos gregos), com a preservação das espécies (parceiros de nossa convivência) e com o cuidado específico em relação a não dilapidação frenética dos serviços ecossistêmicos (indispensáveis ao nosso viver).

Essa falta de consciência planetária – especificamente em relação aos serviços ambientais – leva a graves distúrbios. Por isso é comum que muitos saibam até mesmo explicar os valores dos produtos, mas são incapazes de mensurar os valores da natureza.

Em geral, sabe-se com facilidade o preço (custo) de uma mesa feita de mogno, mas não se sabe o “custo” que representa a derrubada de um Jequitiba de 200 anos.

O que passa a “valer mais” são as mercadorias, não a natureza e os recursos dela extraídos para a fabricação dessas mercadorias. Lamentavelmente, tem-se aqui uma acintosa inversão de valores.

“Ter” vale mais que “Ser”. “Comprar” vale mais que “Preservar” e, “Produzir” se torna sinônimo de “Progredir”, mesmo que isso custe “Destruir” o meio ambiente, vale dizer, o “Eco” (a Casa).

Até quando suportaremos insensível inversão de valores? Até quando será possível conviver com essa falta de consciência planetária?

 
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo | prof.marcuseduardo@bol.com.br