Exploração de petróleo na reserva de Yasuni é “essencial para a economia”, diz governo equatoriano.


As companhias de petróleo poderão em breve ter acesso a uma parte do território das reservas do Equador. 

Foto : Cecilia Puebla Associated Press. Manifestantes denunciaram no Quito, no último 27 de agosto, o projeto de exploração de petróleo dentro da reserva Yasuni.

O governo equatoriano estima que a exploração das reservas de petróleo em uma reserva detentora de uma excepcional biodiversidade, será essencial para a economia do país. Os opositores do projeto de exploração da reserva em destaque tentaram realizar uma consulta nacional sobre o tema e até mesmo um referendo.

A exploração de Yasuni é "algo essencial para a economia”, insistiu esta semana Patrício Rivera, diretor de política econômica do governo, em uma audiência perante o Congresso em Quito. De acordo com ele, dar sinal verde para as agências petrolíferas, contribuirá na luta de erradicação da pobreza dentro do país.

O governo equatoriano anunciou há duas semanas, a sua intenção de abrir uma parte da região amazônica no uso de energia fóssil, após o fracasso de uma campanha internacional para arrecadar fundos. De modo a compensar as perdas de receitas de Quito.

O presidente Rafael Correa havia realmente acordado em 2007 quanto à proteção desse importante patrimônio biológico mundial. No entanto, essa decisão foi uma surpresa para a comunidade internacional. Principalmente, quando um convite foi feito aos Estados para que colocassem as mãos no bolso. O problema é que a iniciativa batizada de Yasuni-ITT lançada em 2009, jamais levantou os fundos necessários esperados.

No entanto, o país realmente carece de liquidez. Como o menor membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, o Equador viu sua economia “dolarizada” em 2000, após uma grave crise financeira, o que o tornou ainda mais dependente da entrada de moeda estrangeira. De acordo com especialistas, o país não terá mais petróleo dentro de uma década, sem a reserva de Yasuni. Rafael Correa anunciou, há alguns meses, que a economia poderá entrar em colapso se o país não encontrar outros recursos futuros.

Biodiversidade excepcional

As empresas petrolíferas poderão, portanto, acessar em breve uma parte do território da reserva de Yasuní. A área alvo abrange um total de 10.000 km2. Ela está localizada no nordeste do país. Tal área fora designada como Reserva da Biosfera pela UNESCO em 1989, pertencente a um dos 19 locais da “megadiversidade" orgânica mundial.

Os estoques de espécies vegetais e animais também falam por si só. De acordo com os dados científicos relatados por especialistas, o parque abriga mais de 150 espécies de anfíbios, 200 espécies de mamíferos, 250 espécies de peixes e pelo menos 4.000 espécies de plantas com flores e árvores. Muitos desses representantes da fauna e da flora não se encontram em outro lugar do mundo.

O subsolo da região, como é o caso em muitas outras partes do país, contém grandes reservas de hidrocarbonetos. Na verdade, uma avaliação precisa da parte mais cobiçada pelo setor petrolífero, afirma que a reserva contém mais de 850 milhões de barris de ouro negro. O recurso traria bilhões de dólares, contudo, enviaria mais de 400 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera – o equivalente à produção anual da França – e ameaçaria ainda mais os povos indígenas da região.

O anúncio da exploração das reservas amazônicas provocou a ira de várias ONGs defensoras do meio ambiente e associações indígenas, as quais lançaram um procedimento, com a finalidade de convocar uma consulta popular sobre esta questão. Em caso de validação pelo superior tribunal, os promotores da iniciativa deverão garantir o apoio de 5% do eleitorado do país para que um referendo seja realizado. No prazo máximo exigido pela lei para coletar assinaturas.

 

Leia AQUI o desfecho dessa história.

Fonte: Le Devoir 
Publicado no dia: 4 de setembro de 2013 as 16h48 por Alexandre Shields.
Tradução: Matheus Lima.

Natureza tem patamar de sujeito de direitos


É importante mencionar a questão dos recursos naturais no ordenamento jurídico equatoriano, pois pela nova Constituição apresenta-se pela 1ª vez na América uma virada do biocentrismo. (Divulgação)

Sébastien Kiwonghi Bizawu* e Lorena Belo**

É importante resgatar a história dos povos indígenas, mesmo que seja de uma maneira sucinta, para conhecer melhor o seu modo de vida, a relevância de suas relações com a natureza e de sua organização em comunidade. Procura-se, nesse texto, destacar alguns aspectos fundamentais da vida dos povos indígenas ou comunidades tradicionais do Equador.

Quanto a sua organização geopolítica, de acordo com a sua Constituição de 2008, o Equador é um Estado constitucional de direitos e justiça, social, democrático, soberano, independente, unitário, intercultural, plurinacional e laico. É organizado como República e governado de forma descentralizada. A soberania reside no povo, cuja vontade é o fundamento da autoridade e é exercida através dos órgãos do poder público e das formas de participação direta previstas na Constituição.

É importante destacar que a Constituição da República do Equador de 2008 também trouxe inovações no que diz respeito ao reconhecimento da natureza como a razão de ser do povo e do Estado. Tal prestígio pode ser percebido no preâmbulo do texto constitucional, em que a natureza é intitulada Pacha Mama, tendo em vista a decisão de “construir uma nova forma de convivência cidadã, na diversidade e em harmonia com a natureza, para alcançar o bem viver”

É necessário apontar, também, que a questão das terras indígenas, na América Latina, está intrinsecamente ligada à história da colonização, que trouxe indizível sofrimento aos povos tradicionais e comunidades indígenas pela usurpação das riquezas de suas terras, pelos horrores inimagináveis a que foram submetidos.

No caso do Equador, ocorre uma verdadeira simbiose, um binômio ser humano e natureza, quando se trata dos povos indígenas, pois eles fazem parte da natureza e cuidam dela, sendo povos, “depositários de conhecimentos tradicionais sobre as características e o uso da rica diversidade biológica”.

Não há como olvidar os problemas ambientais da Amazônia ao falar do Equador, pois não são apenas problemas dos Estados-membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), mas de interesse mundial, uma vez que as riquezas naturais e diversidade social e cultural da região pan-amazônica têm chamado a atenção e despertado a cobiça de muitas nações e empresas multinacionais. Para cada país da OTCA, a abordagem da região amazônica se faz segundo os critérios ecológico (ou biogeográfico), hidrográfico e político-administrativo, destacando-se os direitos da natureza contidos na Constituição da Equador (2008), partindo dos recursos naturais (hídricos, minerais e biológicos) e das áreas ambientalmente protegidas, com ênfase no patrimônio cultural natural, nas terras indígenas e no meio ambiente.

Assim, observa-se a preocupação do governo equatoriano, considerando a característica da multiculturalidade oriunda de suas populações, para elevar a natureza ao patamar de sujeito de direitos. Todavia, salienta-se da falta de soluções efetivas para vários problemas da região, por exemplo, no âmbito da saúde para os povos indígenas com alto índice de mortalidade infantil; a falta de compartilhamento dos avanços tecnológicos, científicos ou educacionais entre alguns Estados-membros; e a promoção do desenvolvimento sustentável e do crescimento econômico.

Quanto à legislação constitucional e infraconstitucional do Equador, um dos Estados-membros da América do Sul que constituem a Pan-Amazônia, faz-se o levantamento dos  direitos socioambientais que envolvem a região, tendo em vista a importância da proteção e conservação do meio ambiente com base nos objetivos traçados pelo Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), celebrado pelo Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, e pela OTCA.

A preocupação com a preservação e conservação do meio ambiente desde a declaração de Estocolmo (1972) tornou-se uma bandeira global; e não pode ser diferente, quando se trata do cumprimento dos acordos entre os Estados-partes do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA). Em uma época em que se procura despertar a consciência ecológica mundial sobre a necessidade de preservar os recursos naturais e minimizar os riscos do aquecimento global, torna-se imperativo estudar uma série de questões sobre o Equador, relativas à demarcação e à preservação das terras indígenas e reservas de preservação ambiental; às legislações referentes à economia extrativista; à exploração dos recursos biológicos e genéticos; à proteção das águas e à proteção da fauna e flora, especialmente das espécies animais e vegetais ameaçadas.

O Equador, cuja capital é a cidade de Quito, é denominado oficialmente República do Equador. Os espanhóis foram responsáveis pela colonização do país e também “pela dizimação de boa parte da população indígena, seja pelo contágio de doenças, seja pelo extermínio deliberado pelos colonizadores. Trata-se, na realidade, de uma violência baseada no preconceito, uma vez que os indígenas eram vistos como seres inferiores e os espanhóis supervalorizavam a cultura europeia, dando-se o direito de desprezar as crenças dos outros povos.

É importante mencionar a questão dos recursos naturais no ordenamento jurídico equatoriano, pois pela nova Constituição apresenta-se pela primeira vez na América Latina uma virada calcada no biocentrismo. São introduzidos os conceitos de direitos da natureza e direito à sua restauração. Uma nova articulação é gerada com os saberes tradicionais tanto com a natureza como com a Pacha Mama, e oferece ainda um contexto para as políticas e a gestão ambiental baseado na boa vida (sumak kawsay) e em novas estratégias de desenvolvimento, como bem sublinha Gudynas (2009), consoante a Constituição de 2008, a qual estipula que “os recursos naturais não renováveis do território do Estado pertencem a seu patrimônio inalienável, irrenunciável e imprescritível”.

Percebe-se, no entanto, uma preocupação do povo equatoriano não só em restaurar os recursos naturais propriamente ditos, mas também em eliminar ou reduzir as consequências ambientais dos danos causados pela exploração deles. Nesse sentido, pode-se afirmar que essa preocupação com a restauração e reparação de danos à natureza também é uma das maneiras de reconhecimento da Pacha Mama como sujeito de direitos. Conforme o artigo 313 da Constituição do Equador, os recursos naturais são considerados setores estratégicos para o país e, como tais, devem ser administrados, regulados, controlados e geridos pelo Estado.

O artigo 12 da Constituição já consagra a água como um direito fundamental e irrenunciável. Além disso, dispõe que “a água constitui patrimônio nacional estratégico de uso público, inalienável, imprescritível, inembargável e essencial para a vida”. Com relação à exploração dos recursos minerais, o Equador conta com uma lei específica sobre mineração, intitulada Ley de Minería, de 2009. Tal legislação regulamenta o exercício dos direitos soberanos do Estado do Equador para administrar e gerir o setor estratégico da mineração, com a observância dos princípios da sustentabilidade, precaução, prevenção e eficiência.

A lei, a seu turno, estabelece alguns dispositivos sobre a preservação do meio ambiente, tendo em vista os danos que a atividade mineradora pode gerar. Para promover tal preservação, o artigo 78 impõe a obrigação de se efetuarem e apresentarem estudos de impacto ambiental e auditorias ambientais antes do início das atividades de exploração dos recursos minerais.

***Este texto é o quarto da série de nove artigos sobre jurisdição ambiental dos países que compõem a Pan-Amazônia. A versão integral do livro Pan-Amazônia: O ordenamento jurídico na perspectiva das questões socioambientais e da proteção ambiental está disponível gratuitamente no site da Editora Dom Helder. Leia nesta segunda (21) texto de Márcio Luís de Oliveira e Franclim Jorge Sobral de Brito sobre a Guiana.

Leia também:

*Sébastien Kiwonghi Bizawu é mestre e doutor em Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Professor de Direito Internacional na Dom Helder Escola de Direito e pró-reitor do Programa de Pós-Graduação em Direito. Membro do Núcleo Docente Estruturante (NDE) e membro do Grupo de Pesquisa Estratégica sobre a Pan-Amazônia da Dom Helder Escola de Direito.

**Lorena Belo é especialista em Direito Público, graduada em Direito pela Dom Helder Escola de Direito e membro do CEBID-Dom Helder.

Equador deu sinal verde à exploração da reserva de Yasuni.


                 

O parque nacional Yasuni é uma reserva natural rica em biodiversidade, composto por um milhão de hectares de floresta tropical úmida. AP/Dolores Ochoa.

 

   O congresso do Equador autorizou formalmente a exploração de petróleo dentro da reserva amazônica do parque de Yasuni, sobre requerimento do presidente Rafael Correa, apesar da negação de associações indígenas e ecologistas que desejavam um referendo.

   Em um segundo debate, por via de maioria governamental, o congresso equatoriano declarou a exploração petrolífera como interesse nacional. O depósito de petróleo bruto está estimado em 920 milhões de barris. Com 108 votos favoráveis e 25 contra, os membros do parlamento aceitaram o requerimento do presidente em face do desbloqueio constitucional da exploração de recursos naturais.

   “Hoje é um dia histórico, nos estamos construindo um país diferente. Nós asseguramos que estes recursos irão para uma melhoria na qualidade de vida dos equatorianos.” Declarou a vice-presidente do parlamento Macela Aguiñaga.
 
19 bilhões esperados pelo Equador
   As áreas de Ishpingo, Tambococha e Tiputini (ITT), representam 20 % das reservas petrolíferas do Equador – o menor país membro da Opep – situadas na extremidade do parque nacional de Yasuni.
Monitorados pela polícia, os grupos contra e a favor da exploração seguiram o debate com calma, em torno do parlamento, no centro de Quito. Em agosto a principal organização indígena tinha apresentado uma petição ao Tribunal Constitucional em busca de convocar um referendo sobre a exploração de Yasuni.
O Equador espera obter dentro dos próximos anos uma receita adicional de 19 bilhões de dólares, ou 58% do orçamento de 2013, o qual será gasto prioritariamente, segundo o presidente Rafael Correa “na luta contra a pobreza”.

Leia AQUI mais informações sobre a reserva de Yasuni.

Fonte: Le Monde com AFP
Publicada dia 04.10.2013 à 06h53 atualizada:04.10.2013 à 08h57
Tradução: Matheus Lima