Na Argentina crescem sinais de uma guerra pela água


           

Río Ceballos, Argentina, 6 de Dezembro  – Com poucas perspectivas de solução no curto prazo, a província argentina de Córdoba começa a viver o que parece um argumento futurista: falta de água nas torneiras, racionamentos, denúncias entre vizinhos e esperar que chova. O problema se estende por toda a província, mas é mais evidente em sua área mais habitada, a capital de mesmo nome, na zona de Sierras Chicas e o sul de Punilla.

Ali, quando as chuvas escasseiam, baixa o nível das represas que fornecem água. Alguns municípios serranos apelam para ao racionamento, como Río Ceballos, localidade de 30 mil habitantes 30 quilômetros ao norte da capital. A represa do Dique La Quebrada (foto), que a abastece, atingiu seu menor nível histórico, com 13,5 metros abaixo da cota de deságue. A prefeitura estabeleceu cortes programados de fornecimento de 12 horas, duas vezes por semana.

“É algo que se podia esperar”, disse à IPS um dos moradores, Omar Vergara, que tem uma coleção de baldes espalhados pelo quintal de sua casa para coletar água de chuva e usá-la para regar as plantas e limpar o chão. Como outros, lava seu automóvel “só com baldes” e reutiliza a água “menos suja” de sua lavadora e deixa a potável para beber e cozinhar.

Lavar a calçada com mangueira provoca denúncias entre vizinhos. A água é mais cara para consumo maior. Mas, ainda assim não é bem visto, por exemplo, encher as piscinas desta pequena e aprazível cidade, aonde vieram viver muitos antigos moradores da próxima Córdoba, por seu ar puro e melhor qualidade de vida. Uma linha telefônica recebe denúncias de “desperdício de água” 24 horas por dia.

A Cooperativa de Obras e Serviços Río Ceballos distribui a água residencial e também ajuda a conscientizar sobre sua economia. Seu gerente, Miguel Martinesi, disse à IPS que o consumo por pessoa caiu de 270 para 170 litros diários, enquanto na capital da província é de 400 litros por habitante. “Há um controle permanente. Os moradores se vigiam: não regue, não lave o carro, não lave a calçada”, acrescentou.

“Vivemos uma situação de emergência” desde 2005, disse à IPS o intendente (prefeito) de Río Ceballos, Sergio Spicogna, que atribui a crise de água à redução  as chuvas e a um crescimento explosivo da população, após a construção de uma nova rodovia que une o município a Córdoba. Antes, esse dique a apenas sete quilômetros da localidade abastecia também dois municípios vizinhos, Unquillo e Mendiolaza, com 40 mil habitantes em conjunto, “O que tornava muito mais problemática a situação”, acrescentou.

Mas, foi feita um transvase desde a represa que abastece a capital, o Dique San Roque, e desde ali as duas localidades recebem água, mediante o aqueduto de 30 quilômetros, que se planeja estender até Río Ceballos. As autoridades provinciais projetam outras alternativas de abastecimento para a capital de Córdoba, para que o excedente de San Roque flua para Sierras Chicas. Porém, segundo Spicogna, são planos muito caros e dependem de uma “sinergia” entre os municípios, a província e a nação.

Além disso, segundo o diretor da organização ambientalista Projeto de Conservação e Reflorestamento das Serras de Córdoba, Ricardo Suárez, o quebra-cabeça dos transvases não é a solução. “Trazer água do Dique San Roque é um problema, porque, apesar de maior do que o de La Quebrada, também está abaixo de sua cota normal e com uma população para abastecer muito maior, que continuará crescendo”, afirmou. “As obras sempre foram feitas tardiamente, o consumo é muito maior do que as obras que se faz, e a natureza tem um limite”, ressaltou.

Na província de Córdoba, a segunda mais povoada da Argentina, a média anual de chuva é de 779 milímetros e a redução da floreta nativa aumentou a evaporação da água de chuva, por falta de massa florestal que a retenha. Aos poucos, “este sistema semiárido se transformou quase em árido, com a tendência a um deserto. Sabemos muito bem que uma das características do deserto é carecer de água”, alertou Suárez.

Córdoba tem o maior desmatamento da Argentina. Só restam 5% dos 12 milhões de hectares de floresta nativa que a província tinha no começo do século XX. Os incêndios ocorridos entre agosto e setembro devoraram 40 mil hectares, a maioria em florestas e pastagens serranas. “Entre 1998e 2002, se desmatou em Córdoba o equivalente a 67 campos de futebol por dia, um número aterrador”, disse à IPS o presidente da Fundação para a Defesa do Meio Ambiente, Raúl Montenegro.

O fogo e o desmatamento indiscriminado pioraram o funcionamento de suas principais bacias hídricas. “Entraram em colapso as fábricas de água”, resumiu o biólogo. A “aceleração mais violenta” do desmatamento ocorreu na década de 90 e coincidiu com a introdução de cultivos transgênicos de soja, milho e algodão, entre outros, que também impulsionaram o consumo de água, disse Montenegro. “Para produzir um quilo de grão de soja são necessários entre 1.500 e dois mil litros de água, e em terras áridas uma quantidade maior”, acrescentou.

“Muitos acreditam que a maior parte da superfície da província pode dedicar-se a agricultura, pecuária e plantação de árvores estrangeiras, e que os diminutos parques e reservas criados pelos governos são suficientes para conservar nossos ambientes nativos”, afirmou Montenegro. “É dramaticamente falso. Não há futuro nem estabilidade ambiental sem a coexistência equilibrada de ambientes naturais e produtivos”, concluiu Montenegro.

A construção de condomínios, indústrias e grandes complexos turísticos também impulsiona o desmatamento da província, que contribui com 8% do produto bruto argentino. Por isso, para Suárez, a solução é um agressivo plano de reflorestamento e não apenas novas obras. “O Dique La Quebrada vai secar, é irreversível, porque a bacia está desmatada (85%). Os solos estão quase totalmente expostos”, ressaltou.

A organização de Suárez reflorestou, com voluntários e quase sem recursos, 40 hectares de floresta nativa, o que demorou 14 anos. “Se os planos de reflorestamento fossem sistemáticos, hoje a serra seria uma grande floresta nativa”, afirmou.

Martinesi apresenta outras soluções: “Temos que definir quais zonas queremos que cresçam, para poder lhes dar a infraestrutura necessária, e quais não queremos deixar crescer”, afirmou. Do contrário, “o problema será grave” no médio prazo, alertou.

O responsável pelo fornecimento de água para Río Ceballos considera que as mudanças climáticas incidiram na crise hídrica, com prolongadas secas, agravadas pela degradação do ecossistema. “Mas, deveríamos resolver o tema da infraestrutura, ordenar o crescimento, aproveitar bem as fontes, para então poder dizer que estamos complicados pela falta de chuvas. Esperar que uma região cresça dependendo das chuvas é irresponsabilidade”, afirmou. 

Fonte: http://envolverde.com.br/ips/inter-press-service-reportagens/na-argentina-crescem-sinais-de-uma-guerra-pela-agua/

Laísa Mangelli

A guerra agrava a escassez de água no território palestino


A grande cratera recém-aberta por um potente míssil israelense na estrada de Zimmo, uma zona rural ao leste da Faixa de Gaza, quase transbordava de águas fecais ontem pela manhã. Um pelotão de técnicos bombeava o buraco de quase 15 metros de diâmetro com uma potente máquina.

         

A reportagem é de Juan Gómez, publicada no jornal El País, 18-07-2104.

À beira do buraco, o diretor de abastecimento municipal de águas em GazaMaher Salem, explicava a razão de tanto esforço para consertar este destroço aparentemente menor em meio à destruição que espalham os aviões israelenses por Gaza: a água suja vinha de um bueiro e estava se misturando com a água de uso doméstico que chega a 150.000 palestinos. Além de matar 230 palestinos, 77% dos quais eram civis, os 10 dias de bombardeios israelenses deixaram 300.000 pessoas sem água na faixa.

O engenheiro Salem explicava no meio da pestilência que "é normal que os bueiros sejam instalados paralelamente aos canos de água potável", distantes e cada um de um lado das estradas. Assim é mais fácil encontrar avarias ou perdas. O disparo de um míssil no meio de uma estrada rural só tem como objetivo, em sua opinião, "interromper o fornecimento" de água para as casas. Durante esta ofensiva, centenas de milhares de habitantes de Gaza sofrem cortes de águas em suas casas. Salem explica que isso acontece "pela destruição de dois poços de água", inutilizados pelas bombas e pelos bombardeios como o que cortou a passagem da água vinda do poço de Zimmo.

Na Gaza ressuscitada entre dez da manhã e três da tarde pela trégua humanitária, o também engenheiro hidráulicoGhassam Qisawi explicava que "por sorte neste caso, a maioria dos moradores de Gaza recorre à água vendida por empresas privadas". Se não fosse assim, os ataques como o que destroçou o fornecimento em Zimmo "causariam intoxicações massivas" porque os canos danificados continuam transportando durante um tempo a água ainda misturada com a que sai dos bueiros destruídos. A mistura hedionda que se formava na grande cratera chegou a dezenas de milhares de torneiras. A "sorte" da qual fala Qisawi com ironia deve-se, na verdade, a outro desastre. Os vizinhos da faixa compram água potável de "umas cem empresas privadas" que a dessalinizam e purificam.

Mesmo nos piores momentos da ofensiva podem ser vistos nas ruas da cidade caminhões pipa prateados que se encarregam do fornecimento privado. Qisawi é proprietário de uma destas empresas dessalinizadoras, chamadaMaashrow Aamer Desalination. Diz que a qualidade da água que ele e seus concorrentes vendem "é boa", embora "não chegue aos padrões da água que pode ser encontrada em Israel ou na Europa". Como seu colega Salem, está convencido de que o fornecimento de água é um objetivo militar israelense: "Se não soubessem que os canos estão debaixo da terra, por que iam jogar um caríssimo míssil de duas toneladas sobre uma estrada rural?"

Os cortes de eletricidade agravam a escassez de água porque impedem a dessalinização e o bombeamento. A engenheira canadense Sara Badiei, que trabalha para a Cruz Vermelha, explica que as emergências de água durante as guerras significam "um grande desafio". Badiei calculava que as cinco horas de trégua "não serão suficientes nem para começar a resolver" o problema de Zimmo.

Enquanto Qisawi contava que na Gaza cercada por Israel "a água da torneira é quase venenosa mesmo em tempo de paz", um familiar informou que acabavam de bombardear sua horta. Com gesto indiferente, continuou: "A água aqui tem até 10.000 miligramas de cloro por litro." O máximo recomendado são 200 miligramas por litro. A concentração de nitratos está 1.000% acima do recomendado. O nível de dureza multiplica por 20 o considerado potável. Os moradores de Gaza gostam muito de usar especiarias e sal na comida. Isso dá sede. Mas a água da torneira, dura e oleosa, só serve para lavar os dentes.

Fonte: IHU 

Secretário-geral da ONU: ‘Guerra contra a natureza precisa terminar’


Guterres disse que promessas não são suficientes. (ONU/Jean-Marc Ferré)

O mundo precisa parar uma “guerra contra a natureza” e encontrar mais vontade política para combater as mudanças climáticas, disse o secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, neste domingo (1º), às vésperas da cúpula mundial de duas semanas sobre o clima em Madri.

Em todo o mundo, condições climáticas extremas, causando de incêndios florestais a inundações, estão relacionadas com o aquecimento global causado pelo homem, o que exerce pressão sobre a cúpula para reforçar a aplicação do Acordo de Paris de 2015 sobre a limitação do aumento das temperaturas.

“Nossa guerra contra a natureza deve terminar, e sabemos que é possível”, disse Guterres antes da cúpula, que vai de 2 a 13 de dezembro.

“Nós apenas temos que parar de cavar e perfurar e aproveitar as enormes possibilidades oferecidas pelas energias renováveis e as soluções baseadas na natureza”.

Reduções nas emissões de gases estufa que foram acordadas até o momento no Acordo de Paris não são suficientes para limitar o aumento da temperatura em uma meta entre 1,5 e 2 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais.

Muitos países nem cumprem esses compromissos, e falta vontade política, disse Guterres.

O presidente Donald Trump começou a retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, enquanto o desmatamento da bacia amazônica está acelerando, e a China se inclinou para o construção de mais usinas a carvão.

Setenta países se comprometeram a atingir uma meta de “neutralidade de carbono” ou “neutralidade climática” até 2050.

Isso significa que eles equilibrariam as emissões de gases de efeito estufa, por exemplo, usando tecnologia de sequestro de carbono ou plantio de árvores.

Mas Guterres disse que essas promessas não são suficientes.

“Também vemos claramente que os maiores emissores do mundo, eles não estão fazendo sua parte”, disse ele.

“E, sem eles, nosso objetivo é inatingível.”

Reuters