Ecossistema da Amazônia tem mais valor que hidrelétricas e mineração


Águas do Rio Xingu liberadas da comporta da casa de força auxiliar no Sítio Pimental da usina hidrelétrica de Belo Monte. (DANIEL TEIXEIRA / ESTADÃO CONTEÚDO)

Patrícia Azevedo

Neste mês, a usina hidrelétrica de Belo Monte alcançou um total de 10.621,97 megawatts (MW) de potência instalada com o início da operação comercial de uma nova unidade geradora (UG). Quando totalmente concluída, contará com 24 UGs e capacidade instalada de 11.233,1 (MW). Será a maior hidrelétrica 100% brasileira e a terceira maior do mundo, perdendo apenas para a chinesa Três Gargantas e para a brasileiro-paraguaia Itaipu. O empreendimento de R$ 42 bilhões, no entanto, descumpre uma de suas principais promessas – o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Entre as queixas da população local estão o aumento do custo de vida e da energia elétrica, piora dos sistemas de habitação, água e saneamento, e a diminuição da produção de alimentos e da pesca.

“A reflexão que se deve fazer é por que necessitamos de usinas hidrelétricas na região? Considerando as fontes alternativas, os grandes potenciais do país estão praticamente todos na Amazônia. No entanto, apenas a eólica aparece na nossa matriz energética com alguma contribuição, mesmo assim com limitações de ser considerada como fonte complementar”, aponta o professor José Cláudio Junqueira, da Dom Helder Escola de Direito. Nesta terça-feira (29), ele coordenará a apresentação de trabalhos científicos relacionados ao tema Biotecnologia, populações tradicionais, mineração, hidrelétricas e terras indígenas na 4ª Semana de Estudos Amazônicos (Semea).

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Engenheiro civil por formação, José Cláudio possui especialização e mestrado em engenharia sanitária, e doutorado em saneamento, meio ambiente e recursos hídricos. Foi pesquisador pleno e presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais (Feam-MG) por três mandatos. Tem ampla experiência em sistemas de gestão ambiental, avaliação de impacto, licenciamento e normalização. “O projeto de Belo Monte era um projeto antigo, que foi modificado ao longo do tempo para não inundar a volta do Xingu – curva de 180º do rio Xingu – área muito importante para as comunidades indígenas da região. Apesar desse ganho, o licenciamento ambiental da usina foi bastante tumultuado, tendo a implantação sido interrompida várias vezes pelo judiciário, que só postergou a obra”, afirma.

De acordo com o professor, a visão antagônica das partes interessadas, sem maior participação mediada, as lacunas nos estudos ambientais e a pressão política para agilização do processo de licenciamento só geraram o acirramento dos ânimos, inclusive com conflitos entre operários e comunidades indígenas. “É claro que a implantação de uma hidrelétrica impacta o bioma da região, seja ele floresta amazônica, cerrado ou qualquer outro. Inicialmente porque, para a formação do reservatório, há que se desmatar a área. No caso de Belo Monte, esse impacto foi minimizado porque a técnica utilizada foi a de usina a fio d’água, que exige menores áreas de inundação”, explica.

Professor José Cláudio Junqueira, da Dom Helder

Professor José Cláudio Junqueira, da Dom HelderDessa forma, na construção da usina, optou-se por dois reservatórios interligados por um canal de derivação, com 20 km de extensão. O reservatório principal, formado no rio Xingu, conta com 359 km². Já o reservatório intermediário, com 119 km², foi estruturado por 28 diques e canais de transposição. “Todavia, a casa de força foi localizada bem distante, mais de 10 km, o que gerou outro impacto: a vazão reduzida na volta do Xingu, restringindo atividades como pesca e navegação nesse trecho”, informa José Cláudio. Em entrevista ao DomTotal, o professor prossegue o debate e aborda os outros temas que estarão em pauta na tarde desta terça-feira (29), como biotecnologia e mineração.

O senhor comentou acima que o licenciamento ambiental da usina foi bastante tumultuado. No fim das contas, ele ficou de acordo com a legislação?

Se a usina de Belo Monte está de acordo com a legislação? Depende de como a legislação está sendo interpretada. Formalmente sim, porque as liminares foram cassadas, a obra se implantou e a Licença de Operação (LO) está válida. A reflexão que se deve fazer é por que necessitamos de usinas hidrelétricas na região? Enquanto isso, a demanda de consumo só aumenta. Nosso estilo de vida é “eletro intensivo”, a começar pelas nossas edificações “modernas” que só funcionam com luzes acesas e ar condicionado, sem contar a variedade de equipamentos eletroeletrônicos do nosso cotidiano. Será que alguém já fez a conta do gasto energético para carregar diuturnamente os mais de 200 milhões de celulares no país?

Além das hidrelétricas, a mineração é outra ameaça ao ecossistema amazônico. Como minimizar os impactos ambientais e os prejuízos para a população local?

A implantação de obras para hidrelétricas e mineração possui impactos ambientais significativos, potencializados pela abrangência das áreas necessárias para a implantação e operação desses empreendimentos, que normalmente são extensas, denominadas áreas diretas de impacto e, ainda, pelas áreas impactadas indiretamente. Isso se traduz em elevados impactos nas populações existentes nessas áreas. No caso de povos indígenas e tradicionais, a complexidade aumenta, pois, são comunidades com cultura e estilo de vida diferenciados.

Para tanto, a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) deveria se aprofundar no conhecimento das relações existentes e prognosticar como se dariam as novas relações, a partir da implantação e operação do empreendimento. Para os impactos nessas relações, propor as medidas mitigadoras capazes de minimizar os efeitos negativos e as medidas compensatórias nos casos em que haveria incompatibilidade de mantê-las. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) deveria aprofundar essa questão e ser capaz de apontá-la com clareza e objetividade para subsidiar a tomada de decisão.

Seria muito importante a participação das comunidades atingidas para a tomada de decisão, o que ainda não ocorre no Brasil. As audiências públicas no país são realizadas quando a decisão já está tomada. Esses foros têm sido importantes apenas para acomodação de insatisfações pontuais. Nesse sentido, as relações têm sido conflituosas com alto grau de judicialização.

Como está atualmente a exploração do subsolo na região?

O grande projeto de mineração na Amazônia é Carajás, da Vale, que já está consolidado, com tecnologia de beneficiamento a seco, que dispensa a construção de barragens de rejeitos, com grande área de preservação, protegida das invasões. A grande questão é o potencial mineral existente na Amazônia que desperta grande cobiça, inclusive internacionalmente.

Constitucionalmente, o subsolo é da União, sendo os proprietários da terra denominados superficiários. Se isso vale para todos brasileiros, há que valer para todas comunidades em solo pátrio. Todavia, a exploração dessas riquezas do subsolo deveria ser confrontada com os valores dos serviços ecossistêmicos prestados pela floresta. Se esses serviços beneficiam brasileiros e estrangeiros, todos deveriam pagar pelos mesmos.

De toda forma, se a decisão for explorar essas riquezas minerais, que seja pelo menos subsidiada por uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) com participação da população na tomada de decisão. E não apenas das populações tradicionais, mas de todo brasileiro. O subsolo da Amazônia não pertence apenas à população da região.

Por fim, a biotecnologia. Quais os benefícios ela pode trazer?

A biotecnologia, como os novos materiais, são a chave do futuro. A Idade da Pedra não acabou porque as pedras se esgotaram. Muitos minerais de grande utilização na atualidade não o serão no futuro. A transformação de materiais pela biotecnologia, inclusive a digestão de resíduos por bactérias gerando novas substâncias, é uma grande expectativa. Na minha opinião, a floresta amazônica encerra muito mais riqueza em si do que as jazidas sob suas raízes. Demonstrar isso em números é o nosso grande desafio.

Dom Total