Legislação brasileira é positiva mas pouco efetiva


É fundamental que se estude os recursos hídricos, minerais, biológicos, áreas ambientalmente protegidas, patrimônio cultural material, terras indígenas e aspectos da política e gestão (REUTERS/Bruno Kelly)

Élcio Nacur Rezende*

A Amazônia é a maior floresta tropical e bacia hidrográfica do mundo, com área aproximada de 8 milhões de quilômetros quadrados distribuídos entre nove países,  devendo-se ressaltar que tem área equivalente a 60% da superfície da América Latina.

O Brasil, sem dúvida, é a maior nação que faz parte desta importante região que possui riquezas enormes e, em pleno século 21, guarda segredos minerais, hídricos e biológicos de valor incalculável.

Não obstante, as indiscutíveis riquezas da região, a mesma é carecedora de toda sorte de recursos, possuindo baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e baixa ocupação demográfica, além de ser vítima de enorme degradação ambiental.

Outro sério problema que se apresenta atualmente é a baixa integração entre os nove países, o que dificulta, sobremaneira, o combate a todos os comportamentos prejudiciais à região, que vão desde o tráfico internacional de drogas até a devastação ambiental, tema este que nos interessa em particular.

Vale ressaltar, contudo, a existência da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), organismo internacional criado para a integração dos países e cujos resultados ainda não podem ser louvados. A OTCA, como organismo internacional, tem por objeto, dentre outros, estipular os procedimentos de concretização do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), e o faz por intermédio de sua Secretaria Permanente (SP). Ademais, a dinâmica da execução de suas decisões também está sob os cuidados da SP, o que possibilita uma sinergia capaz de auferir bons resultados na tutela ambiental.

A Constituição Federal do Brasil dispõe em seus artigos 5º, LXXIII; 20; 23, VI; 24, VI, VII, VIII; 129, III; 220 § 3º, II; 170, VI; 186, II e, sobretudo, no 225; uma enorme preocupação do legislador constituinte com o meio ambiente, sem, contudo, externar uma demonstração cabal que a Amazônia brasileira merece atenção especial.

O Brasil detém em seu território a maior parte da região amazônica e, portanto, tem a responsabilidade da preservação ambiental de uma das regiões mais ricas do mundo que, em verdade, ainda não se sabe mensurar o tamanho de tal riqueza.

Embora o ordenamento jurídico brasileiro venha cada vez mais se preocupando em demonstrar interesse pela tutela ambiental amazônica, lamentavelmente, observa-se que a região continua a ser degradada.

É fundamental que se estude os recursos hídricos, os recursos minerais, os recursos biológicos, as áreas ambientalmente protegidas, o patrimônio cultural material, as terras indígenas e todos os aspectos da política e gestão ambiental da Amazônia para que se possa, atentos à soberania nacional, conhecermos a riqueza brasileira e, por consequência, possamos protegê-la no interesse dos que agora habitam o planeta, bem como para as futuras gerações.

Podemos destacar várias características da Amazônia brasileira, uma vez que possui 4.196.943 milhões de quilômetros quadrados, sendo o maior bioma brasileiro. Neste território constata-se, aproximadamente, 2,5 mil espécies de árvores e cerca de 30 mil espécies de plantas. O clima da Amazônia é equatorial, com médias anuais de temperatura entre 22 e 28 graus, umidade do ar que pode ultrapassar 80% e o índice pluviométrico varia entre 1.400mm a 3.500mm por ano.

O relevo amazônico é formado de planície de inundação (várzeas), planalto amazônico e escudos cristalinos. Na maioria dos casos, não apresenta altitudes acima de 200 metros. A floresta amazônica abriga inúmeras espécies de animais, dos quais destacamos: anta, preguiça, ariranha, suçuarana, arara-vermelha, tucano, morcego, tamanduá, cateto, cachorro-vinagre, gato-maracajá, macaco-aranha, macaco-barrigudo, irara, jaguatirica, jaguarundi, jacaré-açu, onça-pintada, peixe-boi, enguias, piranha, pirarucu, sucuri, bugio, boto cor-de-rosa, dentre outros.

Conclui-se, pois, que muito mais importante que a construção de normas jurídicas que tenham por objeto a tutela ambiental da Amazônia se faz necessário, inexoravelmente, que as normas jurídicas tenham efetividade no momento da aplicação das sanções civis, penais e administrativas aqueles que, inescrupulosamente, deterioram um patrimônio natural gigantesco.

* Este texto é o segundo da série de nove artigos sobre jurisdição ambiental dos países que compõem a Pan-Amazônia. A versão integral do livro Pan-Amazônia: O ordenamento jurídico na perspectiva das questões socioambientais e da proteção ambiental está disponível gratuitamente no site da Editora Dom Helder. Leia amanhã texto de Ana Virgínia Gabrich sobre a Colômbia.

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*Elcio Nacur Rezende é pós-doutor, doutor e mestre em Direito, professor do Programa de Pós-Graduação (mestrado e doutorado) da Dom Helder Escola de Direito.

Legislação esbarra em problemas estruturais


A Guiana veio aderindo a práticas socioeconômicas focadas no crescimento e na sustentabilidade (Jody Amiet/AFP)

Márcio Luís de Oliveira* e Franclim Jorge Sobral de Brito**

A República Cooperativa da Guiana – antiga Guiana Inglesa – tem demonstrado forte intenção de alteração de sua política de desenvolvimento, não só para se inserir no contexto econômico internacional, mas também para adotar critérios de sustentabilidade socioeconômica, ambiental e orçamentário-financeira, posto que integra a região da América do Sul conhecida como Amazônia Internacional.

Mudanças no sistema constitucional e na legislação infraconstitucional, ocorridas no final dos anos de 1990 e início dos anos de 2000, fizeram com que o país se ajustasse a padrões internacionais de desenvolvimento, tornando-se, progressivamente, mais eficaz nos setores econômico e ambiental, ainda que conviva com diversos problemas socioeconômicos e ambientais. Contudo, a Guiana tem expressado real interesse e disposição para superá-los num prazo programado de 50 anos, nos quais se inserirá no que se pode chamar de “economia verde”.

Em sua história, o país tem vasta experiência na elaboração e adoção de programas de governo, uma vez que já foi adepto do socialismo de economia planificada pelo Estado. Desde o seu processo de abertura econômica e política, iniciado em 1989, a Guiana veio aderindo a práticas socioeconômicas focadas no crescimento e na sustentabilidade. Nesse período de três décadas, foram superadas grandes dificuldades. Portanto, o esforço concentrado de suas autoridades e de seu povo tem permitido que o país efetivamente integre o rol de nações em franco processo de desenvolvimento, a partir do início dos anos 2000.

Apesar de seus esforços, a economia do país ainda é muito concentrada nas atividades agropecuárias e sua indústria permanece fortemente lastreada na atividade extrativista, com pouca diversificação da produção industrial. Paralelamente, as populações locais ficam sujeitas à submissão de interesses econômicos escusos internos e externos, o que se agrava no interior, uma vez que a Guiana apresenta baixa densidade demográfica, sobretudo na região de florestas, que cobre 80% do seu território.

Ademais, a Guiana possui nove identidades ameríndias que se encontram espalhadas em seu território, inclusive nas regiões de floresta mais densa. Essa população, apesar de organizada e de ser destinatária de legislação que protege sua cultura e sua subsistência, sofre com pressões internas e externas de exploração na região. E, como tem acontecido em todo o continente latino-americano, a legislação tem baixa eficácia social como consequência da ausência de políticas públicas que as tornem efetivas.

Nesse sentido, reforça-se a necessidade de sinergia entre todos os Estados e povos da Amazônia Internacional para a urgência na adoção de políticas públicas efetivas de proteção, preservação e desenvolvimento sustentável de suas riquezas naturais e de melhoria das condições socioeconômicas de seus habitantes.

No atual cenário de globalização de mercado, a formação de uma cultura comum de proteção e de promoção conjunta entre os povos da Amazônia Internacional permanece substancialmente enfraquecida, o que dificulta o trabalho solidário e compartilhado de seus Estados e povos em prol da realização dos seus interesses comuns. Logo, o trabalho acadêmico, aliado às políticas de governo e à conscientização da sociedade civil pode em muito contribuir para a formação e a afirmação da identidade amazônica internacional a partir do fortalecimento da proteção das culturas dos povos originários e do meio ambiente local em cada Estado da região.

*** Este texto é o quinto da série de nove artigos sobre jurisdição ambiental dos países que compõem a Pan-Amazônia. A versão integral do livro Pan-Amazônia: O ordenamento jurídico na perspectiva das questões socioambientais e da proteção ambiental está disponível gratuitamente no site da Editora Dom Helder. Leia amanhã texto de André de Paiva Toledo sobre a Guiana Francesa.

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*Doutor e mestre em Direito (UFMG); aperfeiçoamento em Direito Internacional Público e Privado (Países Baixos); professor da Dom Helder Escola de Dieito; professor da Faculdade de Direito da UFMG; professor-visitante na Universidad Complutense de Madrid (Espanha); professor-colaborador na The Hague University of Applied Sciences (Países Baixos); consultor-geral da Consultoria Técnico-Legislativa do Governo de Minas Gerais.

**Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Mestre em Direito, graduado em Direito e em Filosofia. Coordenador da graduação de Direito Integral da Dom Helder escola de Direito e reitor da Escola de Engenharia de Minas Gerais (EMGE).