Extração de minério no Atlântico – Entrevista especial com Carlos Bittencourt


“Em princípio não há nenhuma demanda da sociedade brasileira para este tipo de atividade. Os interesses nesse ramo estão ligados a grandes grupos internacionais, tanto mineradoras quanto empresas que fabricam máquinas para o setor. Trata-se, portanto, da busca de maior lucratividade para essas empresas”, adverte o pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase.
Foto: marsemfim.com.br

Com o lançamento das bases para a extração de minérios no fundo do mar, em 2013, pela Autoridade Internacional do Leito Oceânico, órgão da ONU responsável pelo controle da mineração nos oceanos, o Brasil pediu autorização para iniciar pesquisas relativas à extração no subsolo do Oceano Atlântico. De acordo com Carlos Bittencourt, em entrevista concedida à IHU On-Line, por email, o Serviço Geológico do Brasil – CPRM “conseguiu autorização para pesquisar e explorar uma área de três mil quilômetros quadrados em águas internacionais. Trata-se de uma região conhecida como Elevação do Rio Grande, localizada a 1,5 mil quilômetros da costa do estado do Rio de Janeiro”.

As extrações de minério no subsolo dos oceanos estão previstas para iniciar em 2016, mas, por enquanto, “as informações sobre os verdadeiros potenciais dessa área ainda são limitadas e encontram-se sob controle do CPRM”. Nos últimos quatro anos, o Brasil já investiu R$ 60 milhões em pesquisas no Atlântico Sul e para este ano estão previstos mais de R$ 20 milhões. Bittencourt explica que “um dos interesses mais importantes nesse novo ramo são as terras raras, minerais de alto valor no mercado. Sabe-se que pode haver terras raras nessa região que o Brasil pretende explorar. Trata-se de um complexo de montanhas de até 3.200 metros de rochas continentais, em uma profundidade de 4.200 metros”.

Entretanto, pontua, “ainda há muita incerteza sobre isso. Não há atualmente em curso mineração de grande escala sendo realizada. É uma fronteira muito nova e o desconhecido ainda prepondera. A pesquisa feita em 2013, daElevação do Rio Grande, foi feita por um submarino japonês. Apesar dos investimentos no setor, acredito que o Brasilainda não detenha as condições para realizar este tipo de mineração”.

Carlos Bittencourt é historiador e pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase.

Confira a entrevista.

Foto: mundogeo.com

IHU On-Line – Em que consiste a permissão que o Brasil obteve da ONU para explorar minério em fundo do oceano Atlântico?

Carlos Bittencourt – Em 2013, a Autoridade Internacional do Leito Oceânico (ISA, na sigla em inglês), o órgão da ONU que controla a mineração nos oceanos, realizou um estudo técnico no qual lançava as bases para o início da mineração no fundo do mar. O estudo prevê que em 2016 já seria possível iniciar os processos de extração de uma grande gama de minerais do subsolo dos oceanos.

Diante disso, diversos países já iniciaram os pedidos de pesquisa à entidade. O Brasil está entre estes países. OServiço Geológico do Brasil – CPRM conseguiu autorização para pesquisar e explorar uma área de três mil quilômetros quadrados em águas internacionais. Trata-se de uma região conhecida como Elevação do Rio Grande, localizada a 1,5 mil quilômetros da costa do estado do Rio de Janeiro.

Como se trata de área internacional e de atividade de fronteira tecnológica, com riscos significativos, reconhecidos pelo estudo elaborado pela ISA, a regulação será feita pelo órgão internacional.

“Possivelmente, a variedade de minérios existentes no oceano seja tão extensa quanto a que existe no subsolo de nosso continente.”

IHU On-Line – De acordo com a imprensa, o país terá o direito de atuar por 15 anos em uma área de três mil quilômetros quadrados na região do Atlântico conhecida como Elevação do Rio Grande, localizada a cerca de 1,5 mil km do Rio de Janeiro. Quais são as características dessa região em relação a minérios?

Carlos Bittencourt – As informações sobre os verdadeiros potenciais dessa área ainda são limitadas e encontram-se sob controle do CPRM. Houve investimento específico do Plano de Aceleração do Crescimentorelacionado com o desenvolvimento dessa pesquisa, e o Brasil vem buscando construir parcerias com outros países para aprofundar esseKnow-how. Nos últimos quatro anos foram investidos cerca de R$ 60 milhões em pesquisas no Atlântico Sul. Para este ano estão previstos mais de R$ 20 milhões.

Um dos interesses mais importantes nesse novo ramo são as terras raras, minerais de alto valor no mercado. Sabe-se que pode haver terras raras nessa região que o Brasil pretende explorar. Trata-se de um complexo de montanhas de até 3.200 metros de rochas continentais, em uma profundidade de 4.200 metros.

IHU On-Line – Como será feito o processo de mineração submarina no país? Já é possível estimar quais são os órgãos e empresas envolvidos neste processo?

Carlos Bittencourt – Ainda há muita incerteza sobre isso. Não há atualmente em curso mineração de grande escala sendo realizada. É uma fronteira muito nova e o desconhecido ainda prepondera. A pesquisa feita em 2013, daElevação do Rio Grande, foi feita por um submarino japonês. Apesar dos investimentos no setor, acredito que o Brasil ainda não detenha as condições para realizar este tipo de mineração.

Na minha opinião, é necessário iniciar todo um processo de regulamentação da atividade. Portanto, a primeira iniciativa a ser tomada é a construção de um debate público sobre o tema. A sociedade brasileira deve ser convidada a decidir sobre a necessidade ou não de mergulharmos nessa arriscada empreitada. Em seguida, deve haver um processo de regulamentação dos resultados desse debate, através de legislação própria, especialmente relativa às questões ambientais.

IHU On-Line – O Brasil já desenvolve mineração submarina? Como e em que consiste esse processo de extração? Pode nos dar alguns exemplos de países que atuam nessa área?

Carlos Bittencourt – Não, o Brasil ainda não desenvolve essa prática. Não sou especialista nesta questão, mas, pelo que tenho lido, trata-se da retirada de nódulos de rocha do fundo do oceano para serem beneficiados, separando os minérios dos rejeitos, na superfície.

O primeiro e, até agora, único país que assinou com uma empresa um contrato para o início da extração de minérios do fundo do mar foi a Papua Nova Guiné. O projeto visa extrair minérios de cobre, ouro e outros metais valiosos a partir de uma profundidade de 1.500 metros, em parceria com uma empresa canadense.

A mina "Solwara-1" será escavada por máquinas robóticas controladas por um navio. A maior máquina, um cortador de massa pesando 310 toneladas, foi finalizada em abril deste ano. O plano consiste em romper a camada superior do fundo do mar de modo que o minério possa ser bombeado para cima como uma lama. A extração está prevista para começar em 2019.

“A sociedade brasileira deve ser convidada a decidir sobre a necessidade ou não de mergulharmos nessa arriscada empreitada.”

IHU On-Line – Quais os interesses do Brasil com esse tipo de extração? Que minérios se pretende encontrar no oceano Atlântico?

Carlos Bittencourt – Em princípio não há nenhuma demanda da sociedade brasileira para este tipo de atividade. Os interesses nesse ramo estão ligados a grandes grupos internacionais, tanto mineradoras quanto empresas que fabricam máquinas para o setor. Trata-se, portanto, da busca de maior lucratividade para essas empresas.

Possivelmente, a variedade de minérios existentes no oceano seja tão extensa quanto a que existe no subsolo de nosso continente.

IHU On-Line – Quais são as vantagens econômicas desse tipo de extração para o Brasil?

Carlos Bittencourt – Em princípio, pesando os custos, os riscos e os possíveis benefícios, eu não consigo ver qualquer vantagem. No momento em que vários países do mundo avançam no sentido de impor limites à atividade extrativa mineral por conta de seus graves impactos socioambientais; quando, mesmo no Brasil, a sociedade civil cada vez mais busca discutir maneiras de melhor planejar e controlar o setor, me parece que abrir uma nova e tão controversa fronteira não traz vantagem alguma.

IHU On-Line – Há implicações ambientais nesse tipo de extração submarina de minérios?

Carlos Bittencourt – Claro que há. Trata-se de revolver o fundo dos oceanos, de destruir a superfície dos fundos dos mares afetando um conjunto de ecossistemas frágeis e pouco estudados, como complexos de corais, fluxos de águas hidrotermais e ainda toda uma gama de espécies marinhas que ali vivem. Mas como tanto o fundo do mar quanto as tecnologias para explorá-lo são bastante desconhecidos, é preciso aplicar o princípio da precaução e impedir a realização destes empreendimentos, pelo menos até que se tenha clareza sobre seus possíveis impactos, o que pode demorar muito tempo.

 

MP questiona licenciamento ambiental fragmentado para complexo de Grão Mogol


Ação Civil Pública pede que o processo seja analisado em conjunto. Ibama tinha esse entendimento, mas mudou de posição

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o Ministério Público Federal (MPF) ajuizaram Ação Civil Pública (ACP) questionando a fragmentação do licenciamento ambiental do projeto bloco 8, da empresa Sul Americana Metais (SAM), que engloba extração mineral em Grão Mogol (Norte), mineroduto Minas-Bahia e escoamento portuário da produção na Bahia. Uma parte do licenciamento ficou a cargo do Estado de Minas Gerais, e a outra, sob responsabilidade do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama).

A ação pede que o processo fique concentrado no Ibama, que de 2010 até 2018, entedia ser o órgão ambiental responsável pelo licenciamento global do empreendimento. Entretanto, em 2019, mudou o posicionamento, aceitando ficar apenas com a parte relacionada ao mineroduto. Para conseguir o fracionamento do processo, a mineradora SAM teria criado a empresa Lótus Logística. Para o Ministério Público, o que ocorreu foi uma manobra para burlar legislação estadual e federal.

Entenda o caso

Há aproximadamente 10 anos a SAM busca o licenciamento do complexo minerário, com instalação proposta para Grão Mogol. Contudo, o projeto, segundo a ACP, vem sendo questionado pela população, tanto em relação ao local da instalação, situado em área de conflitos pela escassez de recursos hídricos, como pelos impactos ambientais negativos, pois lá seria instalada uma das maiores barragens de rejeitos do estado ou até do país.

Por contemplar o mineroduto Minas-Bahia, envolvendo dois estados, o primeiro pedido de licenciamento do complexo minerário foi apresentado ao Ibama, em 2010. Já nessa época, de acordo com os representantes do Ministério Público, a preocupação era de que o pedido fosse analisado de forma global, evitando-se o fracionamento, pois, ao se analisar integralmente o caso, seria possível considerar, não apenas os impactos diretos e indiretos da produção mineral, mas também a parte do escoamento via mineroduto.

Diante disso, o Ibama unificou todo o empreendimento para que o licenciamento, tanto do complexo minerário em Grão Mogol, quanto o mineroduto Minas-Bahia e o escoamento da produção na Bahia, fosse analisado em conjunto. Em 2016, após a apresentação do estudo ambiental, o Ibama opinou pela inviabilidade do empreendimento, diante dos impactos negativos relacionados aos recursos hídricos, a qualidade do ar e o volume de rejeitos. E mesmo depois do pedido de reconsideração feito pela empresa, o Ibama manteve a negativa.

Em 2017, a mineradora entrou com novo pedido de licenciamento ao Ibama, mas apenas para a parte relativa ao mineroduto. E pediu que o complexo minerário em Grão Mogol fosse analisado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Minas Gerais (Semad). No entanto, o Ibama indeferiu o pedido de desmembramento do processo por entender que se tratava de uma tentativa de fracionamento indevido do licenciamento.

Foi então que a mineradora, em abril de 2018, pediu o licenciamento apenas do complexo minerário em Minas e excluiu a parte do mineroduto. Entretanto, em reunião com o Ministério Público, em agosto de 2018, a empresa disse que a parte em Grão Mogol funcionaria em conjunto com o mineroduto. Mas o licenciamento dele ficaria com a Lótus Logística. Com isso, segundo a ACP, estaria confirmada a fragmentação do empreendimento para fins de licenciamento, contrariando parecer do Ibama.

“Não se tratam de empresas distintas a empreenderem atividades com ligação ocasional, mas de empresas que compõem o mesmo grupo, controladora e controlada, atuando conjuntamente como se um único empreendedor fosse, na execução das atividades interdependentes do mesmo empreendimento que o grupo visa explorar, dando ensejo, inclusive, para tanto, ao fracionamento do procedimento de licenciamento ambiental, que deveria ser, novamente, analisado de modo global pelo Ibama”, afirmam os representantes do Ministério Público.

Diante dessa manobra, o Ministério Público enviou Recomendação ao órgão licenciador de Minas Gerais para que fosse indeferido o pedido da mineradora. Mas a orientação não foi acatada. Na época, o Ibama também comunicou à Lótus o encerramento do processo em razão do fracionamento indevido e, ainda, manteve o entendimento de que o mineroduto e o complexo minerário deveriam ser licenciados conjuntamente. Porém, em 2019, o Ibama mudou o posicionamento e autorizou o licenciamento fragmentado do empreendimento.

Na ACP, o Ministério Público pede que o processo de licenciamento do complexo minerário, do mineroduto e do escoamento portuário seja analisado de forma global pelo Ibama, e que as empresas SAM e Lótus sejam proibidas de apresentar novos pedidos de licenciamento fracionado.

MPMG/Dom Total

Exportação de minério


Exportação de minério e a opção brasileira pela crise permanente. Entrevista especial com Bruno Milanez

 

“Nossa sociedade precisa de minérios, mas uma condição para aproximar a extração mineral de algo que possa ser chamado de ‘desenvolvimento sustentável’ é repensar a escala, os métodos e os ritmos de extração, assim como o uso e o desperdício desses recursos”, afirma o engenheiro.

 

Foto: inesc.org.br
 

“Essa ‘crise’ da qual se fala agora não é uma exceção, mas a regra”, diz Bruno Milanez à IHU On-Line, ao relacionar a crise econômica brasileira com a dependência que o país tem da exportação de commodities em geral, especialmente do minério.

 

“Uma economia, nacional ou local, que apresenta elevada dependência da extração de recursos minerais tende a ficar mais exposta a essas variações, o que compromete o seu desenvolvimento econômico”, adverte.

Segundo ele, são recorrentes os estudos que demonstram a fragilidade dos países que têm uma economia “altamente dependente de recursos naturais”, os quais “têm uma taxa de crescimento inferior àqueles que se especializam em bens manufaturados”.

Crítico ao novo Código da Mineração e um dos defensores de se reavaliar o plano brasileiro de ampliação dos investimentos em mineração, Milanez apresenta e expõe, na entrevista a seguir, concedida por e-mail, os principais resultados do relatório O Novo Código da Mineração: convergências e divergências, que ele elaborou em conjunto com Sabrina de Oliveira Castro, graduanda em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF.

“Em nosso relatório foi possível perceber certa discordância em relação à forma como a proposta de código foi encaminhada pelo Executivo e vem, agora, sendo discutida na Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Há uma percepção, principalmente, entre os movimentos sociais e os sindicatos, de que as sugestões encaminhadas não são incorporadas de fato. Além disso, todos os segmentos que participaram da pesquisa mostraram que o aprofundamento do modelo minerador não é desejável para a economia do Brasil, sendo necessário romper com tal modelo e criar novas estratégias de desenvolvimento local e inserção internacional”, informa.

Bruno Milanez (foto abaixo) é graduado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mestre em Engenharia Urbana pela Universidade Federal de São Carlos e doutor em Política Ambiental pela Lincoln University. Leciona na Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF.

Confira a entrevista.

 

Foto: Portal Envolverde
 

IHU On-Line – Em que consiste seu relatório sobre o Novo Código da Mineração?

 

Bruno Milanez – O objetivo da pesquisa foi identificar no debate da proposta do novo código mineral quais seriam os pontos sobre os quais já há consenso, e quais aqueles que merecem um maior aprofundamento. Além disso, tentou-se identificar como diferentes agentes se posicionam sobre cada um desses pontos. Este relatório preliminar foca nos consensos e dissensos; a segunda parte deve ser publicada em breve.

IHU On-Line – Em quais pontos do debate sobre o Novo Código da Mineração há mais discordâncias e, por outro lado, concordâncias? O que essas discordâncias e convergências indicam sobre a discussão da mineração no país?

Bruno Milanez – Em nosso relatório foi possível perceber certa discordância em relação à forma como a proposta de código foi encaminhada pelo Executivo e vem, agora, sendo discutida na Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Há uma percepção, principalmente, entre os movimentos sociais e os sindicatos, de que as sugestões encaminhadas não são incorporadas de fato. Além disso, todos os segmentos que participaram da pesquisa mostraram que o aprofundamento do modelo minerador não é desejável para a economia do Brasil, sendo necessário romper com tal modelo e criar novas estratégias de desenvolvimento local e inserção internacional. Por outro lado, parece ainda haver certa discordância em relação às mudanças institucionais, principalmente em relação ao papel e à forma de funcionamento do Conselho Nacional de Política Mineral e da Agência Nacional de Mineração.

IHU On-Line – Por quais mudanças a indústria extrativista mineral tem passado desde os anos 2000 no Brasil? Quais as razões dessas mudanças?

Bruno Milanez – Ao longo dos anos 2000, a indústria extrativa mineral passou por importantes mudanças no Brasil. Entre 2000 e 2010, a exportação brasileira de minério passou de 163 milhões de toneladas para 321 milhões de toneladas. Em termos econômicos, essa variação representou um aumento de US$ 3,2 bilhões (5,9% das exportações) para US$ 30,8 bilhões (15,3% das exportações). Esse processo se deu principalmente devido à demanda da China por minérios.

A partir de 2013, houve uma desaceleração nessa demanda. Por exemplo, o preço nominal da tonelada de minério de ferro (o principal minério exportado pelo Brasil) passou de US$ 179 em janeiro de 2011 para US$ 68 em janeiro de 2015.

Ainda estamos avaliando os reflexos dessa mudança de dinâmica. Um primeiro impacto já percebido foi a redução da arrecadação de royalties por parte das cidades mineradoras. Uma vez que a administração dessas cidades apresenta limitada capacidade de planejamento e significativa dependência desses recursos, muitas vêm apontando uma situação de crise.

Além disso, é de se esperar a redução da atividade das pequenas e médias mineradoras (por serem menos competitivas) e um aumento da atividade das grandes mineradoras para aumento de escala e redução dos custos fixos. Associado a isso, haverá uma busca intensa por redução de custos, o que pode levar à intensificação da extração, com aumento dos riscos para os trabalhadores e para o meio ambiente.

IHU On-Line – Por que, segundo o relatório, a intensificação da mineração na economia não é uma estratégia saudável de desenvolvimento brasileiro?

Bruno Milanez – Diferentes estudos mostram que países altamente dependentes de recursos naturais têm uma taxa de crescimento inferior àqueles que se especializam em bens manufaturados. Existem diversas explicações para isso, uma delas se deve ao fato de o preço das commodities apresentar elevada volatilidade no mercado internacional. Essa “crise” da qual se fala agora não é uma exceção, mas a regra. Uma economia, nacional ou local, que apresenta elevada dependência da extração de recursos minerais tende a ficar mais exposta a essas variações, o que compromete o seu desenvolvimento econômico.

IHU On-Line – É possível vislumbrar um desenvolvimento sustentável da extração de minérios?

Bruno Milanez – Em seu último livro, “Extractivismos. Ecología, economía y política de un modo de entender el desarrollo y la Naturaleza”, Eduardo Gudynas fala em “amputação ecológica” quando se refere à megamineração. Ao amputar uma perna, você pode usar analgésicos para reduzir a dor, aplicar antissépticos para reduzir o risco de infecção, etc. Porém, o fato é que a perna não estará mais lá, e o corpo (ou ecossistema) não terá as mesmas características. A partir dessa perspectiva, não vejo como a megamineração pode ser compatível com o desenvolvimento sustentável.

Nossa sociedade precisa de minérios, mas uma condição para aproximar a extração mineral de algo que possa ser chamado de “desenvolvimento sustentável” é repensar a escala, os métodos e os ritmos de extração, assim como o uso e o desperdício desses recursos.

"O subsolo é um bem da União e que caberia a ela definir, do ponto de vista estratégico, a quantidade de minerais que deveria ser explorada no presente"

IHU On-Line – O que seria uma alternativa à exportação de recursos minerais in natura?

Bruno Milanez – Esse ponto não foi abordado na pesquisa e envolve uma profunda discussão. Como mencionei anteriormente, muitos dos participantes são contrários à especialização do país como exportador de produtos primários, mas quando se inicia o debate sobre alternativas, as opiniões divergem muito. Portanto eu não falaria em “uma alternativa”, mas sim alternativas. De forma breve posso mencionar três possíveis caminhos, mas esse tema mereceria diversas entrevistas.

De um lado, existem aqueles mais próximos ao discurso do desenvolvimentismo, que enxergam na verticalização das cadeias existentes o caminho a seguir. Dentro dessa visão, a proposta seria implantar mais siderúrgicas no país para exportar aço, ou ainda mais indústrias automobilísticas, máquinas e equipamentos, etc. para exportar bens manufaturados com maior intensidade tecnológica. Uma das limitações dessa visão é que todo o beneficiamento desse material consome grande quantidade de recursos naturais (especialmente água e energia), além de serem altamente poluentes. Além disso, a China e outros países asiáticos já ocuparam esse nicho em uma escala impensável para a escala brasileira.

Outro caminho seria voltar-se para as novas economias, seja a economia verde, seja a economia do conhecimento. Alguns falam na desmaterialização da economia. Dentro dessa linha, haveria a necessidade de investir mais em serviços do que em manufaturas, ou ao menos em indústrias com grande intensidade tecnológica. Essas áreas poderiam estar ligadas, ou não, ao uso dos recursos naturais do Brasil. Alguns exemplos incluiriam eficiência energética, fármacos e medicamento, novos materiais, etc. O desafio desse caminho diz respeito ao tempo necessário para se construir conhecimento e bases produtivas associadas a tais setores.

Por fim, há ainda uma terceira corrente que diverge das demais em termos de prioridades. Na verdade eles vão questionar o condicionamento do “desenvolvimento” ao aprofundamento da inserção econômica no mercado global. Este terceiro grupo tende a defender que se priorize o investimento em setores que venham a atender as necessidades nacionais, ou venham a promover uma integração regional, ao invés de se tentar satisfazer a demanda global.

IHU On-Line – Como se dá hoje o sistema de concessão de lavra? Quais são as principais divergências acerca desse ponto, indicadas pelo relatório?

Bruno Milanez – De acordo com o código atual, de forma muito simplificada, a concessão se dá em duas etapas. Primeiramente, existe a licença de pesquisa que pode ser concedida a qualquer pessoa, física ou jurídica. Essa licença tem por base o direito de prioridade, ou seja, o primeiro a solicitar o direito de pesquisa tem prioridade para desenvolver essa atividade. O resultado dessa pesquisa está associado à obtenção da portaria de lavra. Essa portaria concede, somente a pessoas jurídicas, o direito de extrair comercialmente os recursos minerais. Existem ainda alguns sistemas específicos para substâncias usadas para construção civil, mas não vou entrar nessa questão.

Uma das críticas feitas ao sistema atual, pelo governo federal, deve-se ao fato de pessoas ou empresas obterem a licença de pesquisa, mas não realizarem as atividades necessárias para de fato vir a extrair minérios. Assim, as áreas ficariam “bloqueadas” impedindo que outras empresas venham a realizar as atividades. A proposta feita no Projeto de Lei do Executivo vinha exatamente tentar acabar com o direito de prioridade. Na versão apresentada pelo governo, este faria a licitação do direito de exploração, evitando a retenção das áreas por empresas ou pessoas que não têm condições efetivas de extrair os minérios. O substitutivo da Comissão Especial, porém, retomou o direito de prioridade; esse é um dos principais pontos de discordância entre os dois poderes.

IHU On-Line – O relatório sugere a necessidade de haver maior controle estatal sobre a exploração mineral. Na prática, o que isso significa? Quais as vantagens e desvantagens desse processo?

Bruno Milanez – Quando o relatório menciona controle estatal, a referência é feita dentro de um contexto de ritmos de exploração. Essa percepção está associada ao que chamamos de nacionalismo de recursos. Ela é vinculada à ideia de que o subsolo é um bem da União e que caberia a ela definir, do ponto de vista estratégico, a quantidade de minerais que deveria ser explorada no presente, aquela que deveria ser reservada para usos futuros e ainda aquela que não deveria ser explorada.

O debate em torno dessa questão vem em contraposição ao modelo mineiro-exportador de larga escala. Alguns dos participantes da pesquisa questionam o fato de grandes empresas exportarem recursos naturais não renováveis a uma taxa crescente, reduzindo a expectativa de vida das reservas nacionais e esgotando rapidamente aquelas de melhor qualidade. Assim, no futuro, o país dependeria de reservas de menor qualidade, menos acessíveis e cuja extração seria mais cara.

IHU On-Line – Qual é a necessidade de criar um Conselho Nacional de Política Mineral? Qual seria a função desse conselho?

Bruno Milanez – A proposta de um Conselho Nacional de Política Mineral foi apresentada pelo Projeto de Lei do Executivo. É difícil avaliar a real necessidade de um Conselho dessa natureza, uma vez que as funções propostas ainda não estão claras. De forma geral, ele seria um conselho consultivo, que teria como papel definir diretrizes para o planejamento da atividade de mineração, para a promoção de agregação de valor dos recursos minerais, para a realização de pesquisa mineral, entre outros. Porém, há ainda a definição de atividades deliberativas, tais como um possível zoneamento minerário, cuja função não foi detalhada nas propostas apresentadas.

A falta de definições como essa é um dos elementos que indicam a necessidade de um aprofundamento das discussões sobre o novo código antes de sua votação pela Câmara dos Deputados.

"Não vejo como a megamineração pode ser compatível com o desenvolvimento sustentável"

 

IHU On-Line – Em que consistiria uma proposta de responsabilização das empresas pela infraestrutura associada à extração mineral?

Bruno Milanez – Essa questão tem um impacto principalmente sobre a infraestrutura de social e de apoio à extração mineral. Ela vem sendo debatida principalmente devido aos problemas sociais associados à abertura de novas minas e à chegada de grandes contingentes de trabalhadores, tais como elevação dos preços de imóveis, redução da mobilidade, sobrecarga do sistema de saúde municipal e dos serviços de saneamento. Atualmente os custos relativos a esses problemas são transferidos para os governos municipais que, principalmente no caso de pequenas cidades, não têm condições para administrá-los.

IHU On-Line – Quais aspectos tributários estão em discussão no Novo Código da Mineração?

Bruno Milanez – A questão tributária está ligada principalmente à cobrança da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – CFEM. Ela vem associada ao fato de o governo federal desejar alterar não apenas o valor da alíquota da CFEM, mas também sua base de cálculo. O governo tem interesse em adotar a receita líquida, e não mais o faturamento líquido, como é feito atualmente. Esta mudança acarretaria em uma menor dedução antes do cálculo da contribuição, aumentando o valor arrecadado pelo poder público.

Embora a CFEM não seja um imposto, mas o pagamento de royalties, ela compõe a transferência das empresas para o Estado e, por esse motivo, a proposta não é bem vista pelas mineradoras. Elas argumentam que já pagam muitos impostos, embasando essa afirmativa, em parte, no estudo “Práticas tributárias internacionais: indústria de mineração”, encomendado pelo Instituto Brasileiro de Mineração – IBRAM. Esta pesquisa afirma que o setor mineral no Brasil apresenta uma das três cargas tributárias mais elevadas do mundo. Entretanto, outra pesquisa, coordenada pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas e pela Rede Justiça nos Trilhos concluiu que, de um universo de 30 jurisdições (países, estados ou províncias), a tributação no Brasil seria somente superior à da China, Cazaquistão, Suécia e Chile. Assim, a discussão sobre tributação vai para além dos projetos de lei em si, e perpassa, ainda, o método de cálculo.

IHU On-Line – O que o relatório indica em relação aos aspectos socioambientais que devem ser discutidos no Novo Código da Mineração?

Bruno Milanez – Existem vários temas ligados aos aspectos socioambientais da mineração que vêm sendo ignorados pelos legisladores. Muitos deles foram construídos e apresentados pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração.

Uma das questões mais caras ao Comitê diz respeito à participação das comunidades afetadas nas decisões sobre projetos de extração mineral. Essa proposta está associada não apenas à participação efetiva, como também ao poder de veto. Ela possui um forte diálogo com os princípios da Justiça Ambiental, uma vez que, dentro dessa perspectiva, procura-se garantir que a decisão sobre grandes projetos seja influenciada pelas pessoas que serão diretamente afetadas por ele.

Essa questão se contrapõe ao entendimento difundido pelo setor de que a mineração teria uma suposta prioridade sobre outras atividades sociais e econômicas, tais como produção de alimentos ou captação para sistemas de abastecimento de água. Na verdade, existe uma ampla discussão a respeito do quão prioritária ela seria frente a outras atividades, muitas vezes já consolidadas, menos impactantes, economicamente viáveis e com perspectiva de continuidade no longo prazo.

Outro aspecto está associado à questão do contingenciamento de recursos para garantir a execução dos planos de fechamento de mina. Apesar de a legislação existente definir essa responsabilidade, nem sempre ela é cumprida. O contingenciamento de recursos para garantir o correto fechamento das minas e a recuperação de áreas degradadas, apesar de ser aplicado em diferentes países como África do Sul, Austrália, Canadá, Chile, Índia e Gana não foi incluído nem no Projeto de Lei do Executivo, nem nos substitutivos apresentados pela Comissão Especial.

A não inclusão de elementos como esse sugerem um caráter extremamente setorial e uma perspectiva muito limitada das propostas do novo código mineral. Dessa forma, a principal estratégia que enxergo para aprimorar as propostas existentes é o aprofundamento das discussões e uma ampliação dos debates de forma democrática e por meio da participação direta dos grupos envolvidos.

Por Patricia Fachin

Fonte: IHU