No Rio, feira reafirma necessidade da Reforma Agrária


              

Durante dois dias, assentados e assentadas da reforma agrária expuseram os produtos de seu trabalho no Largo da Carioca, centro do Rio. Objetivo foi dialogar com a população e mostrar a importância de uma reforma agrária popular no contexto atual. Foi apenas a quarta edição da feira, mas os números dão o tom de um evento que já se consolidou no Rio de Janeiro: 30 toneladas de alimentos, sendo 11t industrializados e 19t frescos, 110 agricultores e agricultoras,  duas cooperativas do RJ, seis cooperativas de outros estados, e uma estimativa de 50 mil visitantes em dois dias.

Esses foram os números da IV Feira Estadual da Reforma Agrária Cícero Guedes, realizada nos dias 9 e 10 de dezembro, no Largo da Carioca, centro do Rio de Janeiro. Mas para Andrea Matheus, umas das coordenadoras da feira, isso não foi o mais importante: “A feira cumpriu seu objetivo fundamental, de seguir pautando a reforma agrária e a necessidade de se olhar para os assentamentos. Mostramos para os cariocas que as áreas de reforma agrária do nosso estado são capazes de produzir alimentos diversificados e saudáveis. Para além da questão financeira, das vendas, o importante é a oportunidade de dialogar com a população sobre o sentido da luta pela terra”, afirma.

Produtos industrializados foram novidade

A novidade deste ano foi a vinda dos alimentos industrializados – arroz, feijão, laticínios, sucos – de seis cooperativas ligadas ao MST no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. “Assim podemos mostrar que a capacidade do MST vai além da produção in natura, e ao mesmo tempo apontamos que o nosso estado precisa de investimentos para a construção de agroindústrias. Se não olharem para os nossos assentamentos, vai sempre precisar vir de fora.”, explica ela.

              

Andrea conta que o movimento já aprovou a construção de uma agroindústria para beneficiamento da cana na região Norte, e já tem pronto o projeto para outra na Baixada Fluminense, dedicada à cadeia da mandioca. “É necessário avançar na construção de agroindústrias no nosso estado”, complementou. Para participar do evento, agricultores dos cerca de 30 de assentamentos do MST em todo o estado vieram para a capital com sua produção. A eles, se juntaram camponeses do Movimento dos Pequenos Agricultores e da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro. Andrea explicou a importância deste momento para os camponeses: “A feira tem um aspecto interessante, que é o de colocar os assentados em contato com o povo da cidade grande. Por um lado, sentem as exigências e curiosidades dos consumidores; por outro, têm a oportunidade de dialogar e de contar da realidade do campo. Tem gente que anda dizendo que a reforma agrária não é mais necessária. Mas isso não se sustenta, porque a realidade do campo e da cidade mostra isso. No Rio de Janeiro, a necessidade da reforma agrária é muito clara, e a feira reafirma isso.”
 

Contra Reforma Agrária

A avaliação do MST, tanto a nível nacional quanto no Rio de Janeiro, é de que a situação da reforma agrária é péssima. “Temos poucas perspectivas de saírem novos assentamentos, e temos muita gente acampada produzindo como se fosse assentada. Mas sem a posse da terra, a pessoa fica sem perspectiva de vida.”, disse a coordenadora. Para Marcelo Durão, da coordenação nacional do MST, o momento é de “contra reforma agrária, pois estamos com dificuldades de conquistar novas áreas, e perdendo outras já conquistadas.” No Rio de Janeiro, o último assentamento em áreas do movimento foi concedido em 2007.”

Este ano, a feira recebeu o nome do militante Cícero Guedes. Ele coordenava o acampamento Luis Maranhão, em Campos, e foi assassinado em janeiro deste ano. “A feira mantém viva a memória do Cícero. Ele sempre pautou isso com as famílias, sempre falava da importância das feiras. O trabalho dele foi essencial pra chegarmos a uma feira desse tamanho hoje.”, conta Andrea. Cícero gostava de mobilizar as famílias antes das feiras, ajudando na preparação da produção. Para ele, além da reforma agrária e do direito à alimentação saudável, a questão da agroecologia era fundamental. “Homenagear o Cícero hoje é reafirmar a feira como instrumento para pautarmos os direitos humanos, alimentação saudável, reforma agrária, e sobretudo a vida. Ele sempre falava da importância de doar os alimentos, para que mais pessoas tenham acesso aos frutos da reforma agrária.”, lembra Andrea. Segundo ela, quando o MST iniciou seu trabalho no Rio de Janeiro, em Campos, no ano de 1997, as feiras eram só de doação de alimentos. “O importante era dialogar com a população. Depois é que começaram a vender, pois a produção precisava dar sustento às famílias.”

Elisângela Carvalho, do Setor do Educação, também lembrou a importância de Cícero para feira: “Ele está presente nesta feira, não vamos deixar que sua memória se apague. Cícero nos ensinou a todos os dias nos indignarmos com as injustiças, com o uso de agrotóxicos envenenando nosso povo. Ele, que tanto alegrava esta feira com seus gritos de ordem, sempre nos dizia que o mais importante aqui não era vender os produtos, mas  dialogar com a população, e dizer que o capital nos mata todos os dias e que é possível fazer uma mudança.”

A feira foi encerrada por uma mística celebrada pelo Pe. Geraldo, da Comissão Pastoral da Terra de Nova Iguaçu. A todo momento, ele reforçou que “a terra não é coisa, a terra é mãe”. E evocou os regimes da Bolívia e Equador, que incluíram em suas constituições o conceito do Bem-Viver. O padre declarou apoio à reforma constitucional no Brasil: “Essa que está aí já foi estragada por muita gente.”

Geraldo finalizou a mística lembrando o legado dos militantes do MST assassinados na luta pela terra: “Nós, com Cícero e Regina, e todos que semearam a terra com seu sangue, temos o dever de seguir sua luta.” E entoou: “Põe a semente na terra / não será em vão / não te preocupe a colheita / plantas para o irmão.”

A feira acontece sempre em torno do dia 10 de dezembro, em que se comemora o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Marina dos Santos, do MST, explica que a luta pela reforma agrária é em si uma luta por direitos humanos: “Queremos repartir a terra para que todos tenham direito ao trabalho, direto a produzir e consumir alimentos saudáveis. Isso está na nossa constituição como direito humano.”
 

Ainda por conta da data, familiares de Cícero Guedes receberam no dia 9 o Prêmio João Canuto para defensores dos direitos humanos, concedido pelo Movimento Humanos Direitos (MHuD).

Fonte: http://www.mst.org.br/

Laísa Mangelli 

“Na Amazônia, o que ocorreu e continua ocorrendo é um processo de colonização”


Entrevista especial com Viviane Vidal da Silva

“Os responsáveis pelos lotes são originários de vários estados do Brasil. No entanto, foi do estado do Paraná que a maior parte dessas pessoas veio, fazendo da região Sul do país a de maior migração para o assentamento [de Matupi]”, afirma a pesquisadora.

Foto: essetalmeioambiente.com

“É preciso entender o papel da política agrária que acontece no nosso país, pois na Amazônia o que ocorreu e continua ocorrendo é um processo de colonização, por meio de uma reforma agrária conservadora e como forma de desviar a reforma agrária do centro-sul do país, onde realmente existe demanda por esta questão”, afirma a bióloga Viviane Vidal da Silva. Ela obteve doutorado em Ciências Biológicas, área de concentração em Ecologia Aplicada, com pesquisa sobre o impacto das atividades produtivas do assentamento agrário de Matupi, estado do Amazonas, na paisagem natural daquela região. De acordo com a pesquisa realizada pela bióloga, o assentamento é o principal responsável pelo desmatamento, já que os lotes não observariam os limites impostos pela legislação no que se refere às áreas de preservação florestal em função da substituição da atividade agrícola pela pecuária.

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Viviane Vidal da Silva aponta uma série de fatores como contribuintes para esta situação, entre eles a localização do assentamento em uma área de expansão da fronteira agrícola, a rotatividade na ocupação dos lotes, as deficiências em recursos humanos e materiais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA para fiscalizar o cumprimento da legislação, a própria falta de infraestrutura no assentamento, a inexistência de estradas para o escoamento da produção dos agricultores e a ausência de assistência técnica para o pequeno produtor.

“Como a pecuária é uma atividade que demanda muitas áreas, a cada período novas áreas de florestas estão dando lugar às pastagens. Tal situação se torna ainda mais crítica por esta atividade ser baseada em um regime extensivo de produção, sem que haja recuperação dos solos, com a desvalorização dos produtos da floresta e sem a adequada assistência técnica. Além disso, existe o baixo preço das terras no estado do Amazonas e a especulação imobiliária, o que acaba atraindo mais pessoas para esta região”, enfatiza a pesquisadora. “Isso leva a uma exploração intensiva dos recursos naturais, desmatamento, empobrecimento da população local e esvaziamento do campo, e com isso não é atingido o objetivo da reforma agrária de promover a justiça social e o desenvolvimento equilibrado com qualidade ambiental da região”, complementa.

Viviane Vidal da Silva é graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, possui mestrado em Ciência Ambiental pela Universidade Federal Fluminense – UFF e obteve doutorado em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo – USP. Atualmente, é professora da Universidade Federal do Amazonas, no Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente, desenvolvendo as atividades docentes no município de Humaitá.

Viviane Vidal da Silva. Foto: arquivo pessoal

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as principais atividades produtivas na região em que está inserido o distrito de Matupi, no Amazonas?

Viviane Vidal da Silva – O distrito de Santo Antonio do Matupi pertence ao município de Manicoré, sub-região do Vale do Rio Madeira, no sul do estado do Amazonas. Dessa forma está inserido numa área de expansão da fronteira agrícola do estado, onde se verificam diversos processos relativos ao uso da terra, conflitos fundiários e migrações internas. A principal atividade produtiva, tanto na vila do distrito de Santo Antonio do Matupi quanto no projeto de assentamento Matupi, onde desenvolvi minha pesquisa de doutorado, é a pecuária. Esta atividade tem gerado demanda por mais terras para formação de pastagens, haja vista o aumento do número de rebanhos bovinos no Amazonas e em especial no município de Manicoré, que ocupa o quarto lugar em número de cabeças de gado no estado, segundo o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2006. Além disso, também existe a extração de madeira.

IHU On-Line – Estas atividades impactam o meio ambiente de que forma?

Viviane Vidal da Silva – Como já é conhecido, existem diversas formas de impacto da pecuária no meio ambiente, como a compactação do solo, a perda da biodiversidade e a redução de áreas de florestas para a formação de pastagens. Na minha pesquisa de doutorado, verifiquei apenas o impacto da pecuária na redução das áreas de florestas dentro de cada lote do projeto de assentamento Matupi, que foi a minha área de estudo. Como a pecuária é uma atividade que demanda muitas áreas, a cada período novas áreas de florestas estão dando lugar às pastagens.

Tal situação se torna ainda mais crítica por esta atividade ser baseada em um regime extensivo de produção, sem que haja recuperação dos solos, com a desvalorização dos produtos da floresta e sem a adequada assistência técnica. Além disso, existe o baixo preço das terras no estado do Amazonas e a especulação imobiliária, o que acaba atraindo mais pessoas para esta região.

IHU On-Line – Sabe-se que a maior parte dos primeiros beneficiados com os lotes do assentamento vendeu informalmente a terra. Qual a origem dos migrantes que compraram estes lotes e quais são as atividades a que se dedicam hoje?

Viviane Vidal da Silva – Os responsáveis [atuais] pelos lotes são originários de vários estados do Brasil. No entanto, foi do estado do Paraná que a maior parte dessas pessoas veio, fazendo da região Sul do país a de maior migração para o assentamento, já que também há beneficiários dos estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.

Apesar da maioria dos assentados ser oriunda do estado do Paraná, 95% destes já se encontravam na região Amazônica, principalmente no estado de Rondônia. Eles chegaram ao assentamento por meio da Rodovia Transamazônica – BR 230, à procura de mais terra. Ainda hoje se verifica esta migração, com colonos atraídos, principalmente, pelo baixo preço das terras no estado do Amazonas. Com a sobra do capital, é possível investir na formação de pastagens e rebanho, sem a necessidade de se valer do crédito rural, uma vez que algumas famílias não possuem as características necessárias à obtenção do crédito.

Assim, esses migrantes dedicam-se à atividade da pecuária extensiva, com forma de produção baseada em um modelo importado de outra região do país, onde não existe extração de produtos florestais, tradicionais na região Norte, o que acaba comprometendo a sustentabilidade dos recursos naturais no assentamento. O preparo da terra para a produção ainda é feito na forma de queima, derrubada e roçada, que acaba por esgotar o solo e, assim, é preciso a abertura de novas áreas para pastagens. A localização do projeto de assentamento Matupi em uma área de fronteira agrícola, onde existe mercado para este tipo de produção, só vem contribuir para o aumento desta atividade e, consequentemente, para uma degradação ambiental. Cabe destacar que os beneficiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, assentados na época de implantação do assentamento, em 1995, receberam créditos rurais para produções como café e cupuaçu, mas, pela falta de infraestrutura e de acesso a mercados consumidores, estas produções se tornaram inviáveis.

IHU On-Line – Diante deste cenário, quais são os impactos das atividades produtivas sobre a paisagem de Matupi, conforme os termos da sua pesquisa de doutorado?

Viviane Vidal da Silva – Eu fiz uma análise espacial, usando dados digitais provenientes do banco de dados do [Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia -] PRODES/INPE, no período de 2000/2010, e verifiquei que o uso da terra nos lotes de todo o assentamento tem aumentado, com a conversão de áreas de floresta em uso da terra, principalmente, para a formação de pastagens. E isso acontece até nos lotes da vicinal Santa Luzia, que oficialmente nunca recebeu beneficiários do INCRA. Isso leva a uma exploração intensiva dos recursos naturais, desmatamento, empobrecimento da população local e esvaziamento do campo, e com isso não é atingido o objetivo da reforma agrária de promover a justiça social e o desenvolvimento equilibrado com qualidade ambiental da região.

IHU On-Line – Comente, por favor, a conclusão da pesquisa de que o assentamento é o principal responsável pelo desmatamento na região.

 

“Os pequenos produtores têm uma importante contribuição para o desmatamento da região”

 
     

Viviane Vidal da Silva – As análises dos dados digitais para o período de 2000/2010 mostram que, na maior parte dos lotes, se utiliza mais que o permitido pelo Código Florestal para o bioma amazônico. Dessa forma os pequenos produtores têm uma importante contribuição para o desmatamento da região. No entanto, a integração desses dados espaciais com dados primários das entrevistas que realizei mostra que os fatores sociais e econômicos e as instituições contribuem para esta situação. Por exemplo, a própria localização do assentamento numa área de fronteira, a rotatividade nos lotes, sem que haja tempo para que o INCRA possa resolver esta situação — neste órgão há poucos funcionários para atender uma grande demanda —, a falta de infraestrutura no assentamento, a falta de estradas para o escoamento da produção e a falta de assistência técnica para o pequeno produtor, todos esses fatores contribuem para esta situação. Muitas das pessoas que estão exercendo atividade produtiva nos lotes não são beneficiárias do INCRA. Elas já chegaram à região com capital para a compra de lotes, mesmo que informalmente, e com o seu próprio gado.

IHU On-Line – Em que locais a floresta permanece preservada?

Viviane Vidal da Silva – Em muitos lotes é possível verificar, pelos dados digitais espaciais, que não existem mais áreas de florestas, porque, além da pecuária, existe também a extração de madeira. Mas, nas áreas onde o acesso ainda é difícil, as florestas estão preservadas.

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?

Viviane Vidal da Silva – Gostaria de acrescentar que, embora os assentamentos rurais contribuam para o desmatamento na região amazônica, é preciso que se analise esta questão a partir de uma abordagem que integre os diferentes fatores envolvidos neste processo e que esta análise seja em uma escala local. A Amazônia possui uma grande dimensão geográfica e diferentes processos de ocupação e desenvolvimento que resultam em um contexto diferenciado de problemas sociais, econômicos e ecológicos. Entendendo a integração desses fatores é possível compreender a real contribuição dos assentamentos, para que políticas públicas mais aplicadas possam reverter este quadro. Além disso, é preciso também entender o papel da política agrária que acontece no nosso país, pois na Amazônia o que ocorreu e continua ocorrendo é um processo de colonização, por meio de uma reforma agrária conservadora e como forma de desviar a reforma agrária do centro-sul do país, onde realmente existe demanda por esta questão.

(Por Luciano Gallas)

Fonte: IHU – Unisinos

No caminho certo


 

Em tempos de cólera, temos pouco o que comemorar. Porém, o dia 27 de maio de 2014 deve ser lembrado e comemorado por todos os brasileiros e brasileiras. Por unanimidade, o Senado Federal aprovou a Proposta de Emenda Constitucional 57A/1999, conhecida também como a PEC do Trabalho Escravo. Em suma, a PEC 57A/1999 prevê a expropriação de imóveis rurais e urbanos, quando detectado a exploração de trabalho escravo sob a forma da lei, os quais serão destinados tanto para a reforma agrária quanto para programas de habitação popular. Os proprietários dessas terras não receberão indenizações e estarão sujeitos a sanções previstas no Código Penal.

O trabalho escravo ou trabalho forçado pode assumir distintas conjunturas. De acordo com a OIT (Organização Internacional do Trabalho), de forma resumida, consiste na coerção de um indivíduo para realizar determinados tipos de trabalho e, a imposição de uma penalidade caso esse trabalho não seja realizado. O trabalho escravo pode estar atrelado ao tráfico humano, que cresce rapidamente em todo o mundo, as práticas abusivas de recrutamento que levam pessoas à escravidão por dívidas, imposições militares e civis, práticas tradicionais, ou seja, é uma das principais formas de violação aos direitos humanos.

No Brasil, cujo regime de escravidão findou-se apenas em 1888, com a Lei Áurea, algumas políticas públicas, juntamente a mobilização da sociedade civil vem demonstrando resultados no combate a erradicação do trabalho escravo, do trabalho forçado. A Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE), a Secretaria Especial de Direitos Humanos, o Ministério Público Federal, os grupos de trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, principalmente a Secretaria de Inspeção do Trabalho através do Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo e ONG´s, como a Repórter Brasil vem desempenhando excelentes trabalhos.

O trabalho escravo contemporâneo no Brasil tem por principais vítimas, homens, provenientes de regiões diferentes daquelas que são escravizados, conforme afirma o Atlas do Trabalho Escravo no Brasil. Os trabalhadores, na maioria das vezes, são aliciados e saem de seus locais de origem por desconhecerem as reais condições de trabalho que lhes são ofertadas. As principais atividades econômicas que concentram esse tipo degradante de trabalho são as carvoarias, as atividades ligadas ao setor rural, confecções de roupas, construção civil e exploração sexual. De acordo com o Ministério Público Federal, em todo o Brasil, 2.232 investigações de crimes relacionados à prática de trabalho escravo, isto é, aqueles previstos pelo Código Penal (artigos: 149, 203 e 207) estão em curso. Os estados que mais concentram focos de trabalho escravo ou análogo a ele são: Pará, com 295 investigações em andamento, Minas Gerais, com 174 casos, Mato Grosso, com 135 e São Paulo, com 125.

De forma especial, deve-se salientar ainda que o combate a erradicação do trabalho escravo deve concentrar forças principalmente aos novos fluxos migratórios encontrados no Brasil. A imigração ilegal de latino-americanos (bolivianos, peruanos, paraguaios e, atualmente, haitianos), de asiáticos e africanos são uma excelente oportunidade para o crescimento econômico ilícito, através do interesse de empresários nessa força de trabalho disponível em nossas terras. Cabe ao Poder Público, juntamente a Sociedade Civil coibir e trabalhar cada vez mais para o fim do trabalho escravo, das sevícias praticadas por ele e lutar, por mais dignidade e justiça pelas minorias.

Para consultar a lista suja do Ministério do Trabalho (MTE), ou seja, o Cadastro de Empregadores que relaciona pessoas físicas e jurídicas que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, acesse o link: http://portal.mte.gov.br/trab_escravo/portaria-do-mte-cria-cadastro-de-empresas-e-pessoas-autuadas-por-exploracao-do-trabalho-escravo.htm

O Atlas do Trabalho Escravo no Brasil, que apresenta mapas, gráficos e uma excelente regionalização e contextos sobre esse regime no Brasil, pode ser acessado neste link: http://amazonia.org.br/wp-content/uploads/2012/05/Atlas-do-Trabalho-Escravo.pdf

Já o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo pode ser acessado nesse link: http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/brasil/iniciativas/plano_nacional.pdf

 

 

Artigo escrito por Luís Henrique Silva Ferreira, Bacharel Licenciado em Geografia, Mestre em Ciências Sociais e atualmente professor da rede privada de Ensino.

 

Ministério cria força-tarefa para agilizar reforma agrária


Marieta Cazarré – Repórter da Agência Brasil

O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) criou hoje (28) uma força-tarefa para identificar áreas que podem ser desapropriadas e mapear famílias acampadas para tentar agilizar a reforma agrária. Em todo o país, há cerca de 130 mil famílias acampadas à espera de assentamento, segundo o governo.

A ampliação da reforma agrária é uma das principais cobranças dos movimentos sociais do campo ao governo da presidenta Dilma Rousseff. Em 2014, segundo dados mais recentes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o governo assentou 32 mil famílias. Desde 2011, início do governo Dilma, foram 107 mil famílias assentadas, resultado muito inferior ao de governos anteriores. Nos primeiros quatro anos de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assentou 232 mil famílias, por exemplo. 

Levantamento
Com a força-tarefa, um grupo de especialistas fará o mapeamento dos acampamentos no país. A ideia, segundo o ministro Patrus Ananias, é fazer um levantamento completo das condições dessas famílias: onde estão (em qual estado, município, distrito); qual a faixa etária e nível de escolaridade; qual o perfil dessas famílias (se têm aptidão para a atividade agrícola, por exemplo); se já estão no Cadastro Único, entre outras.

O grupo também fará um levantamento de terras passíveis de desapropriação para reforma agrária, e vai avaliar pontos como a produtividade e fertilidade do solo, a existência de recursos hídricos na região, além de infraestrutura e acesso a mercados nas proximidades.

O levantamento será feito em parceria com o Incra, com outros ministérios (como o da Agricultura e o do Desenvolvimento Social e Combate à Fome), além da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e governos estaduais e municipais.

O grupo de trabalho será composto por diretores das quatro secretarias do MDA, dois representantes do Incra e um do gabinete do ministro. O levantamento será feito sob a supervisão de Patrus Ananias, da secretária-executiva do MDA, Maria Fernanda Ramos Coelho, e da presidente do Incra, Maria Lúcia de Oliveira Falcón.

Brasília - Entrevista com o ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias (Elza Fiúza/Agência Brasil)

Ministro Patrus Ananias disse à Agência Brasil que governo quer assentar, em condições dignas, 130 mil famíliasElza Fiúza/Agência Brasil

Em entrevista à Agência Brasil, Patrus disse que, após o mapeamento, será possível dar início a um processo mais intenso de assentamento das famílias. Segundo o ministro, um dos desafios para a evolução da reforma agrária no Brasil é o tamanho e as diversas realidades do país.

“Queremos levar as políticas públicas de saúde e educação, por exemplo. Em alguns locais é mais fácil. Mas, no Nordeste e na Amazônia, tem acampamentos que são mais dispersos. [É preciso ter] acesso a cidades, acesso a mercados, estradas, pontes, infraestrutura no local ou próximo.”

Um assentamento ideal, segundo Patrus, seria aquele em que as pessoas pudessem ter uma vida comunitária, com acesso à escola, assistência médica, terras produtivas, água e espaços para a prática de esportes e lazer, fundamentais para que os jovens queiram permanecer no campo.

“E que fosse montada uma boa e sólida cooperativa, porque é muito difícil o agricultor sobreviver sozinho numa sociedade competitiva como a nossa. A união faz a força e agrega valor. Além disso, que ela [a comunidade] estivesse próxima de uma cidadezinha maior, com uns 50 mil habitantes, onde os agricultores pudessem vender seus produtos”, acrescentou.

Outro desafio é a desapropriação de terras, um processo caro e demorado. “O preço das terras varia muito, de acordo com a localidade e a qualidade [da terra]. Quanto mais perto das cidades, mais cara e mais valorizada é a terra”, disse.

Agricultura familiar e reforma agrária
Patrus destacou a necessidade de desenvolvimento da agricultura familiar para geração renda e independência dos assentados da reforma agrária e citou a compra de produtos de pequenos produtores como uma das iniciativas para estimular essa atividade.

“A presidenta Dilma assinou um decreto determinando que todos os órgãos federais que consomem alimentos comprem pelo menos 30% da agricultura familiar. Nós queremos ampliar essa parceria com os governos estaduais, municipais, com a sociedade civil, ONG's, hospitais e universidades.”

O ministro também ressaltou a importância da agricultura familiar para a preservação da segurança alimentar e nutricional diante do atual contexto de importação de alimentos que são básicos na mesa do brasileiro e que o país pode produzir em grande quantidade e qualidade, como o arroz e o feijão.

“As notícias são muito preocupantes. O Brasil está importando arroz e feijão. É claro que o país precisa exportar, nós temos condições para isso e precisamos de divisas, mas temos que definir uma clara prioridade. A produção de alimentos deve ser, sobretudo, para garantir a alimentação do povo brasileiro”, disse.

Fonte: EBC Agência Brasil

“65% a 75% do volume global de alimentos que nós consumimos têm origem na agricultura familiar”


Entrevista especial com Newton Narciso Gomes Junior

 

“Eu, francamente, sou um sujeito bípede e racional, e não como milho cru no cocho e tampouco mastigo soja”, diz o economista.

Os incentivos para o desenvolvimento da agricultura familiar brasileira não passam de um “estímulo de intenções”. A ponderação é de Newton Narciso Gomes Junior, professor da Universidade de Brasília – UnB, em entrevista concedida àIHU On-Line, pessoalmente.

Políticas de estímulo ao desenvolvimento da agricultura familiar, como o Programa de Aquisição de Alimentos – PAAe a Lei Federal que determina que 30% dos alimentos servidos nas escolas devem provir da agricultura familiar, são reféns do sistema nacional de abastecimento de alimentos, já que o processo de comercialização é oligopolizado. “O que adianta dar um estímulo brutal para a produção de comida da agricultura familiar, se o agricultor não tiver onde colocar esses produtos? (…) As cadeias de supermercado dominam hoje 85% do volume global de alimentos comercializados, as grandes redes controlam mais de 50% e para entrar no supermercado é preciso ter uma escala que a agricultura familiar não tem”, argumenta.

Segundo ele “a agricultura familiar tem uma característica de diversificação da produção, e o supermercado não aceita a diversificação da produção; ele tem um conjunto de produtos que integra os elementos de interesse dele. (…) Você olha para o setor de frutas, legumes e verduras no supermercado e chega a provocar indignação. Por exemplo, em pleno período de inverno tem manga disponível, mas não é período de manga, aliás, você tem todos os produtos que quiser, no dia que quiser, e isso quebra a possibilidade do agricultor familiar, que trabalha com práticas tradicionais e sustentáveis”.

Na avaliação de Gomes Junior, apesar de a agricultura familiar ser “relevante do ponto de vista do potencial de produção de comida”, ela vem perdendo importância por conta da não revisão do sistema nacional de abastecimento. Entre as implicações, destaca, há um “formidável espetáculo de insegurança alimentar por inadequação da dieta”. Entretanto, ressalta, “a leitura política do governo é de que a questão da agricultura brasileira está resolvida na medida em que ela é decisiva para resolver os nossos problemas de déficits ou de balanço de pagamentos”. Para ele, somente a reforma agrária possibilitará a produção de “comida” para a população. “A minha posição sobre a reforma agrária é a seguinte: é prioridade, neste país, a produção de alimentos para a população, de sorte a garantir a nossa soberania alimentar não só pela autossuficiência, mas pelo direito de produzirmos o que entendemos ser razoável, para quem definimos que é importante e como definimos produzir isso da melhor forma possível. Nesse sentido, não tenho nenhum problema em defender que a reforma agrária deve enfrentar abertamente adesapropriação dos latifúndios, até porque esses latifúndios, que são tão importantes, se mantêm e se sustentam com o índice de produtividade de 1975, o que é uma ficção”, frisa.

Newton Narciso Gomes Junior é graduado em Economia pela Universidade de São Paulo – USP, especialista em Abastecimento Alimentar e Desenvolvimento Rural e doutor em Políticas Sociais pela UnB. Atualmente é professor do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília, do Programa de Pós-Graduação em Política Social da UnB e Coordenador do Diretório de Pesquisa Neads-Núcleo de Estudos Agrários, Desenvolvimento Social e Segurança Alimentar e Nutricional. É coordenador editorial da revista da Associação Brasileira de Reforma Agrária.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual é o potencial agrícola do Cerrado? Qual é o cenário da alimentação e da nutrição na região centro-oeste?

Newton Narciso Gomes Junior – Antes de responder à questão, vamos discutir o que é potencial agrícola, porque se nós formos tomar pela perspectiva do que normalmente se entende por potencial agrícola, que é produção de algo que as pessoas resolveram chamar de alimentos, eu francamente não conheço nenhuma pessoa que tenha, como alimento regular, a soja, o milho seco, o trigo e o arroz na palha. Sob a perspectiva da produção de commodities, oCerrado, Brasília e a região do Distrito Federal (DF) como um todo, se projeta como um produtor razoável, porque está crescendo a produção de soja e de milho.

Mas o DF é uma região importadora líquida de outros produtos, isto é, não tem uma produção daquilo que eu reputo como comida em volumes adequados para o atendimento das necessidades alimentares da população, ou seja, frutas, verduras e legumes.

Em uma cidade ou em uma região como o Distrito Federal, em que mais de 95% da população vive em um espaço urbano, a rapidez no hábito de comer se transformou quase que numa obrigação. Por conta disso, o padrão alimentar no DF, assim como no Brasil como um todo, foi corrompido e está assentado no consumo cada vez maior de produtos preparados, congelados e industrializados. Então, sob essa perspectiva, ao olhar o potencial agrícola do DF, é como se nós estivéssemos olhando para o nada. Se fôssemos olhar pela perspectiva da produção de alimentos, nós teríamos de pensar o potencial agrícola e o sistema de comercialização. Nesse sentido, há um potencial para produzir alimentos, só que não é esta a direção que está sendo dada lá, nem em lugar nenhum. Por isso, embora a região tenha um potencial agrícola para produção de comida, não é esse o objetivo, nem é esse o foco do desenvolvimento e dos interesses do governo; nem deste atual, nem dos anteriores.

Assim, os alimentos consumidos no DF vêm de todos os lugares: de Goiás, do Maranhão, do Pará, de São Paulo, dePernambuco. A lista é bastante grande. Então, o DF, nesse sentido, é um espaço fortemente dependente da produção externa; ele é um exportador de commodities.

 

"Não conheço nenhuma pessoa que tenha, como alimento regular, a soja, o milho seco, trigo e arroz na palha"

IHU On-Line – Como o senhor vê, no Brasil, o avanço do agronegócio e as tentativas de incentivo à agricultura familiar? O que as políticas públicas do Estado brasileiro demonstram em relação a esses campos?

 

Newton Narciso Gomes Junior – Existe um conjunto expressivo de ações de políticas públicas no sentido de desenvolver a agricultura familiar. Vou citar duas que me parecem as mais promissoras: o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e a Lei Federal que determinou que 30% do volume global dos alimentos servidos para a alimentação escolar devem provir da agricultura familiar. Esses são estímulos para a agricultura familiar, mas trata-se de um estímulo de intenções, porque não adianta nada — estou tratando do campo das compras institucionais —, do ponto de vista da produção agrícola, plantar para o mercado institucional.

Não há nenhuma política pública, nem na parte central do Estado, nem nas instâncias subnacionais, ou seja, governos estaduais e municipais, que reveja os marcos do sistema de abastecimento. Então, de que adianta dar um estímulo brutal para a produção de comida da agricultura familiar, se o agricultor não tiver onde colocar esses produtos? Por que ele não tem espaço? Porque o sistema de comercialização é fortemente oligopolizado, dominado pelos supermercados. As cadeias de supermercado dominam hoje 85% do volume global de alimentos comercializados, as grandes redes controlam mais de 50%, e para entrar no supermercado é preciso ter uma escala que a agricultura familiar não tem.

Manifestação de intenção

Além disso, a agricultura familiar tem uma característica de diversificação da produção, e o supermercado não aceita a diversificação da produção; ele tem um conjunto de produtos que integra os elementos de interesse dele. Por isso, não encontramos mais no supermercado a diversidade de produtos que se encontrava na feira. Você olha para o setor de frutas, legumes e verduras no supermercado e chega a provocar indignação. Por exemplo, em pleno período de inverno tem manga disponível, mas não é período de manga, aliás, você tem todos os produtos que quiser, no dia que quiser, e isso quebra a possibilidade do agricultor familiar, que trabalha com práticas tradicionais e sustentáveis. Para manter uma produção dessas, ele tem de lidar com o uso abusivo de veneno. Então, sob essa perspectiva, a política do governo, de um lado, pode estar estimulando e protegendo a oferta da agricultura familiar, contudo, quando nós aproximamos a lente e enxergamos com mais detalhe, observamos que é apenas uma manifestação de intenção.

Então, sob a perspectiva do governo, embora haja políticas de estímulo à produção, não há nenhuma iniciativa no sentido de rever os marcos do sistema de abastecimento alimentar nacional, e com isso praticamente se anulam as vantagens que o PAA e o programa de alimentação escolar possam representar, ou o mercado institucional possa representar para a agricultura familiar produtora de comida.

"Ao olhar o potencial agrícola do DF, é como se nós estivéssemos olhando para o nada"

IHU On-Line – Os ambientalistas dizem que grande parte do território do Cerrado está destinada à produção de grande escala. Qual é atual situação do bioma em relação à produção de alimento?

Newton Narciso Gomes Junior – O Cerrado tem um sistema de produção que emprega, em uma região de baixa quantidade de água, o uso de técnicas que estão superadas, como é o caso do pivô central. Se você passa por regiões de Brasília onde há soja, milho e batata plantados, você se choca com os pivôs centrais, porque eles são desperdiçadores de água. A simetria entre o produto saudável, o preço do produto saudável e a renda disponível para acessá-lo faz com que a população acesse os produtos industrializados, semielaborados e processados, que são muito mais baratos.

Comida x produtos

A última publicação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD Alimentar mostra que, tanto para oBrasil quanto para Brasília, o nível de segurança alimentar é acima de 80%. Entretanto, qual é a definição de segurança alimentar da PNAD? É a de que as pessoas têm acesso a alimentos. A parte principal de insegurança alimentar é a insegurança alimentar leve, que é a possibilidade de, em algum momento, por alguma razão, ter de substituir eventualmente algum tipo de produto, ou seja, ao invés de sacrificar a quantidade, sacrificar a qualidade. Mas quando você pega a Pesquisa de Orçamento Familiar – POF, no suplemento antropometria, e descobre que 51% da população brasileira enfrenta problemas ou com sobrepeso ou com obesidade, você descobre que aquela segurança alimentar apontada pela PNAD se refere apenas ao ponto de vista do acesso e, portanto, o discurso político é falso, porque não se melhorou o problema da fome. Pelo contrário, se piorou a segurança alimentar, porque agora existem pessoas que comem “comida” que não é comida, ou seja, substâncias alimentares que são qualquer coisa, menos comida. Essas substâncias só serão comida se você conseguir me mostrar que existe, na natureza, batata sabor picanha, biscoito sabor pizza. Se você me falar que conhece um pé que dá uma fruta com sabor bife, aí retiro tudo o que eu disse.

Qualquer pessoa que cozinhe — e esse é meu caso — é incapaz de produzir coisas tão padronizadas; eu nunca vi ninguém conseguir batatas onduladas “com risquinho”, todas do mesmo tamanho e da mesma cor. Isso não existe na natureza. Como nós podemos pensar em segurança alimentar diante disso? O que temos é o formidável espetáculo de insegurança alimentar por inadequação da dieta. Quando as pessoas falam que o problema é de acesso, eu digo que não é de acesso, porque o acesso regular e permanente está equacionado.

A parte que é miserável na sociedade é representada por um conjunto de pessoas que integram o que eu chamo do proletariado, o desempregado estrutural. Quando o sistema não tem mais o que fazer com essa pessoa, ela passa a ser objeto da assistência. São mais de 800 milhões de pessoas no mundo que vivem em uma situação de fome, de absoluta desproteção social, que é resultante de um sistema que é naturalmente excludente; o modo de produção capitalista exclui as pessoas, é da natureza desse modo de produção capitalista.

 

"Essas substâncias só serão comida se você conseguir me mostrar que existe, na natureza, batata sabor picanha, biscoito sabor pizza"

IHU On-Line – Quando o problema da insegurança alimentar está relacionado à falta de acesso, há um problema econômico?

 

Newton Narciso Gomes Junior – No caso dos miseráveis, sim. Essas são pessoas que foram descartadas pelo sistema porque o conhecimento, a capacidade de trabalho delas já não interessa mais. Em relação a isso, sou radical e digo o seguinte: não há uma solução para a problemática das necessidades humanas básicas, tais como saúde plena, capacidade de agência, ou seja, capacidade de agir na realidade, e autonomia crítica, quer dizer, capacidade de interpretar a realidade, compará-la com seus sonhos, e alterá-la pela agência de modo a aproximá-la do seu sonho. Não há nenhuma perspectiva do ponto de vista da satisfação dessas necessidades por intermédio das necessidades intermediárias, como comida, água, meio ambiente, etc., sob a perspectiva de um modo de produção que é notadamente concentrador de renda, que é excludente de pessoas e que persegue algo como a síndrome das Filhas de Danaides, que têm de encher um tonel que nunca enche. Essa é a sina do capital; ele tem de produzir lucro incessantemente e, para produzi-lo, vai criando cada vez mais fórmulas que expulsem pessoas da sua capacidade de consumo. O resultado disso é milhões de pessoas lançadas na mais absoluta miséria. E aqui não se trata do fato de as pessoas serem só miseráveis, mas do fato de não terem como não ser. A superação dessa condição e a garantia de acesso para essas pessoas só se dá pela transferência direta de renda e por garantia de que elas possam ter alimentos, se não comprado, dado.

Projeto Savana

Na África, por exemplo, o projeto Savana, que vai atacar o Cerrado Africano, é criminoso. Ele vai resolver problemas de renda das pessoas? Sim, vai resolver. As pessoas vão ter emprego? Serão exploradas. E vai resolver o problema alimentar? Não. Vai destruir a história das pessoas que vivem há séculos no mesmo pedacinho de terra. A tendência é que elas desapareçam como já aconteceu no Norte de Moçambique com a mineração.

IHU On-Line – Como garantir a segurança alimentar nesse contexto?

Newton Narciso Gomes Junior – A segurança alimentar deve ser tomada pela perspectiva da mudança radical ou da disputa, pelo menos, do imaginário social. Na Guiné-Bissau, estão recuperando a qualidade e o compromisso que as pessoas têm com sua própria história.

Quando se recupera o compromisso, se ganha um novo sentido na vida. O que estou querendo dizer é que a insegurança alimentar contempla também a destruição de padrões, de história, de cultura dos povos. Tudo isso foi substituído por uma noção pasteurizada de que o que importa é comer, então qualquer coisa que eu coma e que me satisfaça, vale.

Insegurança alimentar

Se você considera que, além disso, os tempos das nossas vidas se encurtaram muito, as pessoas cada vez mais comem sozinhas, cabisbaixas, mexendo no telefone ou no relógio, porque têm de comer depressa para pagar conta no banco, e se você acrescentar isso à vida das mulheres, aí a coisa se complica, porque essas mulheres, além de estarem sujeitas a esse tipo de coisa, quando chegam em casa a jornada de trabalho não está esgotada: elas têm de cuidar da casa, saber da vida dos filhos, preparar as coisas do dia seguinte e além de tudo prover a casa de alimento. Então, note, sob a perspectiva de segurança alimentar, dizer que nós vivemos com segurança alimentar é uma bobagem. Nós vivemos uma insegurança alimentar, e cada vez mais isso tende a se agravar, porque aumenta o número de pessoas que tomam suas refeições fora do domicílio. Tomar refeições fora do domicílio não significa compartilhar, significa comer rapidamente comida por quilo. Eu não como comida por quilo; como prato feito, e se não tiver prato feito, não como. Eu tenho uma resistência não por arrogância, frescura, mas prefiro comer arroz, feijão, carne, salada e ovo frito. Isso para mim é um prato feito que compõe o que é a ideia da comida brasileira. Na comida por quilo você come leitoa, que é comida de dia de Natal, bacalhau, que é comida da Semana Santa, frango com macarrão, que é comida de domingo. Tem comidas que são do dia de domingo e eu não posso comer na segunda-feira.

"Direito, ou você tem ou você não tem. Não existe “meio” direito, não existe fase para você conquistá-lo"

IHU On-Line – Qual é o peso da agricultura familiar no Brasil?

Newton Narciso Gomes Junior – De acordo com uma pesquisa daFAO/Incra, 65% a 75% do volume global de alimentos que nós consumimos têm origem na agricultura familiar. Se nós considerarmos algo em torno de quatro milhões e meio de propriedades que vivem na agricultura familiar, e olharmos o que é o consumo nacional dos produtos que têm como referência a agricultura familiar, isso vai dar em torno de alguns gramas por propriedade/dia.

Então, a primeira questão é: quem está produzindo? Certamente não é o pessoal do semiárido; ou seja, tem uma produção concentrada. Depois, você vai investigar quais são os alimentos produzidos — porque nós não consumimos a quantidade de frutas, legumes e verduras recomendada pela organização mundial de saúde por dia. Nesse sentido, a agricultura familiar no Brasil, quando definida como produtora de comida, é pouco relevante se confrontada com o agronegócio, porque o agronegócio não é só política de exportação. As pessoas às vezes se chocam com essa ideia e dizem que estou desqualificando a agricultura.

Eu não nego a importância dela, ao contrário, eu a considero fundamental, mas gosto de olhar o dia a dia das pessoas, o comportamento e o carrinho de compras delas no supermercado, os quais têm dois pés de alface, tomate, banana, abobrinha, pimentão e o resto é arroz, feijão, sardinha, macarrão, produto congelado, todas as coisas que são semiprontas e que não são produção da agricultura familiar.

Agricultura familiar e a política de abastecimento

Então, a agricultura familiar é relevante do ponto de vista do potencial de produção de comida, mas essa relevância vem perdendo importância na medida em que não há uma política pública de revisão do sistema nacional de abastecimento. Enquanto não tivermos uma séria revisão do sistema nacional de abastecimento, cada vez mais vamos consumir uma pauta mais estreita de produtos, e uma das características importantes da agricultura familiar é o fato de ela produzir produtos diversificados, que fazem parte das culturas alimentares diferentes, respeitando as realidades regionais; portanto, o que se consome no Rio Grande do Sul é diferente do que se consome noAmazonas, etc.

Padronização

A padronização da alimentação só é possível por intermédio da industrialização de alimentos. A agricultura familiar poderia ter um papel decisivo na reversão do curso da transição alimentar que está associado aos agravos de saúde relacionados a sobrepeso, diabetes, problemas coronários, hepáticos, etc. Mas hoje ela não conta com isso porque não tem apoio: as políticas de extensão são frágeis, as políticas de financiamento são curtas e os espaços de comercialização que estimulariam essas ofertas são ruins ou são oligopolizados, portanto, desfavoráveis àagricultura familiar. Ela não é uma parte folclórica; é parte da produção daquilo que chamo de “comida” e isso deve estar acima da produção dessa coisa genérica que tratam como alimento, mas que na verdade são produtos que têm uma base de substâncias alimentares que não significam nada.

Nós vivemos ao contrário. A nossa produção agrícola, que tanto pesa no mercado internacional, contribui para a produção de substâncias alimentares. O Brasil é um país que contribui para o rebaixamento do custo da redução da força de trabalho pela violação do padrão alimentar tradicional. Nós produzimos coisas que vão dar origem a substâncias alimentares que não têm nada a ver com a identidade das pessoas. Daqui a pouco o que você comer noAlasca, você estará comendo no Rio Grande do Sul.

IHU On-Line – Considerando a produção de comida, a reforma agrária ainda é necessária e há possibilidade de fazê-la?

Newton Narciso Gomes Junior – Eu não sou do PT, sou militante do Partido Comunista Brasileiro, o velho PCB, e continuo no mesmo lugar em que sempre estive. Não tenho nenhuma convergência com essa ideia de que a reforma agrária é algo superado; não discuto uma reforma agrária popularReforma agrária é reforma agrária e o inimigo está muito claro: o adversário principal é representado pelo latifúndio, seja ele produtivo ou improdutivo, não interessa. O problema é: produzindo o que para quem?

Não posso aceitar que esteja resolvido e equacionado o problema agrário brasileiro quando a concentração de terra é a mesma de 1872. Não posso aceitar que a questão agrária brasileira esteja resolvida quando a concentração de poder político daqueles que defendem essa estrutura concentrada, aumenta. Não falo somente da bancada ruralista, mas de um conjunto de parlamentares que defendem essa visão de que o Brasil deve ser um grande exportador de alimentos. Eu, francamente, sou um sujeito bípede e racional, e não como milho cru no cocho e tampouco mastigo soja.

Quanto mais mantivermos milhares de pessoas apartadas da condição de produzir comida no campo, quanto mais as mantivermos fora da produção daquilo que é essencial para a construção da soberania alimentar, que é o que produzir, como produzir e para quem produzir, maior será o problema de injustiça social e insegurança alimentar.

"A noção de igualdade não é a supressão da diferença, mas a supressão do uso da diferença para um subordinar o outro"

“Não existe meio direito”

Os números do governo Dilma de reforma agrária são pífios não porque não há mais o que fazer, mas simplesmente porque não há nenhum interesse político em reverter essa história. A leitura política do governo é de que a questão da agricultura brasileira está resolvida na medida em que ela é decisiva para resolver os nossos problemas de déficits ou de balanço de pagamentos.

Então, se ignoro essas questões, não posso falar em fruição do direito humano. Não é à toa que as pessoas, quando falam do direito humano à alimentação, dizem: satisfação gradual. Direito, ou você tem ou você não tem. Não existe “meio” direito, não existe fase para você conquistá-lo, não tem isso de ou você anda ou você não anda, ou você come ou você não come. Não tem essa coisa de “eu como, mas como mal”; se você come mal quer dizer que você não come. Não é o quanto, mas o quê. Então, sem a reforma agrária nós jamais vamos conseguir reverter a concentração do poder político, que está na mão de elites nacionais e transnacionais que controlam o destino de uma nação.

   

IHU On-Line- Qual a sua proposta de reforma agrária e quais são os problemas específicos da reforma popular?

Newton Narciso Gomes Junior – Não vou entrar em um debate sobre as minhas divergências sobre a reforma agrária popular, porque o MST, que de longe é a principal organização social neste país — uma organização que reúne 14 mil pessoas em Brasília tem um lastro e tem um cacife para falar como poucos. O João Pedro Stedile é um formulador respeitável, é um sujeito sério, comprometido com aquilo que faz, e o MST chegou à conclusão de que areforma agrária clássica, dada nos anos 1960-70, está superada e hoje o inimigo seria o capital financeiro. Mas eu acho que o inimigo entendido como o domínio do capital financeiro sobre o campo precisa de uma base física para se realizar, e a base física continua sendo a concentração da terra.

A minha posição sobre a reforma agrária é a seguinte: é prioridade, neste país, a produção de alimentos para a população, de sorte a garantir a nossa soberania alimentar não só pela autossuficiência, mas pelo direito de produzirmos o que entendemos ser razoável, para quem definimos que é importante e como definimos produzir isso da melhor forma possível.

Nesse sentido, não tenho nenhum problema em defender que a reforma agrária deve enfrentar abertamente adesapropriação dos latifúndios, até porque esse latifúndios, que são tão importantes, se mantêm e se sustentam com o índice de produtividade de 1975, o que é uma ficção. Portanto, o uso social dessa terra é mais do que violado porque estão usando a terra e produzindo menos do que poderiam.

Desconcentração do poder econômico

reforma agrária desconcentra o poder econômico e o poder político, que são dois elementos que sustentam a nossa subordinação, não só a subordinação do país, ou seja, a nossa dependência em relação aos países centrais, mas também a nossa subordinação do ponto de vista interno, nossa subordinação política aos desígnios de uma elite que não tem nenhum compromisso com a ideia de desenvolvimento que tem como primeiro elemento a pessoa, o ser humano. Obviamente essa posição de reforma agrária não é uma posição muito simpática, porque não se mostra viável nos marcos do modo de produção capitalista. Defendo essa reforma agrária radical porque defendo, junto com ela, a destruição do modo de produção capitalista. Sou um defensor convicto de que somente o comunismo pode emancipar as pessoas. Fora do comunismo não há possibilidade de emancipação humana.

IHU On-Line – E que futuro o senhor vislumbra com o comunismo?

Newton Narciso Gomes Junior – O futuro é uma abstração. Mas eu posso sintetizar para você o seguinte: a ideia que eu tenho do modo de uma vida sobre o comunismo é onde todas as diferenças são respeitadas, sem que essas diferenças sejam utilizadas para uns subordinarem os outros. Essa é minha leitura do comunismo: a noção de igualdade não é a supressão da diferença, mas a supressão do uso da diferença para um subordinar o outro.

IHU On-Line – Mas dada a condição humana, isso é possível?

Newton Narciso Gomes Junior – Eu acho. O Lenin tem uma frase que diz o seguinte: “Sonhos, acreditem neles; é preciso sonhar, mas com a condição de acreditar nos seus sonhos e comparar escrupulosamente o seu sonho com a realidade, e trabalhar essa realidade de modo aproximá-la do sonho”. Não há um relógio, um cronômetro que me diga que a revolução é amanhã. Estou nessa militância, assim como outros milhares de pessoas, desde os anos 1970 e todos os dias eu me movo de alguma maneira nessa direção. Passo às vezes por ridículo, por jurássico, por delirante e isso não é um problema. Eu não sou um sujeito de fé, eu me movo por convicções. Então, quando estou discutindo questão agrária, segurança alimentar, não o faço pelo caminho mais fácil, prefiro o caminho mais próximo daquilo que entendo como as “minhas verdades”, as verdades que me movem. Um povo que resgata a sua história, que resgata a sua cultura, que tem capacidade de agir a partir da leitura crítica da realidade, que confronta a realidade com seu sonho, ainda que seu sonho seja algo privado, algo personalista, individualista, é melhor do que um povo que vive como uma boiada, se agarrando em símbolos para ressignificar a sua própria vida, que perde a noção de classe, que aceita, por exemplo, essa ideia de nova classe média, que aceita o desaparecimento do debate sobre a pobreza e fica só olhando para a miséria.

Não se identificar mais como classe, como explorado, mas apenas como uma classe média ascendente, faz com que as pessoas queiram ir para frente, mas com isso elas perdem a sua identidade, deixam de ser “a proletária”, “a explorada” e passam a ser igual. Só que isso é uma igualdade de ficção. O capital, por exemplo, disputou e fez com que as pessoas aceitassem, tranquilamente, que é bacana comer lasanha congelada, salgadinho cuja composição não tem nada com gosto de queijo, ou biscoito com gosto de pizza. E as pessoas comem, não comem? O imaginário social foi conquistado. As pessoas hoje se contentam mesmo sem ter, se contentam em serem vistas como iguais a partir dos símbolos que importam. Houve uma ressignificação dos símbolos e os telefones falam mais da pessoa do que a própria pessoa.

Fotos: (1) portalmaquinasagricolas (2) www.capitalfm.com.br

Fonte: IHU – Unisinos

Reforma agrária assume dimensão estratégica no século XXI


Entrevista especial com Gerson Teixeira

“Nos dias atuais, qualquer avaliação isenta e atenta da realidade brasileira, pautada pelos maiores interesses do país, conclui pela relevância ainda mais superlativa da reforma agrária em nosso país”, pontua o presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA.

Foto: DiárioLiberdade

Os avanços no acesso à terra, proporcionados pelas políticas públicas dos governos FHC e Lula, não afetaram a “estrutura da posse da terra” no Brasil. Pelo contrário, a aquisição de “terras públicas” pelo agronegócio “passou a ameaçar, inclusive, áreas institucionalmente protegidas, como unidades de conservação, áreas indígenas e quilombolas”, assinala Gerson Teixeira, em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail. Ele informa que a concentração fundiária poderá ser ampliada por conta da Medida Provisória nº 636, a qual liberaliza “a aquisição em definitivo dos títulos de domínio dos lotes dos beneficiários do programa de reforma agrária nas condições dadas de carências materiais de toda ordem nos assentamentos”. E acrescenta: “O fato é que condições concretas e subjetivas nas quais se darão a medida tornam viável a transferência de milhões de hectares de terras que estão sob controle dos assentados”.

Para Teixeira, diferente do que ocorreu no final do século passado, quando a reforma agrária se impunha pelas “dimensões relacionadas à superação das inomináveis anomalias sociais, políticas e econômicas decorrentes da extrema concentração da posse da terra”, hoje ela se impõe como estratégia para garantir a soberania nacional. “No período recente, por impulsos produtivos ou especulativos do capital internacional, tem aumentado o controle externo da terra no Brasil e em outros países do Sul. O controle da terra pelo capital externo é a via da apropriação das nossas imensas riquezas naturais do subsolo, do solo, e agora do ar, com os mercados intangíveis (tipo carbono), definidos pela Lei de Mudanças Climáticas e pelo Novo Código Florestal”, esclarece.

Gerson Teixeira é engenheiro agrônomo, especialista em Desenvolvimento Agrícola pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/RJ e presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA.

Confira a entrevista.

Foto: Envolverde

IHU On-Line – Na sua avaliação, houve algum progresso na política agrária brasileira nas últimas décadas?

Gerson Teixeira – Houve o avanço no acesso de camponeses às terras públicas por meio das políticas de assentamentos, notadamente, nos governos FHC e Lula. Contudo, além de não ter afetado a estrutura da posse da terra, o agronegócio também avançou na apropriação de terras públicas, e nos anos recentes passou a ameaçar, inclusive, áreas institucionalmente protegidas, como unidades de conservação, áreas indígenas e quilombolas.

Na resultante, tem-se a manutenção da extrema concentração da terra no Brasil, que poderá ser ampliada ainda mais a depender das repercussões práticas dos dispositivos da Medida Provisória nº 636, de dezembro de 2013, que liberalizaram a aquisição em definitivo dos títulos de domínio dos lotes dos beneficiários do programa de reforma agrária nas condições dadas de carências materiais de toda ordem nos assentamentos. Ainda que obviamente não seja este o propósito do governo, que aposta em consequências socioeconômicas virtuosas para um assentado exercendo na plenitude a propriedade da terra, o fato é que condições concretas e subjetivas nas quais se darão a medida tornam viável a transferência de milhões de hectares de terras que estão sob o controle dos assentados.

Também houve a inclusão dos agricultores familiares nas políticas agrícolas, mas sem as devidas diferenciações no fomento produtivo, com vistas a preservar as condições clássicas da produção camponesa, e assim incentivar padrão de consumo diverso do padrão fordista derivado do modelo agrícola produtivista. Considero como as principais conquistas nesse campo, o Programa de Aquisição de Alimentos e as compras da agricultura familiar para a merenda escolar. Esses dois programas precisam ser fortalecidos e ampliados, pois são fundamentais para o processo de resistência dos camponeses no ambiente de mercado. Inclusive, a depender do alcance desses programas, poderíamos alcançar um objetivo absolutamente fundamental para agricultura familiar e camponesa, que é “desbancarização” do crédito que poderia ocorrer via autofinanciamento como decorrência dos efeitos dos programas em consideração.
 

"A ampliação da participação dos camponeses na ocupação do território rural do Brasil passou a ser fundamental para a soberania nacional"

IHU On-Line – Qual é a necessidade de reforma agrária hoje?

 

Gerson Teixeira – Até quase o final do século XX, a reforma agrária se impunha no Brasil pelas suas dimensões clássicas relacionadas à superação das inomináveis anomalias sociais, políticas e econômicas decorrentes da extrema concentração da posse da terra com as suas repercussões no processo de desenvolvimento brasileiro.

A sociedade continua pagando o ônus da continuidade dessas anomalias em pleno século XXI, agora agravadas pelos desdobramentos da hegemonia do chamado agronegócio.

Nos dias atuais, qualquer avaliação isenta e atenta da realidade brasileira, pautada pelos maiores interesses do país, conclui pela relevância ainda mais superlativa da reforma agrária em nosso país.

Aos valores históricos clássicos, em si, já condicionantes do processo de desenvolvimento brasileiro em todas as suas dimensões, agregam-se novos e irrefutáveis atributos estratégicos para a reforma agrária.

A ampliação da participação dos camponeses na ocupação do território rural do Brasil passou a ser fundamental para a soberania nacional. No período recente, por impulsos produtivos ou especulativos do capital internacional, tem aumentado o controle externo da terra no Brasil e em outros países do Sul. O controle da terra pelo capital externo é a via da apropriação das nossas imensas riquezas naturais do subsolo, do solo, e agora do ar, com os mercados intangíveis (tipo carbono), definidos pela Lei de Mudanças Climáticas e pelo Novo Código Florestal.

Além desse argumento, somente com a ampliação das áreas camponesas teremos possibilidade de evitar a destruição absoluta da biodiversidade, a principal vítima do modelo agrícola dominante baseado na homogeneidade e escala, o que projeta ameaças à segurança alimentar. Não obstante, também está dado, como reconhecem altas autoridades da ONU, que a evolução do processo de aquecimento global deverá resultar em profunda crise alimentar em escala global caso mantido o atual padrão de agricultura. Não há dúvidas sobre a maior capacidade de resiliência da agricultura camponesa às adversidades desse processo, o que requer políticas para a vasta ampliação da base produtiva camponesa. Ou seja, a reforma agrária passa a assumir essa dimensão absolutamente estratégica no presente século.

 

"Por 80 bilhões de dólares aceitamos que dois produtos nobres do agronegócio respondam por 88% da nossa safra de grãos"

IHU On-Line – Como a afinidade entre MST e PT influencia a luta pela terra?

 

Gerson Teixeira – No caso específico dessa relação, o MST se encontra basicamente isolado. Estou convencido de que a maior parte da militância e das lideranças petistas mantém vivos os compromissos programáticos históricos do PT pela reforma agrária. Contudo, a tradução desses compromissos em ações práticas mais arrojadas pela reforma agrária tem sido sobrestada pelas circunstâncias de um governo do PT partilhado ‘além da conta’ por forças muito conservadoras.

Além disso, contraditória e compreensivelmente, o próprio MST teve que reposicionar o nível das lutas sociais pela terra que vinha em um crescente até 2002 para evitar confronto maior com um governo controlado por um aliado histórico, porém pouco diligente na matéria por temor de danos à governabilidade.

Acho, inclusive, que a experiência da difícil sobrevivência nesse ambiente de tensão política já por mais de dez anos refletirá fortemente nos debates e resultados do VI Congresso do MST, que ocorrerá a partir do próximo dia 10 de fevereiro. E não se trata apenas de um reposicionamento na intensidade das lutas de massa, mas, sobretudo, de mudanças conceituais que serão decisivas para o futuro do MST e da luta pela própria reforma agrária em nosso país. Luta essa que por certo conta com outros atores sociais importantes, todavia, no período histórico recente, sem o peso da atuação do MST.

Afinal, precisamos decantar bem e refletir mais ainda sobre os desdobramentos políticos práticos daquilo que o Movimento vem pregando e que será objeto do Congresso, que é a chamada reforma agrária popular.

Não tenho acúmulo nesse debate do Movimento, portanto, não teria condições de opinar a respeito. Mas entendo que somente teremos êxito no objetivo estratégico (para o país) de enfraquecer o agronegócio, com a ampliação do controle da terra pelos camponeses, combinada com formação e organização desse segmento social. Sublinho tanto a terra como a formação e a organização política, pois só assim haverá condições de lutas, por exemplo, por outra matriz tecnológica na agricultura; conquista essencial para a população brasileira e fatal para os interesses dos capitais que controlam o agronegócio. Camponês com terra, mas sem algum nível de formação e desorganizado, é agricultor familiar do agronegócio (agronegocinho).

A estratégia em consideração exige capacidades pensantes e de mobilização para a luta, o que o MST tem de sobra. Resta discutir se cuidados em excesso na luta pela terra para a preservação de uma boa sincronia com o governo não acabam, inclusive, prejudicando o próprio governo, por limitar o salto, para um plano estruturante, dos avanços sociais inaugurados desde 2003.

IHU On-Line – E as relações atuais entre governo e bancada ruralista? Como a participação do agronegócio na balança comercial brasileira impacta a luta pela terra?

Gerson Teixeira – Em que pese as manipulações nesse cálculo, a balança comercial do agronegócio, turbinada pelo boom dos preços das commodities agrícolas desde meados da década anterior, tem sido a “joia da coroa” dos discursos oportunistas dos ruralistas. Junto com as receitas cambiais do mineronegócio, temos a equação que sustenta a opção questionável de uma economia primário-exportadora. Por 80 bilhões de dólares ficamos reféns políticos de um segmento que envenena os brasileiros, destrói o meio ambiente, viola direitos; que retira do país as enormes vantagens econômicas de se tornar território livre dos transgênicos. Por 80 bilhões de dólares aceitamos que dois produtos nobres do agronegócio respondam por 88% da nossa safra de grãos. Por via de consequência aceitamos as pressões inflacionárias, fruto das elevadas vulnerabilidades da oferta interna de alimentos que integram a dieta básica da nossa população. Enfim, por 80 bilhões de dólares mantemos o Brasil entre os líderes da concentração da terra em todo o mundo. Conseguiremos ser desenvolvidos nesses termos?

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?

Gerson Teixeira – Sim, gostaria de desejar muito êxito ao 6º Congresso do MST, e que a partir de então as lutas pela chamada reforma agrária popular tomem o rumo e a intensidade adequados numa relação de parceria com o governo, ainda que mais tensa, contudo construtiva para o bem do próprio governo e do país. Afinal se os ruralistas, que “têm tudo e mais alguma coisa”, ainda assim encurralam o governo o tempo todo na defesa da ampliação dos seus ganhos seccionais, chegando mesmo a constranger publicamente Ministros na Câmara dos Deputados, por que os trabalhadores não animariam a relação com o governo com um upgrade nas lutas em defesa de interesses que, no fim das contas, são de toda a nação?

Fonte: IHU – Unisinos

A fraude de reforma agrária em Santa Catarina


A fraude da reforma agrária em Santa Catarina. Entrevista especial com Gert Schinke

 

“Dezenas de pessoas receberam mais que uma gleba de terra pública, o que é um despautério diante da proposta da reforma agrária”, informa o historiador.

 

Foto: www.geoensino.net
 

A atuação do Instituto de Reforma Agrária de Santa Catarina – IRASC no estado catarinense, na década de 1960, durante a ditadura militarbrasileira, culminou numa “antirreforma agrária”, dizGert Schinke, autor de O golpe da reforma agrária(Florianópolis: Insular, 2015), à IHU On-Line. Segundo ele, desde 1964 o órgão foi “paulatinamente instrumentalizado para executar mera ‘regularização fundiária’ e distribuição de glebas em supostas terras devolutas pertencentes ao Estado de Santa Catarina”.

 

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail,Schinke explica que sua pesquisa documental apresenta dados até então desconhecidos na historiografia regional de Santa Catarina, demonstrando que tanto a “suposta regularização fundiária” iniciada nos anos 1960 quanto a distribuição de terras devolutas “pouco ou nada tinham a ver com a questão da ‘justiça fundiária’, mas, sim, com a entrega de terras públicas para os correligionários da Aliança Renovadora Nacional – ARENA, partido da ditadura, alguns também para o fantoche Movimento Democrático Brasileiro – MDB, antecessor doPMDB, para pessoas que não tinham qualquer vínculo com atividade no campo”.

De acordo com o historiador, a operação antirreforma agrária “também eliminou as dezenas de ‘áreas de uso comum’ no litoral e serra catarinense”. Tal processo, explica, gerou “nitidamente o vertiginoso surgimento demegaempreendimentos imobiliários que, no litoral de Santa Catarina, são emoldurados com a paradisíaca paisagem das baías e montanhas à beira-mar”.

Gert Schinke é historiador e ecologista. Atualmente é presidente do Instituto para o Desenvolvimento de Mentalidade Marítima – Inmar, e ex-presidente da Federação das Entidades Ecologistas Catarinenses – FEEC.

 

Legenda: o retângulo mostra em escala proporcional
à ilha, o território concedido sobre ela pelo Estado de
Santa Catarina. No centro da ilha, o polígono da
‘Meia légua em quadro’ entregue pela Coroa ao município
de Florianópolis em 1823./Mapa cedido pelo entrevistado

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line – Quais são as novidades de seu livro sobre a atuação do Instituto de Reforma Agrária de Santa Catarina – IRASC nos anos 1960?

Gert Schinke – É preciso salientar que o período em que o IRASCperpetrou a maior fraude fundiária na história recente do país se passa na ditadura civil-militar, pano de fundo que possibilitou a forma como agiu e implementou a ‘antirreforma agrária’. Fundado em fins de 1961, o órgão iniciou uma singela reforma agrária sob o governo de Celso Ramos que foi bruscamente interrompida com o golpe, em março de 1964. Daí em diante foi paulatinamente instrumentalizado para executar mera ‘regularização fundiária’ e distribuição de glebas em supostas terras devolutas pertencentes ao Estado de Santa Catarina. Minha pesquisa revelou dados absolutamente desconhecidos na historiografia regional: tanto a suposta ‘regularização fundiária’ quanto a distribuição de terras devolutas pouco ou nada tinham a ver com a questão da ‘justiça fundiária’, mas, sim, com a entrega de terras públicas para os correligionários da ARENA – Aliança Renovadora Nacional, partido da ditadura, alguns também para o fantoche MDB – Movimento Democrático Brasileiro, antecessor do PMDB, para pessoas que não tinham qualquer vínculo com atividade no campo. Consumou-se uma fraude total à proposta da reforma agrária. Sobre esta ainda se consumou outra fraude, a jurídica/legal, pois o Estado entregou terras que pertenciam àUnião dentro da Ilha de Santa Catarina, assim como entregou glebas em território que pertencia ao Município de Florianópolis. Houve, portanto, uma dupla fraude, uma sobre a outra. Parece coisa do demônio.

IHU On-Line – Quais as implicações da atuação do IRASC no estado?

Gert Schinke  O processo atingiu 147 municípios catarinenses dos então 197 existentes, mais concentrados nas regiões litorâneas, território alvo maior da obra — a titulação para especulação imobiliária, operação esta que propiciou a ‘plataforma fundiária’ sobre a qual ela pode prosperar sem rédeas. Em um curto período de redondos 15 anos, o IRASC entregou a montanha de 16.000 títulos nessa região, sendo que destes, exatos 996 na capitalFlorianópolis, 90% dos quais na Ilha de Santa Catarina, cidade campeoníssima em quantidade dentre todos os municípios catarinenses nesse período. A ‘operação antirreforma agrária’ também eliminou as dezenas de ‘áreas de uso comum’ no litoral e serra catarinense, relação que publico no livro e exemplifico com algumas ‘privatizações’ executadas à força por via do IRASC. Não por acaso, nos últimos anos percebe-se nitidamente o vertiginoso surgimento de megaempreendimentos imobiliários que, no litoral de Santa Catarina, são emoldurados com a paradisíaca paisagem das baías e montanhas à beira-mar. Resulta desse processo, totalmente caótico em muitos casos, uma deformação total na planificação urbana, criando conurbações monstruosas desprovidas de infraestrutura de todo tipo, especialmente viária e sanitária. A reforma agrária que Celso Ramos havia iniciado ficou no papel, na lei, e esta foi solenemente ignorada.

“Os números revelaram concessões de glebas monstruosas, verdadeiros latifúndios, a considerar sua localização – em plena Ilha de Santa Catarina

IHU On-Line – Por quais razões afirma que ao invés de uma reforma agrária, houve uma antirreforma agrária?

Gert Schinke  Fazendo a compilação dos dados que minerei, chegou-se a evidenciar a proporção dos títulos entregues a pessoas ligadas ao campo, redondos um quarto, e aqueles entregues a pessoas sem vínculo com o campo. Pior, em ambos os conjuntos, constatando que dezenas de pessoas receberam mais que uma gleba de terra pública, o que é um despautério diante da proposta da reforma agrária, além de lesar a sociedade inteira ao adotar esse critério, ou não critério sob a ótica de se fazer justiça social e zelar pelo patrimônio público. Além desta constatação, os números revelaram concessões de glebas monstruosas, verdadeiros latifúndios, a considerar sua localização – em plena Ilha de Santa Catarina, para citar somente um dos exemplos, onde duas pessoas receberam nada menos que seis glebas. A maior gleba entregue pelo IRASC na capital teve 644.000 metros quadrados, entregue para uma pessoa jurídica que, poucos anos depois, a revendeu para uma pessoa que dela fez um loteamento, hoje o Bairro da Daniela. Mas isso seria pouco diante da soma com a reunião de várias glebas que algumas famílias receberam, chegando a dois milhões de metros quadrados, equivalente a 200 hectares. Estão todos lá com seus nomes, tamanhos e datas de entrega. Em verdade, ao invés de desconcentrar a propriedade, ela concentrou ainda mais a propriedade nas mãos de um conjunto ínfimo de pessoas se levadas em conta as populações totais, tanto da capital quanto do estado, como os números mostram a seguir. O IRASC entregou 69 glebas, totalizando 44.657.954 m2, 44,6 km2, somente na Ilha de Santa Catarina. Os 44,6 km2 equivalem a 74,7% da área total entregue na cidade (59,7 km2), três quartas partes do total, portanto. Todas as demais 930 glebas juntas perfazem apenas uma quarta parte da área entregue na capital. A conclusão é inarredável: operou-se a maiorconcentração fundiária já vista em toda a história.

IHU On-Line – Quais são os documentos históricos que evidenciam que, ao invés da reforma agrária, houve uma antirreforma?

Gert Schinke  A pesquisa se calcou em fontes primárias existentes em diversos arquivos públicos espalhados em diversos órgãos do estado e do município. Tive o cuidado de obtê-los com autenticação oficial para provar o que revelei, caso venha a ser provocado. De outra parte, jamais o IRASC, pasme, construiu um mapa no qual ele apontaria a localização das glebas, tarefa que consegui elaborar com muito sacrifício e quebra-cabeça, porém, restrito ao distrito do Pântano do Sul, no extremo sul de Florianópolis, e, ainda assim, somente para as glebas com mais de 100.000 metros quadrados localizadas naquela região da ilha. O retrato é ‘fabuloso’ e agora pretendo avançar para o restante da ilha adotando o mesmo critério.

Outra questão, não menos importante, que a pesquisa revela é a promiscuidade administrativa, o desleixo com o qual era tratado o processo administrativo. Constatei coisas estarrecedoras, como várias fraudes em que requerentes a glebas apresentaram-se com nomes errados de forma premeditada, coisa que a ‘consultoria jurídica’ poderia ter detectado, bastando para isso olhar os documentos, o que, constatei, não fazia. Havia lotado no órgão um rol de ‘consultores jurídicos’ que estavam lá apenas para assinar pareceres ao final do processo como mera formalidade. Não revisavam sequer os editais publicados no Diário Oficial do Estado, cheios de erros de toda sorte. Também se mostra óbvio que o órgão não tinha um cadastro geral das pessoas às quais concedeu glebas, pois este poderia inibir, talvez, a concessão de várias glebas para uma única pessoa, um escárnio diante do zelo pelo patrimônio público e diante da sociedade totalmente alijada do processo. As medições das glebas também foram feitas de forma tão precária que até hoje surgem conflitos entre vizinhos em Florianópolis por causa disso, além da precariedade na localização geográfica das mesmas, coisa que chega ao folclórico: há vários casos em que é virtualmente impossível localizar a gleba devido a não existência de marcos ou sinais geográficos que indiquem onde ela está no espaço. No que diz respeito à fraude perpetrada contra o Município, o IRASC ignorou solenemente o domínio territorial na Ilha de Santa Catarina que a Coroa havia repassado a ele nos idos de 1823, mediante a cessão do polígono chamado ‘Meia légua em quadro’, cujo mapa e documento de cessão publico no livro também de forma inédita. Na ilha, portanto, o Estado entregou terras que não lhe pertenciam, tanto da União quanto do Município, um despautério jurídico/administrativo total.

IHU On-Line – Como se deu a divisão e a ocupação das terras em Santa Catarina durante esse processo de “reforma agrária” iniciado nos anos 1960?

Gert Schinke Celso Ramos iniciou uma singela reforma agrária tentando imitar, em certa medida, seu colegaBrizola, no RS, que empreendeu um processo mais autêntico e intenso. Vivia-se um momento de enormes expectativas quanto à efetivação das chamadas ‘reformas de base’ que Jango defendia, todas elas tendo fortes bases políticas muito bem organizadas em todo tipo de movimento social, dentre os quais se destacavam os sindicatos de lavradores e camponeses Brasil afora. Em ambos os estados do sul, e de resto em todo país, o processo foi truncado pelo golpe militar. Mais uma vez, como em inúmeras vezes anteriores, a reforma agrária foi golpeada e não se consumou, coisa que ainda está por ser feita neste país do grande latifúndio improdutivo e de enorme contingente de sem-terras.

Em Santa Catarina, no entanto, ao contrário do Rio Grande do Sul, o órgão continuou suas atividades como se nada de anormal tivesse acontecido. Tabulei as entregas de concessões ano a ano por parte do IRASC em Florianópolis, o que resultou um gráfico muito ilustrativo: mostra a curva no período no qual se intensifica a entrega de títulos, justo em meio ao período mais duro da ditadura civil-militar, que entre 1972 e 1974 apontou mais de 40% das concessões na capital, fiel termômetro para o que aconteceu de resto no estado.

“As medições das glebas também foram feitas de forma tão precária que até hoje surgem conflitos entre vizinhos em Florianópolis por causa disso

    

IHU On-Line – Que destinos foram dados a essas terras concedidas pelo Instituto de Reforma Agrária de Santa Catarina?

Gert Schinke  Em meio à ditadura civil-militar e sob o jugo do sistema capitalista sem rédeas patrocinando o mais implacável modelo desenvolvimentista na história recente do país, rapidamente o maior capitalista comeu o menor. Minha constatação é de que talvez um por cento das glebas ainda esteja nas mãos daqueles que as receberam pelo IRASC. A imensa maioria, quase a totalidade destas glebas, foi parar nas mãos de especuladores, muitos munidos de informações privilegiadas, por vezes obtidas por via de uma rede de ‘despachantes de terras’, vários deles do próprio quadro de funcionários do órgão, praticando clara corrupção e advocacia administrativa. Falar hoje em uma onda de corrupção sem falar dessa época obscura é retratar a história com miopia que distorce a compreensão do fenômeno do país. Acaba por se mostrar uma meia verdade, pois ela também existiu em larga escala durante a ditadura civil-militar, fato que acabo evidenciando apenas com o exemplo de como foi feita a concessão de terras públicas, ainda que limitado a um único estado da federação.

IHU On-Line – Como era a produção agrícola e agropecuária no estado de Santa Catarina antes e como ficou depois da atuação do Instituto de Reforma Agrária de Santa Catarina?

Gert Schinke  A ‘operação antirreforma agrária’ foi deflagrada quase concomitantemente à ‘revolução verde’, processo que detalho no meu outro livro chamado ‘ECOPLAMENTO – Teoria que explica o processo de assimilação do colapso ecológico por parte do sistema capitalista global’ e que operou a produção agropecuária na monocultura e criações intensivas, uma das razões para concentrar a terra, condição para que a anterior pudesse prosperar. Porém, dada a proporção do minifúndio em Santa Catarina, ela foi menos impactante que em outros estados do sul. No entanto, na Ilha de Santa Catarina, parte da capital, a operação acabou de vez com o que então ainda existia de produção agropecuária, revelada no livro com uma preciosa tabela calcada no Censo de 1970 do IBGE, coisa que o público também desconhecia completamente. Em Florianópolis, a operação substituiu a produção agropecuária pelaespeculação imobiliária que explodiu depois da virada do milênio. A cidade se tornou totalmente dependente de importação de alimentos e mantimentos de toda ordem, coisa que até os anos 70 se afiguravam totalmente diferente e, por pressuposto, muito mais interessante sob todos os pontos de vista.

IHU On-Line – Quais foram as pessoas envolvidas nesse processo de divisão das terras em Santa Catarina?

Gert Schinke  Em um dos capítulos do livro eu analiso a ‘cadeia de comando’, conceito militar que ilustra uma governança sob um regime ditatorial, qualquer que seja. Sendo o governador nomeado pelos generais, que, por sua vez, nomeava o Presidente do IRASC, além do prefeito da capital, era óbvio que os três níveis obedeciam ao comando de uma política central emanada no nível superior da cadeia — Brasília. Construí, em caráter inédito também, um quadro no qual nomeio toda a cadeia de comando existente no período em que o IRASC funcionou, desde o presidente da República até o presidente do órgão, o que proporciona uma análise das mais interessantes e curiosas, para não dizer outra palavra. Dou nome aos bois, como diz o jargão, mas este seria o menor problema. O maior foi a nefasta herança que legaram para nossa geração e as futuras, que amargarão os preços dos metros quadrados, absolutamente impagáveis para a grande maioria da população. Um detalhe curioso chama muito atenção: nenhuma pessoa ocupando os cargos que apresento no quadro que mencionei, com exceção dos presidentes da República, foi militar; todos foram civis, o que demonstra uma gestão exercida pelos civis em perfeita harmonia com a direção militar, fato que vem reforçar o conceito de ditadura ‘civil/militar’ quando nos referimos ao caráter do regime ditatorial.

IHU On-Line – Que relações estabelece entre o modo como a divisão das terras foi feita e o fato de ela ter sido feita durante o período de Ditadura Militar no país?

Gert Schinke  Sob uma ditadura, qualquer que seja, não há oposição política, não há contestação popular, a primeira coisa a ser eliminada pelos ditadores. Os governantes podem fazer o que quiserem. Não há procuradores para defender a sociedade e muito menos os ‘direitos difusos’. Como observei anteriormente, a política se executou através de uma ‘cadeia de comando’ num período de trevas onde quem protestasse poderia sumir, ser eliminado, ser perseguido na melhor das hipóteses, como constatou a Comissão Nacional da Verdade. Ela, no entanto, não pesquisou os crimes contra o patrimônio, nem os de colarinho branco, coisa que ficou a dever para o país e que ainda terá que ser feita, mais dia, menos dia. Quando trago à tona crimes contra o patrimônio, inaugurei um novo campo de pesquisa que se mostrou, em verdade, como dos mais férteis, pois se constata um verdadeiro buraco negro na história recente do país e sobre o qual pouco se sabe. A comida que Dom Pedro II comia é mais comentada que os processos de corrupção durante a ditadura. Há uma grande tarefa historiográfica pendente.

IHU On-Line – Que consequências a atuação do Instituto de Reforma Agrária de Santa Catarina trouxe para o estado posteriormente e de que modo essas consequências se manifestam ainda hoje em relação à questão do uso da terra?

Gert Schinke  O processo desencadeado pelo IRASC teve o papel de ‘tampão’ na plataforma fundiária do estado. No livro apresento o que chamo de ‘Casa fundiária de SC’, um retrato esquemático da sucessão dos diversos processos que antecederam este período e que nos dão uma noção mais acurada dos mesmos ao longo dos últimos séculos. Esta pesquisa, ainda bastante superficial, é agora objeto do meu trabalho atual. Ela, porém, já propiciou um inédito cruzamento com os ciclos de desmatamento da Mata Atlântica, agora calcado nas sucessivas ‘plataformas fundiárias’ que alimentaram a destruição da mata e suas sucessivas regenerações. Hoje, em muitas regiões já vemos a terceira ‘mata adulta’, produto de duas destruições anteriores, por mais inacreditável que possa parecer esse fato.

Em Florianópolis, além dos ciclos de desmatamentos sobrepostos aos ciclos fundiários, a operação do IRASC acabou por consumar verdadeiros ‘bairros do Irasc’, pois algumas pessoas transformaram suas glebas em loteamentos clandestinos, os quais, ao longo dos anos, mostraram-se uma dor de cabeça para os órgãos públicos, e por outro lado, presa fácil para politiqueiros ‘legalizarem’ terrenos junto aos mesmos. Dar nomes de ruas em loteamentos clandestinos, encaminhar pedidos de ligação da luz, licenciar obras e encaminhar emendas de zoneamento urbano se transformaram nas maiores tarefas da maior parte dos vereadores da capital até bem recentemente. No livro apresento um ‘menu’ de escândalos fundiários eclodidos nas últimas duas décadas na capital, período posterior ao IRASC, portanto, motivo pelo qual bem lhe cabe o título de ‘ilha da magia’.

 

 

“Um detalhe curioso: nenhuma pessoa ocupando os cargos que apresento, com exceção dos presidentes da República, foi militar, todos foram civis

IHU On-Line – Que área de Santa Catarina o senhor reivindica como sendo o Parque Natural do Pântano do Sul? Que destino foi dado a essa área?

Gert Schinke  Esta grande área de planície inundável felizmente ainda se encontra incólume em sua maior parte, e justamente a mais frágil face aos ecossistemas que reúne, uma verdadeira relíquia da Mata Atlântica situada na região sul da Ilha de Santa Catarina. A planície, de quinze anos para cá, é ‘alvo’ de dois enormes empreendimentos imobiliários, fator que me levou a iniciar a pesquisa sobre a sucessão dominial nessa região, focando nos dois empreendimentos que, de início, mostravam claros indícios de ‘grilagem’ de terra.

Chegando aos documentos do IRASC, constatei que havia me enganado sobre a suposta ‘grilagem’, pois os documentos mostraram que os empresários haviam comprado as glebas de pessoas que as haviam recebido pelo órgão anos antes e, junto com outras glebas menores, reuniram enormes polígonos territoriais. Porém, em cima de banhado, APP, área onde a lei impede edificações e urbanização.

O livro publica estas glebas como um mapa no qual estão localizadas. A ameaça que desde então existe sobre a planície despertou um grande movimento pela criação de uma unidade de conservação de proteção integral, cujo processo está engavetado na atual administração municipal. Devido a esta sabotagem, o processo está sob pressão dos ministérios públicos para que tramite e chegue a seus ‘finalmentes’, pois até mesmo conta com a chancela do corpo técnico do órgão municipal de meio ambiente. Hoje no Brasil, especialmente em cidades como Florianópolis, instala-se uma verdadeira guerra quando se propõe criar uma nova unidade de conservação, diante da voracidade daespeculação imobiliária que parece não ter freio algum.

IHU On-Line – Que outras áreas de Santa Catarina o senhor questiona como sendo resultado de um processo ilegal ou equivocado?

Gert Schinke  Todo o litoral catarinense, como salientei anteriormente, é alvo de cobiça por parte do capital imobiliário e grande parte das áreas ainda disponíveis hoje tem passivos jurídicos de difícil solução. A par desta questão, não há uma macroplanificação que indique claramente onde poderá se dar a expansão urbana. O exemplo mais claro é a retaliação feita no Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, região que recebeu dezenas de concessões por parte do IRASC e que recentemente foi alvo de uma ‘recategorização’, eufemismo para tomada de áreas de conservação ecológica para sobre elas empreender processos urbanísticos, uma calamidade que contou com o apoio de inúmeros atores da elite política estadual. São inúmeras as áreas com as mesmas características espalhadas no litoral catarinense e que deveriam ser objeto de restrições urbanísticas em face da importância que tem para a conservação dos lençóis aquíferos, da biodiversidade e outros tantos serviços que a natureza nos presta gratuitamente. Aí reside um fator fulminante: tudo o que é gratuito não interessa ao capital, não rende lucro para alguém que possa empregá-lo e fazer acontecer o que alguns chamam de desenvolvimento. É o que mais se vê hoje no Brasil, infelizmente.

IHU On-Line – Qual tem sido a repercussão do seu livro no estado?

Gert Schinke  No dia seguinte ao lançamento, que foi em 2 de junho, e que contou com a presença de João Vicente Goulart, filho do saudoso presidente João Goulart, deposto pelo golpe e que iniciou um verdadeiro processo dereforma agrária, nós o protocolamos como ‘peça de denúncia pública’ nos Ministérios Públicos Federal e Estadual.Há poucos dias, resultante do inquérito instaurado no MPF-SC, foi exarada uma ‘Recomendação’ (80-2015) que alerta dezenas de órgãos públicos com atribuições nas questões fundiárias a observarem uma série de medidas administrativas quanto às denúncias que o livro revela. É o primeiro passo para a retomada de algumas terras ao patrimônio público dentre as que foram fraudadas. O livro apresenta exemplos de ações judiciais que reverteram o domínio de glebas em Florianópolis para a União, evidenciando a correção da minha tese que mostra a fraude perpetrada pelo Estado de Santa Catarina, através do IRASC, contra a União e o Município quanto ao tratamento dado às terras na Ilha de Santa Catarina naquele período.

Acontece que, observada a devida cautela, os procuradores até agora somente abordavam casos isoladamente, pois ignoravam o ‘conjunto da obra’ do IRASC, coisa revelada pelo livro. Para muitos deles também acabou sendo uma surpresa total ao constatarem a dimensão do processo e da forma como foi executado. O livro instalou um alvoroço e apreensão por parte de inúmeros setores, alguns diretamente envolvidos com os processos imobiliários e de planificação urbana, além da área jurídica e política. Mas, acima de tudo, ele deveria causar um alvoroço nos movimentos sociais ligados às questões fundiárias, de habitação popular e ecológicos, dentre outros, justo os que seriam os maiores beneficiários, coisa que caminha lentamente no ritmo em que os movimentos também caminham.

“Todo o litoral catarinense é alvo de cobiça por parte do capital imobiliário e grande parte das áreas ainda disponíveis hoje tem passivos jurídicos de difícil solução

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Gert Schinke  Agradeço imensamente a oportunidade para divulgar este trabalho que exigiu muito esforço, meu e também do editor, para que incentive pesquisas também em outros estados que, durante a época da ditadura, tinham órgãos estaduais para executar supostas reformas agrárias. Por outro lado, alertar tanto os pesquisadores quanto as autoridades quanto ao estado precário em que estão nossos acervos históricos. Uma das coisas mais terríveis e angustiantes que constatei foi o precário estado de conservação do ‘material restante’ em todos os órgãos pelos quais circulei em Santa Catarina, e, neste caso, com o agravante de não terem ainda sido digitalizados, alimento para as traças e fungos.

É evidente que não interessa às autoridades cúmplices desse processo patrocinado pelos seus correspondentes anteriores, assegurar a preservação desta documentação. Há, por exemplo, situações em que determinados processos estão microfilmados já em estado precário, mas sequer os originais físicos existem mais, consumando um misterioso ‘sumiço’ nos autos dos processos administrativos, um escândalo por si só. A par de alguns abnegados funcionários que reconhecem esta situação, mostram-se impotentes diante dos superiores que, na maioria das situações, optam por destinar os recursos públicos para coisas das mais estapafúrdias, como, por exemplo, renovação de frotas de veículos, ‘praxe’ da qual o país parece não conseguir se livrar.

Por Patricia Fachin

Fonte: IHU

 

Alimentos da reforma agrária beneficiam crianças de escolas municipais em São Paulo


 

           

As crianças das escolas municipais da cidade de São Paulo passam agora a ser beneficiadas com os alimentos produzidos nos assentamentos da Reforma Agrária. Na primeira semana de outubro, a prefeitura realizou o primeiro contrato de comércio de alimentos com cooperativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). A assinatura do contrato da chamada pública aconteceu no Departamento de Alimentação Escolar da prefeitura. Serão entregues 930 toneladas de arroz orgânico produzido pela Cooperativa dos Trabalhadores dos Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap), no Rio Grande do Sul, ao valor de R$2,4 milhões, beneficiando 1.400 famílias da região.

Para Nelson Krupinski, da coordenação da Cootap, essa é mais uma prova das potencialidades da reforma agrária, além de também permitir desenvolver ainda mais os assentamentos. “Essas parcerias permitem criar um cenário e estabelecer metas mais palpáveis de produção. Nos dá segurança de que se pode continuar a produção orgânica, desenvolve os assentamentos e fortalece a agricultura familiar”, destaca. Serão beneficiados 260 mil alunos da Educação Infantil da Rede Municipal, sendo que o objetivo é ampliar cada vez mais esse número.

Para o assentado, a satisfação é ainda maior pelo destino que terá todo o esforço da produção das famílias. “São crianças que irão comer esses alimentos sem agrotóxicos, um público que de fato precisa o que nos dá ainda mais alegria”. Isso possibilita, segundo Nelson, repensar qual o modelo de produção de alimentos que se pretende para o povo brasileiro, e o “Estado tem essa responsabilidade de oferecer alimentos saudáveis à população, ainda mais se tratando de crianças”.

“Isso é a prova de que é possível produzir orgânico, que não é caro, e que não é necessário recorrer ao modelo convencional defendido pelo agronegócio, com enormes utilizações de agrotóxicos”, acredita. Já estão previstos novos contratos de outros alimentos, como feijão, para serem fechados entre a prefeitura de São Paulo e cooperativas do MST.

Laísa Mangelli

Outubro 2013

Fonte: Brasil de Fato

Lutas Sociais do Campesinato


Lutas Sociais do Campesinato na Contemporaneidade no Brasil, artigo de Horacio Martins de Carvalho

[EcoDebate] O campesinato brasileiro sempre viveu e ainda vive num ambiente de constante conflitualidade social onde a característica fundamental é a tentativa constante dos latifundiários e dos empresários capitalistas no campo de se apropriarem das terras e dos territórios dos camponeses. Não há paz, até porque a lógica expansionista do capital induz os empresários capitalistas à apropriação privada das terras devolutas e das públicas, assim como de todas as demais terras privadas que não estejam direta ou indiretamente sob seu controle político e econômico. Nessas circunstâncias as lutas sociais camponeses fazem parte, ainda que a contragosto, do cotidiano camponês.

“(…) Compreendemos a conflitualidade como uma relação inerente ao processo de desenvolvimento do capitalismo no campo. Essa relação ocorre pelo enfrentamento entre os principais territórios da questão agrária brasileira: o território do campesinato e os territórios do latifúndio e do agronegócio. Compreendemos o latifúndio e o agronegócio como territórios do capital por causa de suas similaridades e diferencialidades excludentes: a grande propriedade, a especulação imobiliária, os grandes impactos ambientais, a superprodução e superexploração e a concentração do poder político e econômico. O latifúndio exclui pela improdutividade e especulação imobiliária privando os camponeses de acesso à terra. O agronegócio exclui pela produção em larga escala e intensa territorialização, impossibilitando o camponês de acesso à terra…”1

Numa formação econômica e social sob a hegemonia do grande capital nacional e multinacional predomina a idéia de que a terra está destinada para as grandes empresas capitalistas, estas consideradas pelas classes dominantes como eficazes e portadoras dos ideais do modelo agrícola-agrário hegemônico, ou seja, grandes extensões de terras, monocultivo, sementes transgênicas, uso intensivo de agrotóxicos, produtos destinados para a exportação e amplamente motomecanizadas. Supostamente, ainda que não de forma generalizada, essas grandes empresas estão relacionados com o capital bancário aplicado não apenas nos setores industrial e de serviços, num jogo determinado pelos mercados oligopolistas, ora como capital especulativo ora como produtivo, seja na agropecuária e ou nos reflorestamentos para fins industriais.

Se na área rural ainda há campesinato (s), nas suas mais distintas formas e designações (pequenos proprietários de terras, arrendatários, parceiros, foreiros, agregados, colonos, ocupantes, sitiantes, caipiras, sertanejos, extrativistas…), isso se deve à sua resistência social contra as mais distintas formas de violação da sua unidade de produção ou d extrativismo, desde a violência explícita exercitada por pistoleiros até as ameaças veladas; desde a formulação de políticas públicas que os submetem aos circuitos de comercialização e agroindustrialização sob o domínio da burguesia até a sua expulsão da terra pela conivência silenciosa entre interesses dos capitalistas no campo e setores das instituições públicas cooptadas pelo grande capital.

(…) Os conflitos no campo são definidos como as ações de resistência e enfrentamento que acontecem em diferentes contextos sociais no âmbito rural. Envolvem a luta pela terra, água, direitos e pelos meios de trabalho ou produção. Ocorrem entre classes sociais, entre os trabalhadores ou por causa da ausência ou má gestão de políticas públicas.” 2

A desigualdade social hoje existente no campo, com fortes reflexos nas cidades, é consequência direta dessa relação de violência provocada pela expansão capitalista no campo e pelas políticas públicas a ela subalternas.

Portanto, não é de estranhar que a cada ano se amplia a violência3 no campo e como consequência o número de ocorrências4 por conflitos de terras. Segundo a Comissão Pastoral da Terra – CPT nacional5, durante o ano de 2010, verificou-se 638 ocorrências por conflitos de terras envolvendo 351.935 famílias e 30 assassinatos; em 2014 esses números foram de 793 ocorrências envolvendo 600.240 famílias e 36 assassinatos. Até junho de 2015 já foram registrados 23 assassinatos no campo.

Essa escalada da violência no campo por parte dos latifundiários e empresas capitalistas, através de ações explícitas de grilagem de terras e de tentativas de desalojar os camponeses de suas terras, é consequência direta da impunidade dos seus autores, estes considerados ideologicamente pelas classes dominantes e seus intelectuais orgânicos como os agentes da modernização conservadora na agricultura —- economicamente concentradora e socialmente excludente, que se verifica no país em especial desde 1985 (ainda que a sua origem remontasse à década de 1950).

Esse modelo de modernização teve e tem como premissa que se deveria desenvolver a produtividade e o aumento da oferta de produtos para a exportação no campo sem que se mudasse a estrutura agrária nem se abordasse a questão da propriedade privada. Isso significou, entre outras premissas defendidas pelas classes dominantes, que não deveria haver qualquer restrição — apesar da legislação vigente, à concentração e centralização da terra.

Nesse sentido qualquer ação de políticas públicas favoráveis à reforma agrária só poderia ocorrer, apesar das enormes pressões políticas e de ações direta de ocupação de terras pelos movimentos sociais no campo, a partir dos interesses de classe da burguesia que, em tais contextos, no limite tolerariam um reordenamento fundiário localizado sob a hegemonia das suas conveniências. Nesse contexto histórico todas as ações da burguesia foram contrárias a qualquer reforma agrária popular, razão pela qual é constante e já institucionalizada a repressão política e policial governamental às ações de ocupação de terras dos movimentos sociais que apoiam a redistribuição social da terra.

Como uma das consequências dessa modernização conservadora houve aumento da concentração e da centralização da posse e uso da terra, assim como da apropriação privada dos demais recursos naturais como florestas, águas e minérios.

A pressão econômica e política sobre o campesinato é histórica. Desde o período das sesmarias no Brasil colônia os camponeses têm sido considerados pelas classes dominantes, e por ampla parcela da intelectualidade que lhe é orgânica, como os ‘pobres do campo’: necessários, mas desprezíveis.

É oportuno ressaltar, inclusive, que predominou na literatura econômica e social sobre o campo uma abordagem onde a unidade de produção camponesa era considerada como uma forma marginal de produção. Parcela dos autores com essa perspectiva

(…) colaboraram para a sedimentação de visões preconceituosas que insistem em atribuir irracionalidade às práticas sociais dos produtores familiares. Em consequência, irreconhecem assim o papel econômico e político desses agentes produtivos na constituição e na reprodução da sociedade brasileira; e sua luta pelo acesso a meios de produção que lhes assegurem autonomia relativa, em geral qualificada pela contraposição a formas abusivas de exploração e à instabilidade na posição de trabalhador (…)”6

Porém, para a afirmação da hegemonia (direção intelectual e moral, além da dominação econômica) da burguesia no campo foi imposto a toda a sociedade brasileira um projeto político-ideológico a partir da segunda metade do século XX em que

(…) o desenvolvimento da agricultura é concebido como resultado imediato da incorporação de tecnologias capazes de superar o ‘atraso’ do meio rural em relação às atividades urbano-industriais. Trata-se da imposição de uma racionalidade econômica centrada no lucro, na produção em escala, na especialização funcional, no individualismo e na competição, rotulando como ‘atrasadas’ todas as visões e vivências incongruentes com o paradigma ‘moderno’.”7

Paulo Petersen8 denominou essa racionalidade econômica tecnocrática e generalista de “memoricídio cultural” que tornou irrelevante a produção local de conhecimentos, onde a noção de “arte da localidade” é substituída por

(…) parâmetros técnicos e econômicos prescritos pelas modernas ciências agrárias (que) passaram a determinar aas rotinas de trabalho na agricultura pela via dos mercados.”

Essa ‘modernização conservadora’ dos latifúndios, pela expansão da lógica capitalista contemporânea de produção no campo brasileiro, representou a negação de inúmeros valores fundamentais para que a agricultura se orientasse num sentido de harmonização ou coevolução entre os homens e a natureza. Assim como a reforma agrária, a agroecologia foi descartada pelas classes dominantes e com ela os valores biodiversidade, memória cultural, diferenciação cultural, conhecimentos locais, convívio harmonioso com a natureza, agricultura camponesa, autonomia relativa camponesa… Verificou-se, dessa maneira, a sugestão de Toledo e Barrera-Bassols9 de que a sociedade moderna padece de amnésia e tende a perder a sua capacidade de recordar. Nesse sentido

As bases culturais e ecológicas que permitiram que a civilização chegasse ao estágio atual vêm sendo dilaceradas, gerando um perigoso aumento da vulnerabilidade das modernas sociedades. Reconstruir essas bases é uma condição urgente para a superação da crise de civilização que ameaça o futuro da espécie.10

Quando no início deste texto eu afirmei que não há paz no campo, condição essa devido à lógica da acumulação do capital que tende à concentração e à centralização de terras e dos negócios relacionados com a agropecuária, eu estava subentendendo nessa assertiva que as turbulências sociais provocadas pelo processo de expansão capitalista no campo afetariam e afetam diretamente não apenas a economia, mas também a cultura camponesa.

A pressão da burguesia contra a unidade de produção camponesa, no sentido de absorvê-la pela incorporação de suas terras ao patrimônio dos capitalistas e ou de submetê-las economicamente à venda de seus produtos por preços vis em mercados oligopolizados e oligopsônicos, não apenas sufoca a economia camponesa como diretamente destrói a sua cultura, a diversidade das culturas camponesas.

São inúmeras as formas de como se constituíram as culturas camponesas —- não apenas devido à grande diferenciação territorial existente no país como à variabilidade das características edafoclimáticas e históricas locais e regionais, no processo de crescimento e desenvolvimento da formação econômica e social brasileira. Nesse sentido se pode afirmar que no Brasil estão presentes diversos campesinatos e, portanto, diferentes culturas camponesas.

Mesmo quando as culturas camponesas resistem aos impactos a elas nocivos pela expansão capitalista, este modo de produção fomenta a adoção da racionalidade burguesa em todas as demais unidades de produção no campo, num processo perverso de tentativa de homogeneização dos processos produtivos no país. Isso se dá através da ideologia dominante e das políticas públicas.

Historicamente a racionalidade capitalista sempre esbarrou com a diversidade dos modos de produzir e de viver camponês11. Deu-se, em consequência, e continua se dando, um confronto entre diferentes concepções de mundo: a capitalista e aquelas dos distintos povos do campo brasileiro, entre eles os camponeses.

As lutas sociais camponeses são respostas a essas assíduas e históricas tentativas da burguesia de transformar, em todo o território nacional, os modos de produzir das populações rurais em empresas capitalistas. Por si só essas tentativas político-ideológicas já significam formas de constrangimento e destruição física e moral praticadas pela burguesia sobre o campesinato. São ações continuadas de desconstrução do histórico-cultural camponês e dos outros povos do campo.

As lutas sociais camponesas são respostas objetivas a essas tentativas de usurpação dos direitos camponeses, lutas essas plenas de sofrimentos para a população envolvida. Se considerarmos além dos conflitos por terra aqueles conflitos sociais trabalhistas, por água e outros (conflitos em tempos de seca, política agrícola e garimpo) foram envolvidas em 2010 um total de 559.401 pessoas e em 2014 esse número foi de 817.102 pessoas.12 É um crescimento do número de pessoas em situação de conflito social que evidencia não apenas o desrespeito em relação às pessoas, mas, sobretudo, que potencializa a desigualdade social no campo no país.

O expansionismo capitalista é cruel e intolerante. Aos que resistem às suas intenções são ou destruídos ou considerados pejorativamente como ‘atrasados’, superados, não modernos, portanto ‘restos históricos’ ou ‘povos sem destino’.

A modernização conservadora no campo imposta ao país pelas classes dominantes durante mais de três décadas — como acentuei anteriormente, nada mais foi do que uma maneira institucionalizada de concretizar as aspirações burguesas de homogeneizar as formas de produção no campo. No entanto, a maioria dos camponeses resistiu, resiste e nega o modo de produzir capitalista. E como do ponto de vista dos dominantes essa atitude camponesa desafia o poder de classe da burguesia, instaurou-se os conflitos sociais no campo, não mais como supuseram alguns setores da esquerda tradicional que excluíam as possibilidades da luta de classes entre camponeses e burguesia e consideravam como luta de classes apenas a relação antagônica entre burguesia agrária e proletariado rural. Não, os camponeses como classe social só poderão se afirmar como sujeito social histórico se enfrentarem, pelos mais distintos meios, os interesses de classe da burguesia no campo.

Por esse, entre outros motivos, é que os camponeses necessitam defender as suas memórias e cultivar as suas sabedorias. Reconstruir hodiernamente a sua ou as suas identidades sociais para poderem se comportar, numa sociedade de classes e com profundas desigualdades sociais, como classe social.

Ora, a agricultura camponesa é um setor da economia rural que se consolida a partir da diversidade biológica e cultural. A ação antrópica dos camponeses tem por base uma relação de coevolução homem e natureza. A reprodução social camponesa pressupõe, nesse sentido, também a reprodução endógena da natureza: um convívio construtivo e harmonioso entre o homem e a natureza. Possuem por isso mesmo diferenças fundamentais em relação ao modo de produção capitalista, de tal forma que os tornam —- camponeses e capitalistas, antagônicos.

A habilidade e sabedoria dos camponeses permitem que eles combinem, de acordo com as suas circunstâncias econômicas e políticas conjunturais, os conhecimentos tradicionais e os científicos, sem necessariamente se submeterem à onda dominante da inovação tecnológica burguesa capital-intensiva.

Sem dúvida que nesses embates e disputas, sejam os de natureza política sejam os que buscam alternativas tecnológicas que lhes sejam socialmente apropriadas13, os camponeses desenvolvem uma práxis social que lhes proporciona não apenas a reprodução social da sua família como produtores rurais, mas a afirmação de um modo de produzir que nega e supera as formas sugeridas pelas empresas capitalistas de geração de tecnologias. O conflito entre sementes nativas e aquelas produto da transgenia é exemplo desse conflito de interesses.

Sem dúvida alguma que parcela dos camponeses capitula perante as ofertas burguesas de tecnologias tendendo, então, para a artificialização da agricultura e, como consequência, para a homogeneização das formas de produzir. Negam os conhecimentos tradicionais e a agroecologia e, com eles, o modo de produzir camponês e suas tecnologias socialmente apropriadas.

Identificada pela velocidade vertiginosa das mudanças técnicas, cognitivas, informáticas, sociais e culturais que impulsionam uma racionalidade econômica baseada na acumulação, centralização e concentração de riquezas, a era moderna (consumista, industrial e tecnocrática) tornou-se uma era prisioneira do presente, dominada pela amnésia, pela incapacidade de se lembrar tanto dos processos históricos imediatos quanto daqueles de médio e longo prazo.”

“Essa deficiência está relacionada a uma ilusão alimentada por uma espécie de ideologia do ‘progresso, do desenvolvimento e da modernização’ que não tolera nenhuma forma pré-moderna (e, em sentido estrito, pré-industrial), que é automaticamente qualificada como arcaica, obsoleta, primitiva e inútil (…)”14

Enfim, poderia afirmar que as lutas sociais camponeses são diversificadas devido às diferentes maneiras como a burguesia agrária ensaia subalternizar os camponeses. Por isso não há paz. Ao contrário, o campo brasileiro é perpassado por inúmeros conflitos sociais, alguns explícitos como aqueles que comentamos anteriormente e registrados nas ocorrências dos conflitos de terra. Mas outros se dão de maneira subliminar seja através da ideologia que as tecnologias capital-intensivas são portadoras, seja pela indução à adoção de tecnologias que a maior parte das políticas públicas determina.

Não existe, nesse sentido, vácuo ideológico. Isso porque dois modelos ou padrões tecnológicos se confrontam: a) o da artificialização da agricultura (modelo clássico na agricultura) defendido e imposto pelas burguesias agrária, financeira e industrial, e b) outro representado pelo convívio harmonioso com a natureza que é sugerido pela agroecologia e pelas práticas produtivas de parcelas dos campesinatos que negam a proposta dominante de ‘agricultura industrial’.

Os camponeses, apesar de contemporaneamente participarem de diversas organizações e movimentos sociais populares de representação dos seus interesses de classe, nem sempre possuem pré-disposição nem formação política suficiente para a luta ideológica no confronto com as classes dominantes burguesas e seus intelectuais orgânicos.

É claro que as ideologias dominantes da ordem social estabelecida desfrutam de uma importante ‘posição privilegiada’ em relação a todas as variedades de ‘contraconsciência’. Assumindo uma atitude positiva para com as relações de produção dominantes, assim como para com os mecanismos auto-reprodutivos fundamentais da sociedade, podem contar, em suas confrontações ideológicas, com o apoio das principais instituições econômicas, culturais e políticas do sistema todo. Ao mesmo tempo em que se identificam ‘interiormente’, digamos assim, com os processos contínuos de reprodução socioeconômica e político-ideológica, podem estipular a ‘praticabilidade’ como ‘pré-requisito absoluto’ para a avaliação da seriedade ou da inadmissibilidade categórica da critica, bem como da legitimidade da mudança social. Assim, não é acidental que as ideologias dominantes insistam nas insuperáveis virtudes do ‘pragmatismo’ e da ‘engenharia social gradual’, rejeitando (no mais das vezes, pela simples atribuição de algum rótulo exorcizante) todas as formas de ‘síntese total’ ou de ‘holismo’ — isto é, nas palavras autoconfiantes de uma de suas figuras representativas15, qualquer concepção da ordem social ‘radicalmente diferente daquela estabelecida’ ” 16

Mesmo com todas as limitações políticas e culturais, os camponeses enfrentam as situações de opressão a que estão sujeitos no seu dia-a-dia e ensaiam afirmar sua autonomia relativa perante o capital. No entanto essa resistência social é, na maior parte das vezes, constrangida pelo apoio massivo das políticas públicas ao agronegócio (indiretamente uma negação do campesinato).

Cresce em todo o país a resistência social camponesa que se manifesta nas diversas lutas sociais nos mais distintos contextos históricos, políticos e geográficos, como informam as estatísticas da CPT nacional sobre ocorrências de conflitos de terra, água e outros (ver nota de rodapé 2 deste texto).

Ainda que parcela dos camponeses possa negar a ordem social dominante na sua totalidade, essa negação radical exigiria outra concepção de mundo distinta e contrária da hoje hegemônica; uma ideologia abrangente não apenas sobre o universo tecnológico, mas sobre o mundo da produção e societário. E, mais uma vez, conforme as reflexões de Mészáros17,

(…) Sem a intervenção ativa de uma ideologia abrangente, o potencial estratégico das mudanças mais ou menos extensivas que são espontaneamente postas em movimento em diferentes pontos do sistema social não pode ser articulado, pela falta de um ponto comum significativo que retenha e aumente cumulativamente a sua importância — que, isoladamente, é muito limitada. Como resultado, as mudanças particulares desprovidas de um quadro estratégico de referência (que apenas uma ideologia corretamente definida pode proporcionar) em geral ficam limitadas à ‘ imediaticidade’ de seu potencial estreitamente circunscrito.”

Literatura citada

  • Carvalho, Horacio M. (1982). Tecnologia socialmente apropriada: muito além da questão semântica. Londrina, IAPAR, agosto, 36 p. (Documentos, IAPAR, 4)

  • CPT – Comissão Pastoral da Terra. Conflitos no campo no Brasil 2014, CPT Nacional 40 anos. Goiânia, abril 2015.

  • ——— Comissão Pastoral da Terra. Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno – CPT, 27/03/2015.

  • Girardi, Eduardo P. e Fernandes, Bernardo M. (2009). Geografia da conflitualidade no campo brasileiro, in Lutas camponesas contemporâneas: Condições, dilemas e conquistas. Vol. II. A diversidade das formas de luta no campo, in Fernandes, Bernardo M, Medeiros, Leonilde S. e Paulilo, Maria I. (orgs.). São Paulo: Editora UNESP; Brasília: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural.

  • Mészáros, Itsván (2004). O poder da ideologia. São Paulo, Boitempo Editorial.

  • Neves, Delma Pessanha (2009). Constituição e reprodução do campesinato no Brasil: legado dos cientistas sociais, in Neves, Delma Pessanha (org.). Processos de constituição e reprodução do campesinato no Brasil. Vol. II, Formas dirigidas de constituição do campesinato. São Paulo: Editora UNESP; Brasília, DF: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural.

  • Toledo, Victor M. e Barrera-Bassols, Narciso. A memória biocultural. A importância ecológica das sabedorias tradicionais. São Paulo, Editora Expressão Popular; AS-PTA.

  • Petersen, Paulo (2015). Agroecologia: um antídoto contra a amnésia biocultural. In Toledo, Victor M. e Barrera-Bassols, Narciso. A memória biocultural. A importância ecológica das sabedorias tradicionais. São Paulo, Editora Expressão Popular; AS-PTA.

—–oo—–

1

 Girardi, Eduardo P. e Fernandes, Bernardo M. (2009). Geografia da conflitualidade no campo brasileiro, in Lutas camponesas contemporâneas: Condições, dilemas e conquistas. Vol. II. A diversidade das formas de luta no campo, in Fernandes, Bernardo M, Medeiros, Leonilde S. e Paulilo, Maria I. (orgs.). São Paulo: Editora UNESP; Brasília: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural. Citação pp. 340-341.

2

 CPT – Comissão Pastoral da Terra. Conflitos no campo no Brasil 2014, CPT Nacional 40 anos. Goiânia, abril 2015, p. 69.

3

 Violência essa entendida como qualquer forma de constrangimento e destruição física ou moral exercidos

sobre o campesinato e seus aliados (CPT, 2013), in CPT, op. cit., abril de 2015, p. 69).

4

 Os dados sobre os Conflitos por Terra se referem à soma das ocorrências e famílias que foram despejadas, expulsas, ameaçadas de despejo ou expulsão, tiveram seus bens destruídos ou sofreram ações de pistolagem. Goiânia, CPT nacional, op. cit. 2015, p. 96.

5

 CPT- Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno – CPT, 27/03/2015.

6

 Neves, Delma Pessanha (2009). Constituição e reprodução do campesinato no Brasil: legado dos cientistas sociais, in Neves, Delma Pessanha (org.). Processos de constituição e reprodução do campesinato no Brasil. Vol. II, Formas dirigidas de constituição do campesinato. São Paulo: Editora UNESP; Brasília, DF: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural. Citação pp. 303-304.

7

 Petersen, Paulo (2015). Agroecologia: um antídoto contra a amnésia biocultural. In Toledo, Victor M. e Barrera-Bassols, Narciso. A memória biocultural. A importância ecológica das sabedorias tradicionais. São Paulo, Editora Expressão Popular; AS-PTA, citação p. 11.

8

 Petersen, Paulo. Op. cit. p. 12.

9

 Toledo, Victor M. e Barrera-Bassols, Narciso. A memória biocultural. A importância ecológica das sabedorias tradicionais. São Paulo, Editora Expressão Popular; AS-PTA, citação p. 17.

10

 Petersen, Paulo. Op. cit. p. 14

11

 O mesmo ocorrendo com as populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas, extrativistas e pescadoras artesanais.

12

 CPT. Conflitos no campo no Brasil 2014. Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno. Goiânia, abril de 2015, p. 19.

13

 Ver Carvalho, Horacio M. (1982). Tecnologia socialmente apropriada: muito além da questão semântica. Londrina, IAPAR, agosto, 36 p. (Documentos, IAPAR, 4).

14

 Toledo, Victor M. e Barrera-Bassols, Narciso, op. cit. cap. I. O que é memória biocultural?, p. 28.

15

 Mészáros supostamente está se referindo a Raymond Aron. Ver nota de rodapé 278 na p. 233 do livro de Mészáros citado na nota de rodapé 16 deste texto.

16

 Mészáros, Itsván (2004). O poder da ideologia. São Paulo, Boitempo Editorial, citação à p. 233.

17

 Op. cit. p. 236.

 

in EcoDebate, 10/08/2015