Crocantes formigas brancas fritas. Essa é uma das apostas de um projeto internacional de pesquisa de biodiversidade para ajudar a diminuir o problema da fome. Muito consumidos no oeste do Quênia, esses insetos são uma alternativa interessante como fonte de proteína.
A iniciativa foi lançada no fim de abril e, além do Brasil e do Quênia, é liderada por Sri Lanka e Turquia.
O objetivo é identificar pelo menos 150 espécies de plantas, animais e fungos nesses países, avaliar o valor nutricional de cada uma delas e então empreender ações para aumentar seu consumo.
“Se chegarmos à conclusão de que a espécie tem uma composição nutricional que possa ajudar as populações vulneráveis, fazemos a promoção em nível local e junto às autoridades”, explica, de Roma, a especialista Teresa Borelli, da organização Bioversity, que coordena internacionalmente o projeto.
O programa se baseia na ideia de que muitos alimentos tradicionais ou ainda não domesticados foram trocados por comidas mais massificadas, mas às quais parte da população tem dificuldade de acesso.
Ou seja, há muita gente passando fome porque não tem dinheiro para comprar alimentos, quando poderiam cultivar ou mesmo extrair da floresta variedades comestíveis que nem imaginam. E a iniciativa ainda pode ter um outro efeito: ao conhecerem as propriedades nutricionais de determinadas plantas ou animais, os habitantes de cada região podem melhor conservá-las. A pesquisa também prevê a domesticação de espécies selvagens.
Brasil – No caso do Brasil, uma das apostas é a feijoa ou goiabeira-serrana, uma planta que tem como habitat natural uma área que se estende de Santa Catarina para o sul, até o Paraguai e a Argentina.
Fruta similar à goiaba, é velha conhecida da gente do campo, mas demorou a ser domesticada pelos brasileiros. Cerca de 40 anos atrás, foi levada para a Flórida, nos Estados Unidos, e depois chegou à Nova Zelândia, onde é base de produtos como compotas, geleias e até um espumante.
Mais recentemente, a feijoa foi domesticada no Brasil e deve ser mais bem aproveitada, explica Lídio Coradin, da Gerência de Recursos Genéticos do Ministério do Meio Ambiente, que trabalha na parte brasileira do projeto.
No Brasil serão analisados apenas vegetais. As variedades incluem a copaíba, o pinhão de araucária, a bacaba, o camu-camu, a jabuticaba, o umbu, além de várias outras, menos conhecidas.
A ONU estima que desde o início do século passado, cerca de 75% da diversidade de cultivos desapareceu das lavouras pelo mundo.
“Queremos ampliar a base da pirâmide, chamar atenção de que há uma fragilidade muito grande no sistema de alimentação mundial”, diz Coradin. “Imagine ter uma catástrofe que destrua as plantações de arroz. Iria dizimar milhões de pessoas”, acrescenta.
Coradin observa que o Brasil é o país mais rico em biodiversidade no mundo, mas a base da alimentação da população é de espécies exóticas. “Às vezes passamos um mês sem colocar uma espécie nativa na boca”, diz.
O melhor aproveitamento da variedade de alimentos que a natureza pode oferecer é apenas uma das medidas que a humanidade pode tomar para reduzir o número de mais de 900 milhões de pessoas que passam fome atualmente no mundo. E esse é um dos temas que a Rio+20, a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, vai discutir em junho, no Rio de Janeiro.
“Tenho uma opinião muito crítica sobre como o mundo inteiro está tratando a alimentação. Nos anos 60, se tinha uma visão de aumento da produtividade pela modernização da agricultura. E hoje, 40 ou 50 anos depois, o número absoluto de pessoas que passam fome aumentou”, critica Emma Siliprandi, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da Unicamp.
Para a especialista, a Rio+20 deveria se debruçar principalmente sobre duas questões: a primeira é desenhar um modelo de desenvolvimento rural, o significaria tomar uma posição clara em favor da agricultura familiar e concomitantemente, adotar medidas de desestimulo à grande agricultura, a da chamada “revolução verde”, por não ter sido efetiva no sentido de fazer chegar alimentos a todas as pessoas.
A agricultura familiar teria maior potencial de gerar riqueza localmente, além de empregar mais mão-de-obra. “A segunda questão é a dos agrotóxicos, com um plano de diminuição, de controle do seu uso. Não é possível um descaso tão grande com a saúde ambiental e humana”.
Fonte: Ambiente Brasil