A Conferência sobre Diversidade Biológica (CDB), que ocorreu nas últimas duas semanas em Hyderabad, na Índia, terminou com alguns avanços, mas também decepções. Se por um lado a conservação dos oceanos ganhou pontos, por exemplo, com o reconhecimento das Áreas Marinhas Ecologicamente ou Biologicamente Significativas (EBSAs, em inglês), esses mesmos pontos foram perdidos no financiamento para a proteção da biodiversidade, que ficou muito aquém do esperado.
O acordado sobre os investimentos em biodiversidade para cumprir as Metas de Aichi, firmadas em 2010, foi acrescentá-los em US$ cinco bilhões até 2015, o que significa elevá-los a US$ 10 bilhões por ano. De 2015 a 2020, quando as metas expiram, os investimentos devem manter no mínimo este mesmo nível. No entanto, segundo o WWF, o investimento anual em biodiversidade deveria ser US$ 200 bilhões ao ano, muito acima do definido atualmente.
Também ficou acordado que até 2015, pelo menos 75% dos países participantes da CDB terão incluído a biodiversidade nos seus planos nacionais e prioridades de desenvolvimento, além de adotarem medidas para melhoria do financiamento para conservação e restauração da biodiversidade.
“O acordo alcançado sobre financiamento nesta COP de Hyderabad é decepcionante, porque não garante recurso suficiente para alcançar as metas ambiciosas de proteção da biodiversidade no mundo”, lamentou Lasse Gustavsson, diretor executivo de Conservação do WWF Internacional.
De acordo com Maria Cecília Wey de Brito, secretária-geral do WWF-Brasil, os custos para implementar o plano estratégico das Metas de Aichi poderiam variar entre US$ 150 bilhões e US$ 430 bilhões anuais. “Esses são valores altos, mas que nem se comparam aos US$ 750 bilhões ao ano que os governos têm gasto em subsídios com a indústria dos combustíveis fósseis”, afirmou ela.
Já o governo do Brasil, país que abriga 13% da biodiversidade mundial, viu com olhos mais otimistas os resultados do encontro, e para Francisco Gaetani, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, a falta de ambição dos europeus não comprometeu o bom resultado da reunião, principalmente para as nações mais pobres.
“Não foi a negociação dos nossos sonhos, mas assegurou um compromisso com a alocação dos recursos necessários para que se inicie o processo de cumprimento das negociações das Metas de Aichi”, disse o chefe da delegação brasileira.
“Não foram os recursos que esperávamos, mas foram suficientes para permitir que a gente pudesse trabalhar particularmente os megadiversos no cumprimento das Metas de Aichi. Obviamente estamos falando dos megadiversos mais pobres, porque países como China, Índia e Brasil têm recursos para enfrentarem seus desafios como, aliás, o Brasil tem feito. Mas, para os megadiversos mais pobres, o que aconteceu foi extremamente importante”, acrescentou.
Um ponto importante foi a promessa da Índia de destinar US$ 50 milhões à conservação da biodiversidade. “O fato de a Índia ter assumido um compromisso financeiro em nível nacional e internacional estabelece um precedente para outras economias emergentes oferecerem mais apoio à conservação da biodiversidade global”, explicou Wey de Brito.
Áreas protegidas
Um dos pontos fortes do texto final da conferência foi o reconhecimento das EBSAs pela CDB, principalmente levando em consideração que os ambientes costeiros e marinhos ocupam apenas 1,6% das áreas protegidas do mundo.
A convenção chamou a atenção para a importância de se criar iniciativas de conservação nessas áreas, bem como atentou para que os países implementem medidas para minimizar os impactos das atividades de pesca na biodiversidade marinha.
Sobre as áreas protegidas em terra, a conferência enfatizou que os locais habitados por indígenas e comunidades locais podem ser reconhecidos como contribuintes para a conservação da diversidade biológica. Os países devem trabalhar com estes povos, buscando a sua participação e consentimento prévio e informado.
Clima
Além disso, outros assuntos importantes, como a Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) e o papel da iniciativa privada na conservação da biodiversidade e o Plano Estratégico da CDB, por exemplo, também foram debatidos no evento.
Com relação ao REDD, o texto final fala especificamente das salvaguardas de biodiversidade. Foi estabelecido um consenso por meio da utilização das Metas de Aichi como referência de indicadores.
“Se a CDB não tiver uma atuação mais imperativa, com forte influência em questões de biodiversidade que podem estar relacionadas com clima, essa convenção acabará por ter seu mandato reduzido”, observou Mauro Armelin, superintendente de conservação do WWF-Brasil.
“Os países e a secretaria executiva da CDB saem daqui agora com o desafio de se apropriarem melhor dos temas de biodiversidade e chegar à próxima COP (na Coreia do Sul) com mais subsídios para a tomada de decisão sobre as salvaguardas a serem recomendadas, com mais segurança para a convenção de clima, por exemplo”, ressaltou Armelin.
A conferência resolveu manter a moratória sobre experimentos de geoengenharia relacionados às mudanças do clima, especialmente à fertilização dos oceanos. As decisões já tomadas exigem que estes experimentos sejam restritos às águas territoriais e que devem ser feitos em pequena escala.
Economia
Em se tratando do papel da iniciativa privada, o documento final da convenção pediu que as empresas melhorem as considerações sobre biodiversidade e serviços ecossistêmicos em suas atividades, como a transparência das informações de gestão e investimentos, a preocupação com a regularidade jurídica e socioambiental e com a cadeia produtiva e a avaliação dos impactos sobre a biodiversidade.
“A iniciativa privada no Brasil acompanha esta tendência. Um exemplo deste engajamento é o Movimento Empresarial pela Biodiversidade – Brasil (MEBB) e sua participação nos Diálogos pela Biodiversidade, onde também atuamos e com os quais mantemos forte articulação”, enfatizou a secretária geral do WWF-Brasil.
“As decisões acordadas nesta conferência sobre negócios e biodiversidade reforçam o papel do setor privado e do governo para a adoção de práticas e estratégias que contribuem com o alcance das Metas de Aichi. Tais estratégias e práticas contribuem ainda à realização de análises de risco dos segmentos mais impactantes e à redução dos incentivos perversos à conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos”, completou.
Políticas
O texto tratou ainda do Plano Estratégico da CDB, principalmente no que se refere ao apoio à capacitação para proteção da biodiversidade. Entretanto, alguns países ainda necessitam desenvolver suas Estratégias Nacionais de Biodiversidade e Planos de Ação (NBSAPs, em inglês).
O documento cita que algumas estratégias de sucesso já existentes podem servir de referência para isso, como o Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), as iniciativas regionais, como a Visão Amazônica, e os processos dos Diálogos pela Biodiversidade.
Finalmente, no texto também ficou decidido que a CDB continuará a ser realizada a cada dois anos, o que acontecerá até 2020, quando haverá nova análise sobre a frequência do encontro.
Fonte: Instituto Carbono Brasil