Sobrevivência do Protocolo de Kyoto em jogo


A primeira fase do acordo internacional sobre corte de emissões de gases-estufa termina neste ano. Se não for renovada, será a última.

 

A reunião de Doha terá que definir como fica o acordo, com que metas e com quais países. Há muitos problemas. Entre as nações ricas, os Estados Unidos, o Canadá e o Japão disseram que estão fora do segundo período de compromissos de Kyoto. A Rússia pode ser problemática, e os europeus podem não querer ficar sozinhos arcando com os custos. Ontem, mais um estudo revelou que as emissões de gases-estufa estão bem além do limite seguro para conter o aquecimento global.

 

O Protocolo de Kyoto é o único acordo legal internacional que existe hoje no mundo para cortar emissões de gases-estufa e tentar reduzir os impactos da mudança climática. Entrou em vigor em 2005 e prevê que os países ricos deveriam fazer cortes de emissão de gases-estufa de 5,2%, em média, entre 2008 e 2012, em relação aos níveis de 1990. É um instrumento que produz muitas controvérsias.

 

Os Estados Unidos, os maiores emissores à época em que Kyoto foi criado, ficaram fora do acordo desde o início. O Canadá, que assinou o Protocolo, anunciou recentemente que estava recuando do compromisso. De 1997 – quando Kyoto foi negociado, no Japão – para cá, a geopolítica das emissões mudou. Hoje a China é o maior emissor do mundo, e o país está fora das obrigações do Protocolo, assim como as outras economias emergentes. Tudo isso produz tensões entre os países que se reúnem anualmente nas chamadas CoPs, as conferências do clima da ONU, para tentar chegar a um consenso.

 

Na última edição, em 2011 em Durban, na África do Sul, os negociadores acertaram que Kyoto continuaria em 2013. A União Europeia aceitou a proposta, assim como a Noruega, a Suíça e recentemente a Austrália. Mas o Japão, às voltas com problemas com sua matriz energética depois do acidente de Fukushima, e a Nova Zelândia anunciaram que não concordam. A Rússia é um mistério.

 

Os EUA e a China, os dois maiores emissores do mundo hoje, observam os movimentos um do outro e estão ambos fora dos compromissos de Kyoto.

 

Todos os países decidiram, em Durban, que em 2015 criariam um novo acordo internacional para vigorar a partir de 2020. A União Europeia quer que bases sólidas do novo acordo, a ser adotado em três anos, saiam de Doha. Negociadores de Brasil, África do Sul, Índia e China (o grupo Basic), reunidos em Pequim, divulgaram ontem um comunicado dizendo que as discussões do novo acordo climático internacional não avançarão no Qatar a menos que os países ricos prometam cortes mais ambiciosos nas emissões de gases.

 

"Doha pode ser um encontro da maior importância", disse ao Valor o chefe dos negociadores brasileiros, embaixador André Corrêa do Lago. "Pode significar o fechamento de 20 anos de uma linha de negociação, o final de um capítulo", prossegue. "E abrir uma fase totalmente nova no regime climático internacional", continua. "No ano que vem começa a negociação de um novo acordo, em que todo mundo irá participar, inclusive os Estados Unidos", diz.

 

Porque manter Kyoto é importante, se só uma parcela dos países emissores está dentro e ele cobre apenas uma pequena parte das emissões do mundo? Para a União Europeia, praticamente sozinha no jogo, Kyoto garante a continuidade do sistema multilateral na questão climática, tem regras claras e sistemas de compensação para ajudar os países com compromissos a reduzirem suas emissões. É a base do mercado de carbono europeu, mesmo se agora os preços da tonelada de carbono estejam pouco atraentes. "Kyoto mantém vivo um acordo com reduções obrigatórias para os países desenvolvidos durante a negociação do próximo instrumento", diz um negociador. "Se Kyoto não existisse, teríamos que começar a negociar sem nenhuma base legal forte."

Fonte: Jornal Valor