“A permacultura é a saída para a pobreza”.


Confira a entrevista com a gestora ambiental Clarice Pimentel

                              

Um modo de vida em total harmonia com a natureza. Você conhece a permacultura? Tarde de sábado, sol escaldante sobre a cabeça, cerca de 10 pessoas reunidas num quintal cheio de árvores de uma casa tendo uma aula prática sobre bioconstrução. A iniciativa é do grupo Biomundo, que foi inaugurado efetivamente no dia 5 de outubro de 2013, mas já se organizava há cerca de um ano. Entrevistamos a idealizadora da Biomundo, a gestora ambiental Clarice Pimentel, 32, que oferece oficinas ambientais e incentiva a permacultura.

Quando você começou a ter uma vida mais sustentável?

Clarice – Estudava cinema, mas queria fazer alguma coisa mais atuante na sociedade. Sempre tive  interesse pela natureza e acabei descobrindo as ecovilas, que é um sistema de vida em uma comunidade sustentável, e elas tem como princípio a permacultura, que é esse conceito de se utilizar das tecnologias da natureza para viver sustentavelmente. A partir disso encantei-me e procurei formação acadêmica. Fui fazer gestão ambiental. Formei-me e continuei pesquisando. Por conta da gravidez eu tive uma interrupção nesse processo, mas ano passado eu e meu marido nos mudamos para essa casa. Eu queria viver numa ecovila, mas não foi possível porque meu marido trabalha na cidade e então criei um local onde as pessoas possam vir. A permacultura tem a característica de trabalhar com o coletivo, e é isso que a gente faz aqui na Biomundo com nossas oficinas.

Um dos princípios essenciais da permacultura é o trabalho em conjunto?

Clarice – Justamente, pois não é só sua cabeça pensando, são várias. Hoje em dia as pessoas são muito individualistas, e quando se socializam está tudo muito vinculado à bebida ou um tipo de festividade que não tem muito a ver com o trocar, com a unidade. A permacultura permite você fazer as coisas junto com os outros, o que me encanta muito.

Como o que fizemos aqui hoje na oficina de bioconstrução?

Clarice –  Sim, já começa pelo conceito de bioconstrução, que é construir coisas com o menor impacto ao meio ambiente, e sempre procurando aproveitar o máximo dos materiais utilizados. O que construímos no coletivo é algo que vai ser eterno, permanente. É muito muito bonito porque você pode olhar e pensar ‘Eu participei da construção disso’. A minha casa é de todas as pessoas, e essa é a ideia que eu quero passar com a Biomundo.

            

 

E como a permacultura se envolve nisso? Qual a origem dela?

Clarice – Com reciclagem, com reaproveitamento, com designs ecológicos… A permacultura é um método de planejamento para sistemas ambientalmente sustentáveis. O conceito foi criado pelos ecologistas australianos Bill Mollison e David Holmgren, na década de 70. Eles observaram os impactos do humano no meio ambiente e a partir disso criaram o conceito de cultura permanente, de criar uma forma de viver sistematicamente em comunhão com o seu meio. Práticas como a captação de água de chuva, bioconstrução, horta familiar, reciclagem e reutilização de materiais fazem parte da permacultura. Ela usa os conhecimentos antigos em parceria com a tecnologia moderna, como o ferrocimento. 

Explique um pouco mais sobre o ferrocimento?

Clarice – O ferrocimento é uma coisa nova, e visa minimizar o impacto no meio ambiente. É uma das técnicas que mais gosto porque você tem muita autonomia, você pode fazer desde uma pia, uma cama, uma estante, a essa cobertura que começamos aqui hoje, então você tem o poder de construir o seu espaço, do seu jeito e com sua criatividade causando o menor impacto possível ao meio ambiente. Hoje a gente vive numa sociedade muito terceirizada, sempre outro que vai fazer, o outro que planta, e você só consome e alimenta um sistema que vai beneficiar só algumas pessoas. Na permacultura não, você faz isso junto.

A permacultura pode ser aplicada em todos os aspectos da vida?

Clarice – A permacultura é muito ampla, é uma outra forma de vida, ela abrange todas as áreas, a arquitetura, a arte, as roupas, os alimentos principalmente. Ela incentiva bastante a horta familiar, algo que eu também apoio, pois  vivemos uma crise alimentar, nosso alimento é contaminado por agrotóxicos e na agricultura familiar você pode ter sua horta em casa e ter uma alimentação limpa.

A permacultura parece algo que vai de encontro com o capitalismo, qual sua opinião sobre a aceitação dessa prática no futuro?

Clarice – Realmente, se observarmos o momento de agora, é difícil a boa recepção pela sociedade, mas se você pesquisar na internet há movimentos como o ‘Do It Yourself’ que significa literalmente ‘Faça você mesmo’, há milhões de vídeos e tutoriais ensinando a fazer alguma coisa, desde bolo, a roupas, a um tanque pra lavanderia… As pessoas já estão indo atrás dessas coisas, mesmo que de uma forma mínima. Acredito que a minha geração não vá ver as grandes mudanças, mas isso não é tão grave, o importante é que as pessoas continuem trabalhando em prol disso, é um processo contínuo. O capitalismo acaba propondo o extermínio da espécie, já enfrentamos grandes problemas como o aquecimento global e a poluição, tudo isso afeta as pessoas, elas só não tem noção disso ainda, as gerações futuras que irão sentir, e elas vão ter que tomar uma atitude e procurar formas alternativas para reverter o que foi feito, e espero que elas percebam isso a tempo. No Brasil a gente tem essa ilusão de ‘excesso de natureza’, mas vai chegar um momento que isso vai ficar escasso. Isso a gente vê em países mais evoluídos que começam a procurar formas alternativas porque já abusaram do que tinham de natural. Em algum momento o ser humano vai ter que perceber.

           

Na sua opinião, qual a melhor forma de passar esses conceitos para as pessoas?

Clarice – Pelas crianças. É mais fácil ensinar para uma criança os hábitos sustentáveis do que para um adulto que já tem uma postura de consumo e já está ‘viciado’ no mundo capitalista. Quanto mais cedo as crianças tiverem acesso a essa informação sustentável e ecológica, de que elas podem ter sua horta em casa, que elas podem construir coisas e que é importante não agredir o meio em que vivem, melhor será, porque ela vai saber que ela pode. Hoje a gente vive numa sociedade que fala que ‘não pode’, que dificulta e limita muito as opções. 

As crianças muitas vezes não sabem de onde realmente vem os alimentos que elas consomem, não é?

Clarice – Exatamente. Se elas soubessem que esse alimento foi plantado por outras pessoas, e que todo objeto e qualquer coisa com que interagirmos vêm de algum lugar, que está tudo interligado e conectado ela não fica no vazio e percebe que as coisas são mais profundas, e que tudo tem sentido, e assim começa a ter uma percepção mais realista. As crianças podem ter a noção que o tomate que vem do mercado pode sair do quintal dela, e isso dá certo valor porque foi ela que plantou, ela que produziu. É claro que muitas vezes a rotina das pessoas não permite que elas se dediquem tanto à criação de uma horta em casa, por exemplo, mas você pode criar algum temperinho como uma cebolinha ou algo mínimo que seja, separar seu lixo e fazer uma compostagem ou talvez criar uma cisterna pra captação de água de chuva, e isso já é um bom começo. 

As pessoas não procuram formas alternativas porque não aprenderam?

Clarice – Exato, e você se questiona ‘E porque essas práticas sustentáveis não são divulgadas? Porque isso não é uma coisa que eu aprendo na escola tradicional?’ Nós vivemos numa sociedade em que é interessante que você se torne um inútil. Você só produz o capital que vai ser pra outra pessoa, você fica com uma pequena parte. Trabalhamos cinco dias da semana, não ganhamos bem e ficamos tão cansados que procuramos nos satisfazer comprando coisas, isso é normal porque todos querem ser felizes, só que esse processo não é saudável, é uma coisa temporária que desgasta muito. O que a gente está consumindo? O que estamos produzindo pro nosso futuro? É importante levantar essa questão. Não é preciso ser totalmente radical, mas você pode começar a ter pequenas atitudes que significam bastante. Não podemos fazer as coisas pensando se outros estão fazendo, temos que fazer por nós, por nossa consciência, e a partir disso você vira exemplo para outras pessoas e multiplica as coisas. 

Há algo mais que queira acrescentar?

Clarice – A permacultura precisa ser divulgada, pois ela visa a prosperidade. Ela é a chave para o fim da pobreza. Você ensina a pessoa a fazer e ela vai multiplicar isso. Se ela tem uma casa de palafita ela pode ter uma casa de barro, que é muito mais resistente. A permacultura é a saída pra escassez. Eu posso construir meu mundo, não preciso comprar o mundo, faço meu mundo.

 

Fotos e entrevista: Matheus de Lucca

Fonte: http://www.otremnews.com/2013/12/a-permacultura-e-saida-da-pobreza.html

 

Laísa Mangelli