Papa diz temer guerra pela água


Em encíclica, Papa diz temer guerra pela água ainda neste século

O Papa Francisco culpa a “humanidade” pelo aquecimento do planeta em sua encíclica sobre o meio ambiente publicada nesta quinta-feira (18), e ainda afirmou temer que o controle pela água por parte das grandes empresas mundiais termine por provocar uma guerra neste século.

“É previsível que o controle da água por parte de grandes empresas mundiais se converta em uma das principais fontes de conflitos deste século”, escreveu o pontífice, que viveu na Argentina, sua terra natal, as tensões sociais pela privatização da água.

Francisco pediu na encíclica “mudanças do estilo de vida”, e acusa as potências e suas indústrias de fazer um “uso irresponsável” dos recursos.

“A humanidade está convocada a tomar consciência da necessidade de realizar mudanças de estilo de vida, de produção e de consumo”, escreveu o Papa, que acusa a “política e as empresas de não estarem à altura dos desafios mundiais”, depois de terem feito um “uso irresponsável dos bens que Deus colocou na Terra”.

O Papa também denunciou “a submissão da política à tecnologia e às finanças” como causa dos fracassos nas reuniões mundiais para conter o aquecimento global e a deterioração do planeta. Ele ainda denunciou o atual sistema econômico mundial que usa a “dívida externa como instrumento de controle” e os países ricos por não reconhecerem a “dívida ecológica” que têm com os países em desenvolvimento.

“A submissão da política ante a tecnologia e as finanças se mostra no fracasso das reuniões mundiais”, escreveu o papa em um texto que acusa os “poderosos” de não querer encontrar soluções.

“A dívida externa dos países pobres se transformou em um instrumento de controle, mas não acontece o mesmo com a dívida ecológica (…) com os povos em desenvolvimento, onde se encontram as mais importantes reservas da biosfera e que seguem alimentando o desenvolvimento dos países mais ricos ao custo de seu presente e de seu futuro”, afirma o documento apresentado nesta quinta-feira no Vaticano.

Francisco também pediu aos países ricos que aceitem um “certo decrescimento” para conter o consumismo e a pobreza.

“Chegou o momento de aceitar um certo decrescimento em algumas partes do mundo aportando recursos para que seja possível crescer de maneira saudável em outras partes”, escreve o pontífice, que pede “limites” por que é “insustentável o comportamento daqueles que consomem e destroem mais e mais, enquanto outros não podem viver de acordo com sua dignidade humana”.

Conheça os principais trechos da “encíclica verde”do papa Francisco, chamada “Laudato si’”

O Homem é responsável pelo aquecimento – “Inúmeros estudos científicos relatam que a maior parte do aquecimento global das últimas décadas se deve à concentração de gases do efeito estufa (dióxido de carbono, metano, óxido de nitrogênio e outros) emitidos principalmente por causa da atividade humana”.

“Se a tendência atual continuar, este século poderá testemunhar mudanças climáticas inéditas e uma destruição sem precedentes dos ecossistemas, com graves consequências para todos nós”.

“A humanidade é chamada a tomar consciência da necessidade de realizar mudanças de estilo de vida, de produção e consumo, para combater o aquecimento global ou, pelo menos, as causas humanas que o provocam e o agravam”.

Negociações internacionais – “Infelizmente, muitos esforços para encontrar soluções concretas para a crise ambiental falham frequentemente, não só por causa da oposição dos poderosos, mas também por uma falta de interesse por parte dos outros”.

“A fraqueza da resposta política internacional é impressionante. A submissão da política à tecnologia e às finanças se revela no fracasso das cúpulas” sobre o clima.

“Muito facilmente o interesse econômico prevalece sobre o bem comum e manipula informações para não ver seus projetos afetados”.

“A tecnologia atual baseia-se sobre combustíveis fósseis altamente poluentes – especialmente o carvão, mas também o petróleo e, em menor extensão, o gás – que precisam ser substituídos de forma gradual e sem demora”.

“A estratégia de compra e venda de ‘créditos de carbono’ pode dar origem a uma nova forma de especulação, e isso não serviria para reduzir a emissão global de gases poluentes.”

“Nós sabemos que as coisas podem mudar. O Criador não nos abandona (…) ele não se arrepende de nos ter criado. A humanidade ainda possui a capacidade de trabalhar em conjunto para construir a nossa casa comum.”

Responsabilidade para com os mais pobres – “As regiões e os países mais pobres têm menos oportunidades de adotar novos modelos para reduzir o impacto das atividades humanas sobre o meio ambiente, porque eles não têm a formação para desenvolver os processos necessários, e não podem pagar por isso. É por isso que temos de manter uma consciência clara de que, na mudança climática, há diversas responsabilidades”.

“Chegou o momento de aceitar uma certa diminuição do crescimento em algumas partes do mundo, fornecendo recursos para o crescimento saudável em outras partes.”

“Qualquer abordagem ecológica deve incorporar uma perspectiva social que leve em conta os direitos humanos das pessoas mais desfavorecidas (…). A tradição cristã nunca reconheceu como direito absoluto ou inviolável o direito à propriedade privada, ela destaca a função social de todas as formas de propriedade privada”.

Água e guerras – “É previsível que, frente ao esgotamento de alguns recursos, seja criado gradualmente um cenário favorável para novas guerras, disfarçadas de reivindicações nobres.”

“Enquanto a qualidade da água disponível está em constante deterioração, há uma tendência crescente em alguns lugares de privatizar este recurso limitado (…). Espera-se que o controle da água por grandes empresas globais torne-se uma das principais fontes de conflito neste século “.

Crítica ao consumismo – “Quando nós não reconhecemos o valor de um pobre, de um embrião humano, de uma pessoa que vive em uma situação desfavorável (…) é difícil ouvir os gritos da própria natureza.”

“A cultura do relativismo é a mesma doença que leva uma pessoa a explorar o seu próximo e tratá-lo como um mero objeto.”

“A Terra, nossa casa comum, parece estar se tornando mais e mais em um enorme depósito de lixo.”

Demografia – “Ao invés de resolver os problemas dos pobres e de pensar em um mundo diferente, alguns se contentam em simplesmente propor uma redução da natalidade (…). O crescimento demográfico é totalmente compatível com um desenvolvimento integral e solidário. Culpar o aumento da população e não o consumismo extremo e seletivo de alguns é uma maneira de não enfrentar os problemas”.

Ilusão de soluções técnicas – “A tecnologia, ligada aos setores financeiros, que pretende ser a única solução aos problemas, é incapaz de enxergar o mistérios das múltiplas relações que existem entre as coisa e, consequentemente, resolve um problema criando um novo”.

“O antropocentrismo moderno acabou por valorizar muito mais a razão técnica em detrimento da realidade. A vida está sendo abandonada às circunstâncias condicionadas pela tecnologia, vista como o principal meio de interpretar a existência”.

Submissão ao poder financeiro – “Hoje tudo o que é frágil, como o meio ambiente, permanece indefeso contra os interesses do mercado divinizados, transformado em regra absoluta.”

“As finanças sufocam a economia real. As lições da crise financeira mundial não foram aprendidas, e levarmos em conta as lições da deterioração do ambiente com muito atraso”.

Papel das religiões – “A maioria dos habitantes do planeta declara ter fé, e isso deveria incitar as religiões a entrar em um diálogo com vista à conservação da natureza, da defesa dos pobres, da construção das redes de respeito e de fraternidade.

A mensagem bíblica – “Nós não somos Deus. A terra nos precede e nos foi dada (…). Foi dito que, a partir da história de Gênesis, que convida ‘a dominar’ a terra, incentivamos a exploração descontrolada de natureza, apresentando uma imagem do ser humano como dominador e destrutivo. Esta não é uma interpretação correta da Bíblia. É importante lembrar que os textos nos convidam a cultivar e manter o ‘jardim’ do mundo”.

“A espiritualidade cristã propõe um crescimento pela sobriedade, e uma capacidade de desfrutar (…) sem estar obcecado com o consumo.”

 (Fonte: G1)

Laísa Mangelli