Áreas Contaminadas e a Responsabilidade do Degradador Ambiental, artigo de Sandra Marcondes
“Hoje eu vi uma coisa no jardim que me chocou. Uma flor”
(Ian Mc Ewan. “Jardim de Cimento”. Trad. Luiza Lobo. Rio de janeiro: Rocco)
[EcoDebate] Área contaminada, de acordo com a CETESB – Companhia Ambiental do Estado de São Paulo -, pode ser definida como “uma área, local ou terreno onde há comprovadamente poluição ou contaminação causada pela introdução de quaisquer substâncias ou resíduos que nela tenham sido depositados, acumulados, armazenados, enterrados ou infiltrados de forma planejada, acidental ou até mesmo natural…” 1. Neste contexto, o causador do dano ambiental (pessoa física ou jurídica), conforme determina o artigo 225, § 3º da Constituição Federal, poderá ser responsabilizado, por um mesmo ato, alternativa ou cumulativamente nas esferas civil, penal e administrativa.
No tocante à responsabilidade civil mencione-se primeiramente que o Código Civil Brasileiro adota dois sistemas de responsabilidades, quais sejam: a responsabilidade civil subjetiva (art. 927) e a responsabilidade civil objetiva (art. 927, parágrafo único). No regime de responsabilidade subjetiva impõe-se a obrigação de reparar o dano àquele que, “por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, ficando “obrigado a repara-lo” (art. 186 do Código Civil). O sistema de responsabilidade subjetiva tem, portanto, seu fundamento basilar na culpa. Por essa teoria não se responsabiliza a pessoa que agiu de maneira irrepreensível, mesmo que tenha causado algum dano.
Por outro lado, a responsabilidade civil objetiva independe da existência de dolo (intenção de causar o dano) ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia). Trata-se da teoria do risco pela qual aquele que, através de sua atividade, gera um risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repara-lo, ainda que a sua atividade e o seu comportamento estejam isentos de culpa.
O Código Civil estabelece, ainda, que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano, implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (Parágrafo único, do artigo 927 do Código Civil). Assim, a responsabilidade ambiental civil pela reparação do dano ambiental é objetiva e isto porque está prevista na Lei nº 6.938/81 que dispõe no artigo 14, § 1º que o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros.
A Lei 6.938/81 ao deste modo determinar substituiu o princípio da responsabilidade subjetiva fundamentada na “culpa”, pela responsabilidade objetiva cuja base é o “risco da atividade”. Isto quer dizer que aquele que exerce atividades suscetíveis de causarem danos ao meio ambiente se sujeita à reparação do prejuízo, independentemente de ter agido ou não com culpa.
Contudo, para que seja possível o pleito da reparação do dano, é necessária a identificação do responsável, a demonstração do “evento danoso” (dano ambiental) e do “nexo de causalidade”, ou seja, é necessária a comprovação da relação causal entre a fonte poluidora e o dano.
No que tange à responsabilidade penal ambiental, vale dizer que a mesma está calcada na culpabilidade, conforme prescreve o artigo 2º da Lei de Crimes ambiental nº 9.605/98: “Art. 2º. Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade…”. Isto significa que nos crimes ambientais o elemento moral vem estereotipado tanto no dolo como na culpa. O crime doloso ocorre quando o agente quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo (art. 18, I Código Penal – redação dada pela Lei n.º 7.209, de 11.07.1984). O crime culposo se configura na hipótese de o agente provocar o resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
Em outras palavras: diferentemente da responsabilidade civil objetiva que para ser configurada independe do poluidor ter agido ou não com culpa, no que diz respeito à responsabilidade penal há de se averiguar se o agente agiu com dolo ou culpa. Saliente-se, ainda, que poderão ser responsabilizadas por eventual prática de crime ambiental a pessoa física, a pessoa jurídica, “bem como o diretor, o administrador, o membro do conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário da pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evita-la” (art. 2º, lei 9.605/98).
No tocante à pessoa jurídica, a mesma somente poderá vir a ser responsabilizada “(…) nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade” (art. 3º, Lei 9.605/98). Portanto, a teor desse artigo, a responsabilidade da pessoa jurídica fica condicionada a que a infração tenha sido cometida em seu interesse ou benefício e por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado. A responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato, na medida em que a empresa por si mesma não comete crimes.
No que tange à responsabilidade administrativa ambiental, cumpre mencionar que ela surge no momento em que as normas ambientais administrativas são ofendidas. Isso significa que as infrações administrativas se concretizam pela violação ao ordenamento jurídico-ambiental. Os pressupostos da responsabilidade administrativa ambiental são: conduta: a conduta pode ser imputada à pessoa física ou jurídica que tenha concorrido por ação ou omissão para a prática da infração, e ilicitude, ou seja, o dano ambiental que enseja responsabilidade administrativa é aquele enquadrável como o resultado descrito em um tipo infracional ou o provocado por uma conduta omissiva ou comissiva violadora de regras jurídicas.
Importante destacar que na esfera administrativa a infração é caracterizada não necessariamente pela ocorrência do dano, mas pela inobservância de regras jurídicas, de que podem ou não resultar conseqüências prejudiciais ao ambiente. Em outras palavras: a responsabilidade administrativa existe mesmo que o dano ambiental não tenha ocorrido, ou seja, o ato de contrariar normas administrativas gera a responsabilidade para o infrator. Exemplo disso é a tipificação como crime e como infração administrativa da conduta de operar atividade sem a licença ambiental exigível.
Enfim, uma constatação de contaminação de área pode deflagrar a imposição de sanções civis (cumprimento de obrigações de fazer, consistente na remediação do solo, para a integral reparação do dano, ou, se irreversível a contaminação, pagamento de indenização em pecúnia; e de não fazer, impondo-se a cessação da atividade poluidora), sanções criminais (por exemplo, crime de causar poluição: condenação da pessoa física à pena de reclusão, de um a quatro anos e multa, com base no artigo 54, da lei 9.605/98), e de sanções administrativas com pagamento de multas que podem chegar a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais) de acordo com o previsto no Decreto n.º 6.514 de 22 de julho de 2008.
Entretanto, muito mais importante do que a reparação de um dano ambiental, é a prevenção de sua ocorrência. Aliás, é a prevenção que orienta todo o Direito Ambiental. Não podem a humanidade e o próprio Direito contentar-se em reparar e reprimir o dano ambiental. A degradação ambiental, como regra, é irreparável. Como reparar o desaparecimento de uma espécie? Como trazer de volta uma floresta totalmente degradada por desmatamento ilegal? Como purificar um lençol freático contaminado com agrotóxico, esgoto e agentes poluentes?
Na reparação existe um remédio ressarcitório, na prevenção, ocorre a ação de inibição. Daí, portanto, a necessidade de que a sociedade brasileira esteja atenta no sentido de que os potenciais poluidores estejam efetivamente tomando medidas concretas de prevenção quanto à ocorrência de possíveis danos ambientais, provenientes de suas atividades produtivas. E, isso, para que os brasileiros possam efetivamente usufruir ao direito estabelecido na Constituição Federal do Brasil, de viver em um meio ambiente ecologicamente equilibrado, e, jamais se chocar com a presença de uma flor em um jardim.
Referência
1. http://areascontaminadas.cetesb.sp.gov.br/
Bibliografia
MARCONDES, S. “Brasil, amor à primeira vista! Viagem ambiental no Brasil do século XVI ao XXI”. São Paulo: Editora Fundação Peirópolis, 2005.
Sandra Marcondes é Advogada, com mestrado em Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente.
in EcoDebate, 07/08/2015