Por Michel Reiss*
Esta semana se realiza o V Congresso Internacional de Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, organizado pela Escola Superior Dom Helder Câmara. O tema do Congresso é Pan-Amazônia – Integrar e Proteger.
Com base nesse já consagrado evento, e na temática a ser debatida, teceremos algumas considerações sobre a lesão ao ambiente como crime internacional. Em última análise, preocupa-nos a proteção, inclusive no âmbito penal, com relação à Pan-Amazônia.
Tratando-se de crime internacional, a primeira referência histórica está ligada à pirataria, ainda na Idade Moderna. Entretanto, o verdadeiro marco na criação de um Direito Internacional Penal é o Tribunal de Nuremberg, após a II Guerra Mundial.
Após o surgimento de outros tribunais ad hoc para julgamento de crimes internacionais no decorrer do sec. XX, surge a grande referência atual: a criação de um tribunal permanente no âmbito criminal, o chamado Tribunal Penal Internacional. Foi criado pela Conferência de Roma, finda em 17 de julho de 1998 (cf. REISS, Michel Wencland. Tribunal Penal Internacional: Construindo o Direito Internacional Penal. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017).
Por óbvio que, tratando-se de crimes internacionais, o ambiente não poderia deixar de ser protegido. Afinal, a tutela jurídica do ambiente está incluída entre os Direitos Humanos de terceira geração (cf. FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico-constitucional do Estado Socioambiental de Direito. Porto Alegre, Livraria do Advogado: 2008), e é abordada no âmbito internacional – até mesmo porque não há como tratar de lesões vultuosas ao ambiente sem o elemento transnacionalidade.
A proteção ao ambiente começa a ser tratada pelo Direito Internacional apenas a partir da década de 1970, com a Conferência de Estocolmo de 1972, e atualmente não há dúvida que se trata de um bem jurídico com reflexos em toda a humanidade. Assim, sua tutela deve ser objeto de preocupação e implementação por toda a comunidade internacional (cf. KLEE, Paloma Marita Cavol; ZAMBIASI, Vinicius Wilder. O julgamento de crimes ambientais pelo Tribunal Penal Internacional. In.: Revista Direito e Liberdade, Natal, v. 20, n. 1, p. 141-177, jan/abr 2018, p. 144-145).
Diante da relevância e do tamanho das lesões, surge a questão: como o ambiente é protegido pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional?
O Artigo 5º prevê como competência da Corte o julgamento de quatro modalidades de crimes: genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão (este último regulamentado pela Conferência de Kampala). Em seguida apresenta a descrição de conduta específica para cada uma dessas formas.
Assim, buscando de forma mais detalhada no Estatuto de Roma, existe apenas uma menção expressa ao ambiente no art. 8º, 2, b, IV, onde se considera crime de guerra:
“… lançar intencionalmente um ataque, sabendo que o mesmo causará perdas acidentais de vidas humanas ou ferimentos na população civil, danos em bens de caráter civil ou prejuízos extensos, duradouros e graves no meio ambiente que se revelem claramente excessivos em relação à vantagem militar global concreta e direta que se previa”.
Percebe-se que se trata de uma hipótese bastante restrita, eis que envolve um contexto militar de guerra. Portanto, a proteção ao ambiente no âmbito do Direito Internacional Penal é deficitária.
Há quem defenda que lesões graves ao ambiente que não correspondam ao crime de guerra poderiam ser consideradas crimes contra a humanidade. Essa é a posição, e.g., de Klee e Sambiase:
“Agregando-se todos estes fatores, a priorização e uma possível condenação por crimes ambientais poderá consequentemente ocorrer dentro do âmbito dos crimes contra a Humanidade. Mesmo não havendo menção ao meio ambiente no artigo que trata sobre este crime no Estatuto de Roma, justifica-se esta vinculação através da conexão existente entre o meio ambiente e os direitos humanos” (op. cit., p. 158).
Ocorre que o Direito Internacional Penal deve se pautar pelo princípio da legalidade (cf. REISS, op. cit., p. 168-174). O Artigo 7º do Estatuto especifica onze crimes contra a humanidade, todos com perspectiva absolutamente antropocêntrica. Assim, ainda que seja pertinente uma alteração no texto do Estatuto, não se pode concordar com a punição da lesão ambiental como crime contra a humanidade. O princípio da legalidade no âmbito penal é uma das conquistas mais caras do ser humano.
Ainda a esse respeito, há um movimento que defende a criação de mais uma hipótese delitiva no mencionado Artigo 5º: o ecocídio. Assim a lacuna existente poderia ser suprida. (cf. http://eradicatingecocide.com).
Enfim, tratando-se da Pan-Amazônia, a proteção eficaz do ambiente deve ocorrer com base nas normas nacionais de natureza administrativa e penal. Com todos os seus defeitos, a Lei dos Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/98) está em pleno vigor e deve ser aplicada não apenas para casos de menor importância espalhados pelo Brasil afora. Essa é a forma positivada no Direito brasileiro para se tutelar no âmbito criminal a Pan-Amazônia.
*Mestre em Ciências Penais pela UFMG. Doutor em Direito pela PUC-Rio/ESDHC. Ex-Presidente da Comissão de Exame de Ordem da OAB/MG. Ex-Conselheiro Titular do Conselho Penitenciário de Minas Gerais. Membro fundador e Conselheiro Instituto de Ciências Penais; ICP. Professor da Escola Superior Dom Helder Câmara. Advogado criminalista.