“Como resultado do primeiro turno, Bolsonaro liderou em número de votos em todos os estados da região Amazônica, o que é contraditório visto a ausência de propostas para a região em seu plano de governo”, diz o biólogo Lucas Ferrante à IHU On-Line. Segundo ele, o plano de governo do candidato “não menciona nem uma única vez a região Amazônica”, e suas propostas podem “causar diversos impactos ambientais na Amazônia, com consequências para a população local”. Além disso, frisa, “Bolsonaronão aborda como desenvolver a região, ignorando que a Amazônia é carente de desenvolvimento e precisa ser assistida urgentemente pelo governo”. Apesar da falta de clareza acerca das propostas do candidato para a região, Ferrante pontua que “o maior paradigma dessa questão é que os dois candidatos ao governo do estado do Amazonas no segundo turno demonstraram apoio a Bolsonaro”.
Na avaliação dele, em contraposição às propostas ambientais do candidato para a floresta, “Haddad tem um plano muito mais eficaz visando ao desenvolvimento da Amazônia”. Entre as intenções de um possível governo Haddad, Ferrante destaca “investimentos na modernização do sistema elétrico existente, sobretudo das usinas geradoras, com incorporação das tecnologias de futuro nas redes de transmissão, como redes elétricas inteligentes” e o reconhecimento do “papel da Amazônia para toda a América do Sul, colocando a região em destaque em seu plano de transição ecológica”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Ferrante também comenta as demais propostas ambientais dos dois candidatos que disputam o segundo turno das eleições presidenciais. De acordo com ele, “os candidatos têm planos de governo e falas completamente opostas sobre a questão ambiental. Enquanto Haddad prevê uma transição ecológica tendo um plano de governo equilibrado e realista de ser executado, Bolsonaro prevê um desmonte das questões ambientais em seu governo, como a extinção do Ministério do Meio Ambiente e afrouxamento dos licenciamentos ambientais, além de sinalizar em suas falas o rompimento de acordos internacionais que visam reduzir as mudanças climáticas e o desmatamento”, resume.
Embora os dois candidatos sinalizem apoio ao setor do agronegócio, pontua, “podemos esperar uma inclusão tanto do agronegócio quanto da agricultura familiar em uma futura gestão Haddad”, enquanto em um eventual governo Bolsonaro “podemos esperar uma vulnerabilização da agricultura familiar que poderá até mesmo ser suprimida pelo agronegócio, atividades minerárias ou hidrelétricas, como já temos visto ocorrer na Amazônia”.
Apesar de a agenda ambiental posta em curso nos últimos 14 anos pelos governos petistas ter representado amplo apoio à construção de hidrelétricas como Belo Monte eestagnação da pauta indígena, Ferrante pondera que “o plano de governo de Fernando Haddad, diferentemente dos governos anteriores do PT, não tem priorizado hidrelétricas como uma matriz-chave para geração de energia, sendo condizente com a proposta de transição ecológica que seu plano propõe”. Já Bolsonaro, compara, “tem defendido em declarações públicas e em seu plano de governo que o licenciamento ambiental não deve ser um entrave para quem quer construir uma pequena hidrelétrica, ignorando o fato de que uma pequena hidrelétrica, além de causar um dado ecossistêmico severo, ainda impacta vidas humanas em diferentes aspectos”.
Lucas Ferrante é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas – Unifal e mestre em Ecologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa. Atualmente é doutorando em Ecologia também no Inpa. É pesquisador associado ao Centro de Estudos Integrados da Biodiversidade Amazônica – Cenbam, ao Programa de Pesquisa em Biodiversidade – PPBio, e ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Serviços Ambientais da Amazônia – INCT-Servamb.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A partir do que disseram até o momento os candidatos à presidência Haddad e Bolsonaro e a partir de seus programas de governo, como eles provavelmente propõem tratar da questão ambiental no país?
Lucas Ferrante – Os candidatos têm planos de governo e falas completamente opostas sobre a questão ambiental. Enquanto Haddad prevê uma transição ecológica tendo um plano de governo equilibrado e realista de ser executado, Bolsonaro prevê um desmonte das questões ambientais em seu governo, como a extinção do Ministério do Meio Ambiente e afrouxamento dos licenciamentos ambientais, além de sinalizar em suas falas o rompimento de acordos internacionais que visam reduzir as mudanças climáticas e o desmatamento.
Haddad tem uma posição firme em relação ao meio ambiente, pautando seções específicas em seu plano de governo que abordam a transição ecológica,desmatamento zero e proteção da biodiversidade, políticas de baixa emissão de carbono, além de utilização de energias mais limpas, como eólica, solar e biomassa. Diferentemente dos governos anteriores do PT, Haddad não tem priorizado hidrelétricas como uma matriz-chave para geração de energia, o que é um avanço ambiental muito grande, dado os grandes impactos ambientais e sociais que as hidrelétricas causaram na Amazônia.
Contrariamente, Bolsonaro já manifestou que órgãos ambientais não devem ser um entrave para a construção de hidrelétricas. Além disso, a extinção dos Ministérios do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia deve afetar drasticamente toda a pesquisa em biodiversidade e serviços ecossistêmicos do Brasil, que inclusive torna o país vulnerável a incidentes climáticos como secas extremas, inundações e surtos de doenças tropicais. A falta de política ambiental adotada por Bolsonaro fragiliza o controle de empresas que causam grande impacto ambiental, como o desastre de Mariana, que além de ser um dos maiores desastres ambientais já vistos no Brasil, foi responsável pela morte de 20 pessoas e perda inestimável do patrimônio físico de muitas famílias. Bolsonaro ainda discursa sobre a liberação da caça de animais silvestres, o que poderia colapsar a biodiversidade brasileira e afetar diversos serviços ecossistêmicos desempenhados pela fauna que beneficiam a população. Em artigo publicado recentemente na revista Plos one, pesquisadores brasileiros demonstram que muitas das florestas já têm um colapso de mamíferos, sendo estes o grupo de animais mais visados para caça.
IHU On-Line – Que espaço o desenvolvimento do agronegócio e da agricultura familiar poderão ter num futuro governo Haddad ou Bolsonaro?
Lucas Ferrante – Haddad não tem se mostrado um candidato fechado a estabelecer conexões com o agronegócio, inclusive tem apoio de Ciro Gomes, cuja vice Kátia Abreu é uma das mais fortes ruralistas. No segundo turno, Haddad já sinalizou a adoção do plano de governo de Ciro Gomes, sendo que esta junção de Haddad com o “centrão” dá lugar ao agronegócio em seu governo. O plano de governo de Fernando Haddadtem uma seção específica de título “Viver bem no campo” que aborda muito bem a agricultura familiar. Dentre os tópicos, estão a produção de alimentos saudáveis, políticas para o agronegócio, democratização da terra e reforma agrária, fortalecimento de agricultura familiar de base agroecológica, aquicultura e pesca, direitos humanos e sociais no campo, viver bem no semiárido (focando questões de abastecimento e agricultura no Sertão), além de proteção e defesa dos animais. Cada um desses tópicos é explicado em detalhes em seu plano, inclusive como serão executados cada um dos tópicos. Essas propostas são realmente essenciais para o pequeno produtor e completamente executáveis, principalmente em regiões que hoje carecem de políticas públicas para o pequeno produtor em conciliação com a proteção ambiental, como, por exemplo, na Amazônia.
Contrariamente ao plano de governo de Haddad, Bolsonaro pretende fundir os Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura em uma só pasta, o que é perigoso tanto para o meio ambiente como para a própria agricultura, uma vez que isso vulnerabiliza pequenos produtores e comunidades tradicionais em relação ao impacto gerado pelo agronegócio em larga escala. Na região Amazônica é comum atividades de grilagem de terra de pequenos produtores ou invasão de áreas de uso de comunidades tradicionais que praticam agricultura familiar de subsistência por madeireiros, mineradores, grandes pecuaristas e plantadores de soja. O plano de Bolsonaro para a agricultura em nenhum momento menciona a palavra agricultura familiar ou agroecologia, sendo constituído apenas por duas páginas subdivididas em tópicos, não explicando como cada tópico será executado. Os tópicos do plano de governo de Bolsonaro são Política e Economia Agrícola, Recursos Naturais e Meio Ambiente Rural, Defesa Agropecuária e Segurança Alimentar, Pesca e Piscicultura, Desenvolvimento Rural Sustentável e Inovação Tecnológica.
Em uma síntese dos dois planos de governo, podemos esperar uma inclusão tanto do agronegócio quanto da agricultura familiar em uma futura gestão Haddad. Em contrapartida, em um possível governo Bolsonaro, podemos esperar uma vulnerabilização da agricultura familiar que poderá até mesmo ser suprimida pelo agronegócio, atividades minerárias ou hidrelétricas, como já temos visto ocorrer na Amazônia.
IHU On-Line – Como os candidatos possivelmente se posicionaram em relação ao debate das mudanças climáticas?
Lucas Ferrante – Mudanças climáticas são hoje um dos grandes problemas considerados por qualquer país no mundo. O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – IPCC prevê impactos sérios das mudanças climáticas no Brasil e como consequências podemos esperar secas prolongadas afetando a agricultura e abastecimento humano no Sul e Sudeste do país, além do surgimento de novos surtos de doenças tropicais. Bolsonaro já sinalizou que o Brasil deixará o Acordo de Paris, que tem como meta a redução de mudanças climáticas. Além disso, o candidato prevê a extinção do Ministério do Meio Ambiente, sendo este um ministério fundamental para combater as mudanças climáticas no Brasil.
Em março eu e o Prêmio Nobel Philip Fearnside publicamos uma carta na revista Science, uma das revistas com maior impacto científico no mundo, demonstrando quemudanças climáticas impulsionadas pelo desmatamento da Amazônia e implementação de novas monoculturas em larga escala levariam a um colapso de abastecimento público de água e de toda a agricultura principalmente nos estados da região Sul e Sudeste do Brasil. Nossos resultados fizeram o Senado recuar devido aos sérios impactos que as mudanças climáticas teriam sobre a população. Não considerar as mudanças climáticas seria uma irresponsabilidade de qualquer governante.
Em um artigo científico recentemente publicado na revista Scientific Reports, foi abordado que a Amazônia já chegou ao seu limite de desmatamento, sendo que a continuidade do desmatamento terá efeitos irreversíveis sobre a floresta. Praticamente toda a água que abastece os estados do Sul e Sudeste do Brasil, incluindo a cidade mais populosa que é São Paulo, vem da bacia Amazônica, sendo este fluxo de água dependente da floresta, como abordado desde 2004 na revista ciência e hoje pelo pesquisador Philip Fearnside, comprovado com medições precisas através de modelos climáticos realizados pela pesquisadora alemã Delphine Zemp e colaboradores, e que foi publicado na revista Atmospheric Chemistry and Physics. Bolsonaro não parece considerar esses fatos, dizendo que questões ambientais não podem ser um entrave para quem quer produzir. Entretanto são essas questões ambientais que asseguram a produção agrícola do país, demonstrando a vulnerabilidade econômica que o Brasil enfrentará em um governo Bolsonaro.
Contrapondo-se totalmente ao plano de Bolsonaro, o plano de governo de Fernando Haddad reconhece que será no campo onde mais serão sentidos os efeitos de mudanças climáticas. O plano de governo de Haddad ainda expressa que o Brasil deverá liderar pelo exemplo em cuidados ambientais, onde será mantido o Acordo de Paris e cumpridos os 17 Objetivos de Sustentabilidade previstos na Agenda de 2030.
Comparando o posicionamento dos dois candidatos, podemos esperar que em um governo de Haddad o Brasil não sofra uma crise de abastecimento de água com fortes racionamentos ou uma crise na produção agrícola; já em um governo Bolsonaro podemos esperar o surgimento de crises hídricas às quais seu plano de governo não apresenta nenhum plano de contenção. Além de um cenário de retração para a produção agrícola do país, destoando do que se propõe a fazer.
IHU On-Line – Um dos temas bastante discutido no país é o da demarcação das terras indígenas. Quais são as propostas de Haddad e Bolsonaro acerca da demarcação das terras e como ambos propõem tratar da questão indígena no país?
Lucas Ferrante – Atualmente a situação dos povos indígenas no Brasil deve ser encarada com seriedade. Em declaração pública, Bolsonaro manifestou que não haverá mais nenhum centímetro de terra demarcada para os povos indígenas. Em um texto publicado na revista científica Nature, de autoria de Jeff Tollefson, foi mencionado que Bolsonaro está buscando promover a expansão agrícola e industrial em detrimento das proteções ambientais e dos direitos das comunidades indígenas. O plano de governo de Bolsonaro sequer menciona os povos indígenas. Além disso, as políticas adotadas por Bolsonaro em facilitar aexploração de minérios, expansão da agropecuária e construção de hidrelétricas entram em total conflito com a manutenção de terras indígenas. O maior poder atribuído a esses setores em conjunto com a política de armamento da população, inclusive de ruralistas, representa um dos maiores riscos de genocídios para os povos indígenas do Brasil. Diversos povos de muitas etnias têm enfrentado conflitos com madeireiros, mineradores, além de grandes latifundiários na Amazônia, e as políticas públicas do atual plano de governo de Bolsonaro tendem a intensificar estes conflitos, podendo conduzir ao extermínio de diversos povos.
Contrapondo o total abandono do plano de Bolsonaro com a questão indígena, o plano de Haddad faz 22 menções aos povos indígenas, contabiliza a proporção de terras indígenas no território brasileiro e faz menção à diversidade de povos. Além disso, Haddad menciona retomar a demarcação de terras indígenas, a qual foi interrompida no governo Temer por pressão do Senado, que utilizou a questão como moeda de barganha junto com a flexibilidade do licenciamento ambiental, para aprovar as medidas requeridas por Temer. Além da retomada da demarcação de terras Indígenas, o plano de Haddad ainda prevê a retomada dos direitos indígenas, incluindo a participação popular de povos indígenas em seu governo, além de estímulos de políticas de igualdade racial, gerando mais oportunidades educacionais a indígenas e sua inserção em universidades e cargos públicos através do enfrentamento do racismo institucional. O plano de Haddad ainda menciona que, em empreendimentos energéticos, povos indígenas que forem afetados não receberão apenas compensação pelo dano ambiental sofrido, mas se tornarão sócios dos empreendimentos, recebendo, por exemplo, royalties. Haddad também tem como políticas públicas a expansão de saneamento ambiental para áreas indígenas, regulamentação fundiária dos territórios através da demarcação das terras, implementação do fortalecimento educacional com a formação de professores indígenas e reforma e construção de escolas.
IHU On-Line – Nos últimos anos os governos petistas foram criticados por conta da construção das hidrelétricas. Como esse tema tem sido abordado nas eleições deste ano? Qual tende a ser a proposta de Haddad e Bolsonaro em relação à construção de novas hidrelétricas?
Lucas Ferrante – Hidrelétricas causam enorme impacto ambiental e social, e na Amazônia essas questões são ainda mais sérias e potencializadas. Nós já tivemos bons exemplos de que esta não é uma matriz energética ideal. Somente na hidrelétrica de Belo Monte, tivemos desalojamento de povos tradicionais, como ribeirinhos, que acabaram sendo destinados para favelas em Altamira e perdendo as áreas de cultivo que garantiam sua subsistência. Além de uma superpopulação da cidade de Altamira, Belo Monte gerou como consequência o sobrecarregamento de serviços públicos, desabastecimento da cidade, aumento de surtos de doenças tropicais, além de aumentos significativos de homicídios e violência contra a mulher. Ainda temos áreas indígenas afetadas pela construção da barragem e um grande impacto ecossistêmico que iremos compreender totalmente apenas com algumas décadas de estudos.
Como já mencionado, o plano de governo de Fernando Haddad, diferentemente dos governos anteriores do PT, não tem priorizado hidrelétricas como uma matriz-chave para geração de energia, sendo condizente com a proposta de transição ecológica que seu plano propõe. Além disso, prevê que para empreendimentos energéticos já consolidados ou ainda em fase de implementação, os povos afetados, principalmente indígenas, ribeirinhos e quilombolas, deverão receber, além da compensação pelo dano ambiental sofrido, a sociedade dos empreendimentos, recebendo royalties.
Já Bolsonaro tem defendido em declarações públicas e em seu plano de governo que o licenciamento ambiental não deve ser um entrave para quem quer construir uma pequena hidrelétrica, ignorando o fato de que uma pequena hidrelétrica, além de causar um dano ecossistêmico severo, ainda impacta vidas humanas em diferentes aspectos, como já mencionado. Além disso, ele prevê que o licenciamento ambiental seja realizado em menos de três meses, o que é absolutamente impossível para a realização de estudos de impacto ambiental, sendo catastrófico tanto para a biodiversidade quanto para populações humanas próximas a essas áreas. Abordar a implementação de hidrelétricas como o plano de Bolsonaro o faz é perigoso não só para o meio ambiente como para a população instalada próxima ao empreendimento.
IHU On-Line – Muitos ambientalistas têm criticado os candidatos Haddad e Bolsonaro por não terem se manifestado claramente acerca da Amazônia. Que tipo de desenvolvimento seria importante para a Amazônia neste momento?
Lucas Ferrante – É importante discutirmos que o desenvolvimento em cada região deve ser específico de acordo com a geografia, recursos ambientais, urbanização, biodiversidade e clima de cada região. Desta forma o desenvolvimento da Amazônia em hipótese alguma deve ser igual ao do Sudestedo Brasil, como, por exemplo, através de implementação de grandes cultivos de cana-de-açúcar para a produção de biocombustíveis, pois, como abordado por mim e Philip Fearnside na revista Science, isso poderia causar mudanças climáticas severas, afetando toda a produção agrícola do país e o abastecimento hídrico das regiões mais populosas.
O Plano de Bolsonaro não menciona nem uma única vez a região Amazônica ou a Floresta Amazônica. Isso é extremamente preocupante, pois o plano de desenvolvimento de Bolsonaro pode causar diversos impactos ambientais na Amazônia, com consequências para a população local. Entre os exemplos estão o impacto social e ambiental gerado pelas hidrelétricas ou impactos para populações em outras regiões do país. O não enfrentamento das mudanças climáticas também tende a afetar a agricultura e o abastecimento humano. Além disso, em declarações públicas, Bolsonarodefende que o agronegócio não pode ser afetado pela questão indígena, quilombola ou unidades de conservação, sendo que a maioria dessas áreas está inserida na região Amazônica.
Embora Bolsonaro acredite que terras indígena e quilombola, além de unidades de conservação, sejam um entrave para o agronegócio, são exatamente essas áreas que asseguram a manutenção dos ciclos de chuvas que abastecem a região Sul e Sudestedo Brasil, assegurando que o Brasil seja um dos líderes em produção agrícola no mundo. Como já mencionado, um estudo publicado na revista científica Scientific Reports relata que a Amazônia deve cessar o desmatamento, sendo irreversível a resiliência do bioma. Neste processo, a manutenção de terras indígenas, povos tradicionais e unidades de conservação é fundamental para a manutenção da produção agrícola brasileira. Desta forma, o plano de governo de Bolsonaro não é somente insustentável, mas pode colapsar toda a soberania agrícola do Brasil, além do abastecimento hídrico do país.
Além disso, Bolsonaro não aborda como desenvolver a região, ignorando que a Amazônia é carente de desenvolvimento e precisa ser assistida urgentemente pelo governo. O maior paradigma dessa questão é que os dois candidatos ao governo do estado do Amazonas no segundo turno demonstraram apoio a Bolsonaro, mesmo este ignorando a região, sendo que Haddad tem um plano muito mais eficaz visando ao desenvolvimento da Amazônia e ainda abordando em seu plano de governo mitigações para os impactos do desenvolvimento da região. Ainda como resultado do primeiro turno, Bolsonaro liderou em número de votos em todos os estados da região Amazônica, o que é contraditório visto a ausência de propostas para a região em seu plano de governo.
Já o plano de governo de Fernando Haddad para a Amazônia menciona investimentos na modernização do sistema elétrico existente, sobretudo das usinas geradoras, com incorporação das tecnologias de futuro nas redes de transmissão, como redes elétricas inteligentes. Além disso, prevê o aumento da eficiência energética, fortalecimento do Programa Reluz, maior agilidade da expansão do Programa Luz para Todos para as localidades isoladas na Amazônia e implementação de saneamento rural, tendo a Amazônia como uma das áreas prioritárias. O plano de governo de Fernando Haddad ainda reconhece o papel da Amazônia para toda a América do Sul, colocando a região em destaque em seu plano de transição ecológica.
Para o desenvolvimento da região Amazônica é recomendado que se priorize o transporte fluvial, dada a disponibilidade de rios: a região deve ter vias fluviais aperfeiçoadas, inclusive pautando pela segurança das embarcações. Deve-se desenvolver agricultura familiar com base nos sistemas agroflorestais, além de valorizar o pequeno produtor, principalmente pela produção de alimentos bons, limpos e justos, ou seja, que sejam nutritivos, livres de agrotóxicos, uma vez que o estado do Amazonas é um dos líderes em uso de agrotóxicos, e alimentos justos, ou seja, que valorizem o real trabalho do produtor do campo. Todos esses aspectos são ignorados no plano de governo de Jair Bolsonaro, mas são abordados no plano de governo de Fernando Haddad por meio da proposição de políticas de financiamento e reforma fiscal verde, infraestrutura sustentável para o desenvolvimento, sustentabilidade e soberania energética, diversificação da matriz de transporte, além de políticas para a produção de alimentos saudáveis e do agronegócio. Além disso, em visita a Manaus, Haddad ressaltou o potencial da região para a energia solar, alternativa limpa e sem impactos para a região, o que deve gerar empregos ao mesmo tempo que preza pela conservação ambiental. Outra questão que deve ser considerada é o potencial turístico da região Amazônica, que pode ser prejudicado pelo plano de governo predatório de Bolsonaro, sendo estimulado e compatível com o plano de governo proposto por Haddad.
Talvez uma das questões mais importantes para o desenvolvimento da região Amazônica seja a manutenção do Ministério da Ciência e Tecnologia, que Bolsonaro quer extinguir caso eleito. Nenhum país no mundo se desenvolveu ou superou uma crise sem investir em ciência e tecnologia. Dessa forma, Bolsonaro está na contramão do desenvolvimento da região Amazônica ou qualquer outra região do país, sendo impossível que o país se desenvolva com a extinção desse ministério, talvez o mais importante de todos, pois é através de ciência que se descobre a cura de doenças, que aprimoramos a educação e que desenvolvemos tecnologias que por sua vez geram empregos e o bem-estar da sociedade. Contrariamente a Bolsonaro, Haddadprevê em seu plano de governo uma consolidação desse ministério e aumento dos investimentos nesse setor. Essa é uma das questões mais sérias para tirar o Brasil da atual crise, e não pode ser ignorada pelos eleitores.
IHU On-Line – Os governos Petistas apoiaram a exploração de minérios e agora Bolsonaro sugere que o Brasil invista na extração de nióbio, dadas as reservas que o país tem. Como você avalia este tipo de proposta.
Lucas Ferrante – Temos que ter duas grandes cautelas, pois o plano de governo de Bolsonaro prevê um retrocesso ambiental sem precedentes e a extração de minério gera um grande impacto, como visto pelo rompimento da barragem em Mariana, onde tivemos 20 mortes e um dano patrimonial e ambiental inestimável, que se espalhou por centenas de quilômetros. Temos que lembrar que essa catástrofe impactou desde o setor turístico ao agropecuário e pesqueiro da região afetada até chegar ao litoral, se estendendo mar a dentro. Com um plano ambiental tão fragilizado como o proposto por Bolsonaro, podemos prever catástrofes muito grandes com impactos robustos sobre diversos ecossistemas, sobre a biodiversidade e com a perda de vidas humanas.
A segunda questão é o interesse estrangeiro pelo nióbio. Em 2010 documentos vazados do Departamento de Estado Americano pelo site WikiLeaks demonstravam o interesse estratégico dos Estados Unidos sobre as localidades de minas de nióbio no Brasil. Hoje o Brasil já é o maior exportador de nióbio no mundo, sendo que a maioria das reservas desse minério que se concentram no estado de Minas Gerais e não na Amazônia e já estão sendo exploradas. O nióbio não é exportado de forma bruta, mas sim a liga ferro-nióbio, que é explorada por duas empresas privadas. Bolsonaro tem defendido que a Amazônia em específico deve ser explorada por empresas estrangeiras, não se opondo à exploração mineral por outros países. Entretanto, isso é sem dúvidas uma ameaça à soberania nacional, uma vez que a grande exploração por empresas estrangeiras tende a tornar o Brasil menos competitivo no setor. Essas empresas quererem exportar o minério bruto ou em liga ferrosa e não o produto manufaturado, que realmente geraria empregos e estimula a economia.
O investimento em ciência e tecnologia para agregar valor ao minério hoje explorado seria uma melhor estratégia do que abrir o mercado para empresas estrangeiras, entretanto, Bolsonaro sinaliza extinguir o Ministério de Ciência e Tecnologia, o que representa uma perda de soberania no setor. Além disso, podemos esperar alto impacto ambiental e conflitos entre as mineradoras e comunidades locais em determinadas regiões, como já temos observado em áreas de extração de minérios na Amazônia. Através deste tipo de proposta e a consolidação do plano de governo de Bolsonaro, nós ficaríamos com um dano ambiental imenso, inclusive às custas da perda de vidas humanas para atender uma demanda internacional em um mercado que atualmente o Brasil já é líder. A exploração mineral pode ser estimulada, mas em paralelo com estudos econômicos e ambientais, além de buscar agregar valor ao minério através de produção tecnológica, exatamente o contrário do que podemos prever em um governo Bolsonaro.
IHU On-Line – Como você avalia a eleição de Joenia Wapichana, a primeira mulher indígena deputada federal do Brasil? Qual é o significado político dessa eleição?
Lucas Ferrante – A eleição de Joenia Wapichana é uma conquista para a representatividade indígena no Congresso, que até então vinha sendo liderado pela bancada ruralista. Somente na região Amazônica temos mais de 170 diferentes etnias, que até então não eram representadas. Nestas eleições, a entrada de Joenia Wapichana no Congresso é fundamental, sendo uma resistência frente a um possível governo de Jair Bolsonaro, que seria uma ameaça à existência dos povos indígenas brasileiros. Joenia Wapichana é a primeira mulher indígena advogada a exercer a profissão, sendo sua presença fundamental para a defesa dos povos indígenas do Brasil.
Em um cenário oposto onde Fernando Haddad seja presidente, Joenia Wapichanaainda tem um papel fundamental em fiscalizar e fazer com que todas as questões indígenas abordadas no plano de governo do candidato se cumpram.
IHU On-Line – Em relação à condução da pauta ambiental, o que será possível esperar do novo Congresso eleito?
Lucas Ferrante – Podemos esperar primeiramente uma renovação do Congresso, uma vez que tivemos menos de 50% de reeleições. Entretanto, a maioria esmagadora dos novos ingressantes no Congresso são do PSL, partido de Jair Bolsonaro, representando um impacto grande nas questões ambientais do país. Em contrapartida, somando os deputados reeleitos, o PT tem a maior bancada na Câmera dos Deputados, sendo que em uma eleição de Fernando Haddad podemos esperar o cumprimento de um desenvolvimento sustentável e que preze por questões ambientais.
IHU On-Line – Quais são as questões ambientais mais urgentes a serem discutidas no debate eleitoral?
Lucas Ferrante – Políticas de redução de mudanças climáticas são essenciais dada a importância do clima para a agricultura e abastecimento humano. A discussão sobre fontes de energia renováveis e de menor impacto, além de políticas mais rígidas para o uso de agrotóxicos e mineração são pautas que precisamos abordar. A redução de agrotóxicos é extremamente necessária, não apenas pelo dano ambiental que causa, mas também pelo dano à saúde humana. Políticas mais rígidas para a mineração devem ser abordadas para evitarmos tragédias como a de Mariana, onde o rompimento da barragem de rejeitos causou 20 mortes, além de um impacto ambiental incalculável e dano patrimonial.
O desmatamento zero também é um item fundamental a ser discutido no debate, uma vez que a manutenção das florestas representa a própria manutenção do clima e da agricultura, sendo que biomas como a Amazônia se encontram no limite de sua capacidade de resiliência, o Cerrado brasileiro vem sendo extirpado, sendo o bioma com maior perda de território pelo desmatamento para expansão das monoculturas, e a Mata Atlântica está severamente fragmentada com pequenos fragmentos que em sua maioria são inferiores a 50 hectares. Outra questão ambiental que tem impacto direto na saúde humana é o saneamento ambiental, sendo fundamental principalmente para áreas rurais e para Amazônia.
IHU On-Line – Como você avalia o resultado das eleições presidenciais no primeiro turno?
Lucas Ferrante – Para entendermos o primeiro turno, precisamos entender a motivação dos eleitores e o que tem direcionado seu voto. De acordo com oranking Ipsos Mori de “Percepção errada da realidade”, o Brasil é o sexto país no mundo com percepção mais distorcida de sua realidade. Para entendermos o resultado deste primeiro turno, temos que compreender como as mídias digitais têm influenciado as massas populares nessa eleição. Hoje a informação se tornou muito acessível, mas nem tudo que está disponível na internet é verdade. As “fake news”, termo em inglês que significa notícia falsa, estão mais disseminadas e acessíveis que as informações verdadeiras.
A utilização de redes sociais para disseminação de notícias e debates políticos tem gerado um fenômeno denominado “bolha social”, onde as pessoas tendem a fazer conexões apenas com outras pessoas com pontos de vista similares aos seus, o que tende a reforçar estereótipos e opiniões equivocadas, não estimulando o debate ou incorporação de novos pontos de vista ao que se acredita. Isto acontece, por exemplo, em grupos de WhatsApp, uma vez que esses grupos concentram apenas pessoas que compartilham o mesmo ponto de vista, ou até mesmo no Facebook, que tem algoritmos específicos de direcionamento de postagens de acordo com o que a pessoa mais curte ou visualiza. Quando observamos isso em um cenário onde as fake news estão sendo difundidas pelas redes sociais, as pessoas passam a acreditar naquilo que é apresentado a elas como sendo a realidade; entretanto, muitas vezes isso nada mais é do que uma massiva enxurrada de notícias falsas. Hoje o Brasil passa por um cenário onde a maioria das notícias que circulam no Facebook e WhatsApp são falsas, como ameaça de um estado comunista, uma crise e modelo econômico similar ao da Venezuela, perda de valores familiares, sexualização precoce de crianças, doutrinação e questionamentos religiosos. Segundo a Folha de São Paulo, mais de 97% das notícias compartilhadas por eleitores de Bolsonaro eram falsas.
O atual cenário deste primeiro turno nada mais é que o resultado de uma massiva enxurrada de notícias falsas nas redes sociais, além de um forte movimento anti-PT. O efeito das fake news é tão poderoso que pode alterar a percepção de realidade dos cidadãos mais desatentos a fatores econômicos ou indicadores sociais. Embora parte desse movimento anti-PT seja derivado dos escândalos de corrupção expostos pela operação Lava Jato, muitas pessoas vêm atribuindo a crise econômica de 2015 aos governos seguidos do PT, o que estatisticamente não se sustenta. Inclusive, esse fato está sendo mencionado no plano de governo de Bolsonaro. É consenso entre diversos especialistas que a causa da atual crise foi a instabilidade política gerada pelo impeachment de Dilma Rousseff. Isto ainda é corroborado pela situação econômica do país na gestão PT, quando em 2007 não fomos afetados pela maior crise econômica, onde até mesmo os Estados Unidos, sendo a primeira economia do mundo, implodiu com a crise imobiliária, além de em 2014 o Brasil ter a menor taxa de desemprego já vista no país, mortalidade infantil reduzida e se tornar um exemplo no combate à fome e miséria extrema. Atualmente muitas FakeNews espalhadas por apoiadores de Bolsonaro mencionam que Haddad tenha sido um dos piores prefeitos de São Paulo, entretanto Haddad foi premiado como o melhor prefeito em toda a América Latina quando governou a cidade, recebendo inclusive elogios de seu opositor e sucessor João Doria pela honestidade com que tratou as contas públicas do município.
Ainda como resultado deste primeiro turno, temos mais de 29% de abstenções e votos brancos e nulos, onde é fundamental que esse eleitor indeciso se posicione para evitar um rumo errado do país pelos próximos quatro anos, além de danos irreversíveis à nação, o que vale também para o eleitor que compreende que seu voto no primeiro turno não tenha sido o ideal, e possa mudar o voto neste segundo turno. Neste momento, temos que prezar pela informação de qualidade, escolhendo um candidato com um plano de governo estável, realista e que foque em pautas reais como economia, educação, ciências, segurança e meio ambiente, dizendo como irá solucionar os problemas, e não terceirizando o cargo de presidência a ministros, além de basear sua campanha em fake news.
IHU