Serpentes exóticas peçonhentas, extremamente perigosas, que carregam venenos sem soros disponíveis no Brasil, são vendidas ilegalmente em redes sociais. São taipans-australianas (gênero Oxyuranus), Najas e víboras-do-gabão (Bitis gabonica) oferecidas em leilões virtuais ou em grupos, onde circulam também anúncios de outras atividades ilegais, como a venda de armas, falsificação de documentos e até a comercialização de dinheiro falso.
A reportagem é de Vandré Fonseca, publicada por ((o))eco, 04-11-2018.
Esse comércio, que representa um risco tanto para ambientes naturais quanto para a segurança, foi identificado durante o monitoramento de grupos de WhatsApp realizado pela Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), ao longo de seis meses. De acordo com a Renctas, não existe criadouro comercial autorizado a vender serpentes peçonhentas exóticas no país.
Em um anúncio, por exemplo, o vendedor diz ter disponíveis, ao lado de espécies exóticas constritoras, serpentes peçonhentas africadas como a Naja nigricincta e a Bitis rhinoceros. Em outro anúncio, com fotografias, é oferecida uma Naja albina.
“São animais extremamente perigosos, que estão na mão de quem não tem conhecimento técnico”, alerta o coordenador-geral da Renctas, Dener Geovanini. “E pior de tudo você não tem no Brasil soro para poder ser utilizado em caso de acidente ofídico. Então o risco de pessoas morrerem em função desse comércio é muito grande, até porque está nos grandes centros”, completa.
Naja Albina: peça rara no estoque dos traficantes.
(Foto: Divulgação)
O diretor-clínico da Fundação de Medicina Tropical em Manaus, o médico Antônio Magela Tavares, confirmou que normalmente os soros antiofídicos disponíveis são produzidos para atender a acidentes de grupos de serpentes encontradas no Brasil, como jararacas, cascavéis e corais-verdadeiras. “No mundo todo é assim, na África os soros são produzidos com o veneno das serpentes da África”, afirma. “Eles são o que chamam de espécie-específicos (que servem apenas para aquele tipo de veneno)”.
Dener Geovanini afirma não ser possível estimar o tamanho desse mercado. Mas ele acredita que seja um comércio já consolidado, que vem ganhando espaço com a redução de preços, proporcionada com a reprodução dos animais em cativeiros ilegais no Brasil.
De acordo com ele, o Brasil está se tornando um importador de fauna, além de ser um exportador. Ele diz que a venda em ambiente virtual, por vezes, é concretizada em locais públicos. Giovanni, fala de casos em que a entrega e pagamento são feitos em banheiros de shopping centers. Além de serpentes, há também o comércio de aranhas e escorpiões.
“Venda de animal sem autorização é tráfico”, destaca o analista ambiental do Ibama Robson Czaban. “E quem compra pode ser acusado de receptação”, completa. Além do crime, há perigos para o Meio Ambiente. Existe ainda o risco de serem soltas ou escaparem na natureza.
Em março do ano passado, uma naja foi resgatada pelo Corpo de Bombeiros, em Balneário Camboriú, litoral de Santa Catarina. Ela foi encontrada por servidores que faziam a manutenção no local. Após o resgate, a serpente foi levada a um jardim zoológico. Na época se cogitou que essa cobra poderia ter sido contrabandeada ou chegado ao Brasil, acidentalmente, em algum navio.
Monitoramento de grupos de WhatsApp
A Renctas já havia alertado, durante a Conferência Internacional sobre Comércio Ilegal de Vida Selvagem (IWT, em inglês), realizada em Londres, sobre a relação entre o tráfico de passeriformes e outros crimes, como o tráfico de armas. No alerta divulgado em 11 de outubro, a Renctas chamava a atenção para a relação entre o comércio ilegal em redes sociais de espécies silvestres, em especial aves, com outros crimes, como fabricação e venda de dinheiro falso, clonagem de cartões de crédito e até comércio ilegal de armas, falsificação de documentos e notas fiscais.
Foi constatada também a venda de anilhas de aves registradas nos sistemas oficiais de controle e fiscalização, o que, segundo o alerta, caracteriza conduta criminosa por parte de criadores amadores. A denúncia serviu de base para uma reportagem no site The Intercept, em texto assinada pelo jornalista Aldem Bourscheit.
“São inúmeras atividades ilegais que acabam se misturando e fazendo parte de arcabouço do comércio ilegal de passeriformes e animais silvestres em geral”, explica Dener Giovanini. “A gente está focado em passeriformes, mas você tem de tudo, de tartarugas a preguiças, de micos a filhotes de jaguatirica.”
O monitoramento identificou mais de 600 grupos envolvidos de alguma forma com a venda ilegal de aves. Ao longo de seis meses, acompanhou 200 desses grupos. Durante esse tempo, foram monitoradas mais de 2,5 milhões de mensagens de whatsapp. São grupos bastante movimentados. Mais de 400 mil mensagens eram trocadas neles por mês. O acesso a eles era intermediado por comunidades do Facebook, que chegam a reunir mais de 100 mil pessoas.
Giovanini conta que nesses grupos aparecem principalmente redes locais de venda de animais silvestres, com nichos bem delimitados geograficamente. “Ainda existe a disseminação (de animais traficados) de uma região para outra, mas o tráfico local está se mostrando muito mais forte”, conta o coordenador da Renctas. “E existe uma estrutura bem organizada, inclusive com leilões de animais”.
As informações foram registradas em um banco de dados a ser entregue à Polícia Federal e Ministério Público Federal, além de servir para uma análise sobre o comércio ilegal de aves no Brasil.