“Ntawe utera ibuye aho yajishe igisabo”
A epistemologia deste ditado ruandês ganha força ao ser aplicada sobre o tema do meio ambiente. Significa que “continuamos a atirar pedras contra o nosso bem mais precioso, contra o que nos sustenta, a nossa, “casa comum“. Segundo esse ensinamento, a terra não é algo à parte, fora da gente, mas nós mesmos somos terra (húmus). E a terra antes de ser um bem econômico, é um dom que nos foi emprestado.
Assim como o papa Francisco fala na encíclica “Laudato Si’”: “crescemos pensando que somos os proprietários e dominadores da terra, autorizados a saqueá-la. (…). O aquecimento global é consequência do nosso esquecimento de que nós mesmos somos terra e criatura. Inclusive, o nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta: o seu ar nos permite respirar, e a sua água nos restaura e dá a vida. A floresta que nós fornece madeira, papeis e serve de templo dos ritos”
De modo geral, os estudos sobre as mudanças climáticas e as crises ambientais vêm sendo produzidos sob a ótica do universo ocidental, muitas vezes de modo unilateral, sem considerar uma abordagem multidisciplinar e dialogal. Por essa razão, nos unimos a outros teólogos e pesquisadores como Laurenti Magesa, tanzaniano, para afirmar que a espiritualidade e religiosidade africana pode oferecer uma contribuição, uma ética alternativa em face de crises ecológicas, espirituais, econômicas sem precedentes.
A ecologia representa uma nova fronteira para a ética teológica. Por isso, dada a complexidade da questão, é necessário que as diferentes crenças e áreas regionais aprendam umas com as outras. Não há indivíduo, disciplina ou comunidade que seja depositária de respostas prontas. O que está claro é que a crescente destruição do meio ambiente e biodiversidade é em grande parte o resultado da atividade humana. E isso tem gerado uma multidão de homens e mulheres pobres, vivendo sob os escombros de um planeta em colapso. Por outro lado, a resposta da tecnociênciatambém não tem se mostrado suficiente.
Espiritualidade africana
A espiritualidade, assim compreendida como modo de vida, é inerente ao ser humano e vai além das culturas e religiões. Nesse sentido, podemos perguntar; quais são os recursos presentes na espiritualidade africana capazes de fazer o enfrentamento da crise? Em síntese, a espiritualidade africana lembra aos seres humanos que a criação é essencialmente sagrada (epifanica). Para muitos africanos, há uma relação nítida entre o mundo racional, ordem física, biológica e espiritual. É uma combinação integrada e integradora de um sistema de crenças, costumes e padrões de comportamento. Em outras palavras:
Homo africanus sees life as a unity of soul, mind, psyche, senses, vitality, cosmic forces, mystical energies and body relationships, encompassing both the physical and the metaphysical domains.
O mundo ocidental, e a sua filosofia e religiosidade, adotou em larga medida a racionalidade, deixando de lado outras variantes. E, em vez de gerar sentimentos acolhedores, de ajuda e abraço aos outros seres, conferindo-lhes um sentido de dignidade não ligado ao dinheiro ou ao poder, termina por despertar, não raro, as tentações do rancor, ganância e acumulação infinita dos bens. Tudo isso afeta a própria concepção do homem. “O homem não é apenas uma liberdade que se cria por si própria. O homem não se cria a si mesmo. Ele é espírito e vontade, mas é também natureza” (Laudato Si’ p 7).
No mundo cada vez mais fragmentado, desarticulado, devemos passar do consumo ao sacrifício, da avidez à generosidade, do desperdício à capacidade de partilha, em uma ascese que “significa aprender a dar, e não simplesmente renunciar. Devemos globalizar o modo de levar uma vida simples, como afirma o teólogo tanzaniano Dr. Aidani Msafiri:
“the rich need to live a simple life in order for the poor to simply live. The so called “Wegwerfgessellschaften” (throw-away societies) need to be replaced by more sustainable earth communities. Hence, inversing the Champagne Glass economy with a better life style and vision. At this juncture, an interreligious approach to a reasonable culture of fasting and temperance could be of great ecological relevance and paradigmatic change”.
O povo afro enxerga uma estreita interligação entre florestas, vida e etno-medicina [1]. Segundo o Prof. Ali Mazrui (1986), uma floresta, terra fornece para o ser humano “todas as necessidades básicas” – comida, materiais para construir uma casa, medicina e chuva; Ele também fornece um santuário para práticas religiosas e um lar para o fugitivo; além disso, serve como cemitério e morada dos espíritos ancestrais.
O ser humano tem procurado se auto realizar, sentir-se satisfeito com o que conseguiu fazer de si. Para atingir esse objetivo, necessita encontrar a harmonia entre sua mente e espírito e a dimensão física. Alcançar esse equilíbrio é desafiador, uma vez que o mundo moderno continua a desarticular a relação entre o corpo e o espírito como se eles pudessem coexistir de maneira independente, quando a experiência de viver é um fenômeno integrado.
A espiritualidade nos ensina a ver e compreender o mundo na sua unidade global e original, portanto, gerencia equilíbrio e terapia. E nos lembra que é preciso romper com a ideia de que o crescimento pode ser infinito, porque sabemos hoje que os recursos naturais e espaços são finitos. A partir dessas reflexões abre-se o espaço para uma nova ética e espiritualidade baseada numa proposta de vida simples e respeitosa para com o meio ambiente e os pobres.
Também, a reflexão africana sobre Deus, não começa exatamente com a ideias de Deus (especulação, com noções mentais ou filosóficas de Deus), mas com a experiência da vida, ou, melhor ainda, como é Deus percebido na vida cotidiana. Aqui na vida a auto manifestação de Deus se faz evidente, já que a espiritualidade africana sempre acreditou que o que Deus mais deseja para a humanidade é a “intensificação da vida na comunidade”. (LAURENTI MAGESA, 1946)
Essa visão holística da pessoa deve ser resgatada. Nós os “ocidentais” herdeirmos uma determinada visão sobre a corporeidade, em parte suspeita, mas também negativista, dualista, minimalista. Em resumo, poderíamos dizer que durante muitos séculos amentalidade religiosa em geral considerou o corpo “como se fosse a doença da alma”. Em consequência disso, foram feitos ingentes esforços para anular totalmente o corpo e para negar qualquer valor à corporeidade, não só à sexualidade ou às coisas “carnais”. A vida crista se resumia quase exclusivamente à espiritualidade da alma, ao invés de ser uma espiritualidade da pessoa na sua unidade global, dinâmica e conflitiva (ROCCHETTA, 1990).
Enfim, na Laudato Sì’, papa Francisco aprofunda tal relação, ao afirmar que é a humanidade que precisa mudar para que o desenvolvimento ocorra com respeito à vida humana e à natureza. “Falta a consciência duma origem comum, duma recíproca pertença e dum futuro partilhado por todos. Esta consciência basilar permitiria o desenvolvimento de novas convicções, atitudes e estilos de vida. Surge, assim, um grande desafio cultural, espiritual e educativo que implicará longos processos de regeneração” (Laudato Si’, 202).
Que cada pessoa de boa vontade e os religiosos em especial se comprometa com o cuidado com a vida e a defesa de nossa casa comum. Boa leitura!
Nota:
[1] Existe o ditado no linguajar dos “bantus” que disse; “Tunza nikutunze” significa que, “cuida a natureza e ela cuidará de volta”. Homo conservator needs move from a culture of having to a culture of being, to consume less, share more, and live more simply so that the planet may simply live.
IHU