A tragédia do extermínio de abelhas por agrotóxico em São José das Missões (RS) me conduz a uma indagação intrigante: vale a pena morrer pela bandeira do agronegócio? Pela soja, especialmente?
Vamos situar a questão. Por causa da propaganda intensa dos grandes produtores de soja e empresas que fabricam e vendem adubos químicos, agrotóxicos e sementes, a sociedade passou a acreditar que esse tipo de produção perversa de grãos para exportação é fundamental para a economia do País.
A sociedade inteira não vê a cor do dinheiro da produção de soja, mas tem certeza de que o Brasil vai quebrar se adotarmos uma forma de cultivo agrícola sem veneno. Isso se chama lavagem cerebral. Todos acreditam piamente que tem que ser assim, porque assim diz a propaganda do agronegócio.
As pessoas nunca se preocuparam com a comida da sua avó, mas agora se preocupam com a alimentação do povo chinês. O Brasil precisa alimentar o mundo, dizem em coro.
O sistema perverso de produção agrícola monocultural do Brasil, que destrói a vida planetária e enche o bolso de poucos fazendeiros e empresários do ramo, pode custar-nos a vida, mas não tem outro jeito, dizem as pessoas comuns. E as autoridades políticas também.
As abelhas estão sendo dizimadas por agrotóxicos, mas o agronegócio é o que mantém o PIB do Brasil, diz a propaganda da televisão. E a sociedade inteira. E por cima ainda é “tech”, “pop” e outras coisas que as pessoas gostam de ouvir, sem saber o que significam.
Estamos loucos. A ponto de morrer pela causa do agronegócio. Sim, porque se as abelhas desaparecerem, como já desapareceram ao redor da lavoura desse plantador de soja, toda a espécie humana será extinta. Em apenas quatro anos, diz a ciência. Acontece que são esses insetos que polinizam as flores de quase todos os alimentos vegetais que consumimos. Sem abelhas, não tem milho, soja, feijão, trigo, aveia, frutas etc.
Segundo a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), apenas um plantador de soja, com apenas uma aplicação de veneno, causou a morte de 12 milhões de abelhas. A conta está errada. A Emater contabilizou só as abelhas mortas das duzentas caixas de produção de mel. Mas morreram todos os enxames de abelhas de ferrão existentes nas matas ao redor, num raio mínimo de seis quilômetros (área de voo das abelhas). Também morreram marimbondos, vespas, mamangavas, cigarrinhas, besouros, joaninhas e pulgões. Detalhe: nenhum desses bichos estraga soja; eles só se alimentam de néctar ou de seiva das plantas.
E morreram também as abelhas sem ferrão, como jataís, mirins, mandaçaias, irapuás, manduris, uruçus e muitas outras espécies.
Morreram em seus ninhos nos matos, a maioria sem ter visitado a lavoura envenenada, bastando que alguns insetos tenham levado pólen em suas patinhas ou néctar na vesícula melífera. Uma microgota levada por meia dúzia de abelhas contamina e mata toda a colmeia.
Então, pode colocar na conta funesta desse agricultor, não 12 milhões de vidas animais, mas bilhões e bilhões de seres preciosos para a nossa vida.
Estou falando de uma localidade pequena onde foram criminosamente aplicados agrotóxicos para insetos em uma pequena plantação de soja. Imagine o que está acontecendo por todo esse imenso território brasileiro, completamente tomado de soja.
É de chorar. Dá tristeza de verdade. Mas o mais triste é saber que isso parece ser apenas o começo. Porque o Presidente Bolsonaro garantiu aos ruralistas, em campanha, que, quando eleito, iria acabar de vez com a “indústria” das multas ambientais e simplificar a legislação no que interessa ao agronegócio, incluindo, obviamente, a liberação rápida de mais agrotóxicos.
IHU