Uma aula para não esquecer


Foto: Bárbara Teixeira

Por Caio Lara

Ao longo dos meus seis anos de carreira docente, tive o privilégio de ter grandes momentos com meus alunos da Dom Helder Escola de Direito, quer seja no Direito Constitucional, quer seja em uma das várias disciplinas que já lecionei. Neste ano de 2019, entretanto, pude experimentar algo muito diferente do meu cotidiano nesta faculdade particular de excelência da capital mineira.

No dia 7 de agosto, a convite dos professores Michelle Piancastelli Richard e Guilherme Souza Aleixo, ministrei uma oficina de mixagem de música para alunos da E. E. Jovem Protagonista, que funciona dentro do sistema socioeducativo do estado com adolescentes em situação de privação de liberdade. O encontro ocorreu a partir do planejamento das atividades do Movimento EcoDom 2019, em que atuo como o professor nucleador responsável. É a primeira vez, em muitos anos de projeto, que uma unidade deste tipo participa.

A oficina ocorreu na sala de visitas do Centro Socioeducativo Horto e participaram 12 alunos do ensino médio. No início, eles estavam tímidos diante do meu equipamento, que comprei há um tempo para exercer meu passatempo como DJ. Contudo, as músicas foram sendo tocadas e uma relação de confiança se estabeleceu. Chamei um por um para experimentar os efeitos sonoros da controladora de som que levei. Quando falava que a música poderia levá-los a um bom caminho profissional e que eles poderiam ter renda com um trabalho desses, percebi que estavam entendendo a minha mensagem. Em pouco tempo se empolgaram com os loops, as viradas e as batidas, especialmente quando raps e funks eram os ritmos utilizados nas lições.

A sociedade brasileira em geral, especialmente nos últimos anos, compreende de maneira muito equivocada o papel de uma medida socioeducativa. O desejo de vingança contra jovens marginalizados se sobrepõe a qualquer ação racional de resgate da dignidade daqueles que, em pouco tempo, estarão de volta ao nosso convívio. Mal sabem que, para combater o fenômeno da reincidência, é necessário dar aos internos todo o suporte que não tiveram, em grande medida, em suas comunidades de origem.

O público do sistema socioeducativo tem um fenótipo claro: é o jovem negro periférico. Que não teve acesso à uma educação pública de qualidade. Que não teve o amparo psicossocial do Estado. Que, antes de cometer seu ato infracional, sofreu violências tão ou mais graves que a praticada. Que raramente tem uma família estruturada. E que, quando sair da unidade, ouvirá muitos nãos na busca de uma profissão em virtude de seu passado.

Por acreditar que todo ser humano merece ser tratado com respeito e que todo aluno deve ser também tratado a partir de suas potencialidades, dediquei o meu maior esforço para lhes proporcionar um momento diferente na dura rotina de um centro socioeducativo. A música, linguagem universal da humanidade, propicia, de forma quase que mágica, a aproximação de pessoas muito diferentes. Não sei se lembrarão de todos os truques musicais que ensinei. Minha única certeza, neste encontro, é a de que o grande transformado fui eu.

Edição – Equipe EcoDom