Pedro Paulino criou equipamento que usa ar e fabrica até 5 mil litros por dia. Vendas subiram durante estiagem, mas preço 'salgado' dificulta uso caseiro
'Quer um pouco de água?'. A pergunta em tom de brincadeira feita pelo engenheiro mecatrônico Pedro Ricardo Paulino poderia soar como ironia para quem lida com torneiras secas no interior de São Paulo, não fosse o resultado do invento capaz de produzir até cinco mil litros por dia, quando ligado à tomada. O desafio dele é popularizar a máquina, uma vez que cada litro custa R$ 0,17 de energia e a produção sob encomenda deixa o preço 'salgado'.
Sem formalidades na fábrica instalada no Jardim Paulista, em Valinhos (SP), ele apresentou as opções já disponíveis no mercado desde 2010. A primeira, com visual que se assemelha a um bebedouro com visor colorido e moderno, custa R$ 8 mil e pode 'fabricar' 30 litros de água potável por dia. Tudo isso com um diferencial: temperatura de 10º C a 90º C. "É preciso apenas que a umidade relativa do ar esteja igual ou superior a 10%", falou ao comentar que ela não funciona em nível inferior, por tratar-se de percentual mínimo indicado pela Organização Mundial da Saúde, e a umidade retirada do ambiente não é significativa.
A produção envolve 12 processos de filtragem, entre eles, quatro para inserção de sais minerais que permitem o consumo do líquido. "Adicionamos magnésio, cálcio, potássio e silício e, além disso, tem quase zero de sódio. Se houver alguma falha na purificação, ela trava automaticamente. Não existe no mercado água com este nível de pureza", destacou Paulino. Veja explicação do engenheiro sobre a máquina no vídeo disponível abaixo.
Popularização e lucros na estiagem
Segundo o inventor, um modelo portátil capaz de oferecer 15 litros por dia, ao custo de R$ 6 mil, é a aposta para que as máquinas sejam popularizadas, em três anos, quando estima criar uma linha de produção para 1 mil peças por mês para cogitar falar em 'economia'.
"Tenho ciência de que o valor é alto, mas quero que as pessoas de baixa renda também possam ser beneficiadas no futuro. É uma questão emergencial e sobrevivência", afirmou. Segundo ele, o custo é elevado por causa da necessidade de comprar peças em oito países no exterior, incluindo China e Estados Unidos. Cada metro cúbico custa R$ 170 (energia), enquanto que a Sanasa – empresa responsável pelo abastecimento em Campinas – distribui a mesma quantidade para um residência padrão ao valor R$ 4,48. Na cidade, entretanto, a tarifa mais baixa – para até dez metros cúbicos, incluindo esgoto, custa R$ 11,89.
"A produção a partir de condensação é amplamente divulgada, mas a questão 'potável' eu desconheço. No Brasil há uma dificuldade técnica porque raramente encontramos alguns componentes", frisou. Segundo ele, desde janeiro foram vendidas 40 máquinas, entre elas, 25 capazes de produzir 1 mil litros por dia, cada uma pela bagatela de R$ 195 mil. Uma delas, embalada para entrega na fábrica, será enviada a um restaurante de Brasília nos próximos dias. Além disso, negocia a instalação de quatro máquinas capazes de produzir 5 mil litros por dia em Crateús (CE), ao preço de R$ 350 mil, com o governo do estado.
'Pólvora' e solução
Paulino lembrou que o projeto começou a ser desenvolvido na década de 90, quando estava na França e atuava por uma empresa multinacional. À época, o intuito era criar um sistema que alimentasse um equipamento de hemodiálise, contudo, o projeto foi engavetado anos depois por causa da limitação tecnológica disponível e a falta de interesse. "O diferencial foi eu ter acreditado nesta ideia. Foram muitas pesquisas durante esse tempo, morei um tempo na China e investi apenas recursos próprios, em torno de US$ 1 milhão", explicou. Segundo ele, a máquina tem garantia de um ano, mas por enquanto não houve relatos de problemas
O sistema foi patenteado em 2010 e, de acordo com o engenheiro, tentativas de parcerias foram negadas por diversas instituições que atuam no segmento de peças e componentes usados na máquina. "Achavam que eu queria inventar a pólvora", divertiu-se. O engenheiro contrata até 12 técnicos temporários para ajudar no desenvolvimento das máquinas e projetos.
Crise hídrica
Ao comentar sobre viagens feitas como a Dubai, Pedro Paulino defendeu que a máquina e investimentos na dessalinização da água do mar em grande escala são alternativas que o país poderia investir para reverter a crise hídrica, sobretudo em São Paulo. "É preciso investir. Os Emirados Árabes, por exemplo, pediram em 2012 um projeto de uma turbina que possa gerar água purificada no deserto. Estamos conversando."
Sobre o racionamento que começou em janeiro na cidade onde mora, o engenheiro deu um sorriso discreto ao comentar que criou um sistema híbrido, a partir da ligação entre a caixa d´água da residência e uma máquina. "O nível é constante. Vizinhos visitam e demonstram interesse. Por causa da estiagem, neste ano as vendas multiplicaram por cinco", frisou.
Fonte: g1.globo.com
Laísa Mangelli