A energia das florestas


Referência na produção de etanol e de cogeração de energia em usinas a partir do uso do bagaço de cana-de-açúcar, o Brasil destaca-se no cenário mundial também por possuir extensas áreas florestais nativas com possibilidade de manejo sustentável e florestas plantadas com perspectivas de crescimento. Dados do Anuário Estatístico da Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas (Abraf), de 2013, mostram que a área plantada de eucaliptos e pinos no País atingiu 6,66 milhões de hectares, sendo 76,6% correspondentes ao plantio de eucaliptos. Ao todo, são estimados 7,2 milhões de hectares de florestas plantadas para fins comerciais. No entanto, o setor de bioeletricidade permanece baseado quase que totalmente na indústria sucroenergética, com uma participação ainda tímida de outras fontes. Especialistas avaliam que o potencial da biomassa para geração de energia ainda é pouco explorado, em tempos de crescente demanda por fontes alternativas de energia, um dos maiores desafios deste século. Segundo o Balanço Energético Nacional (BEN 2014/Relatório Síntese), a biomassa representa atualmente 7,6% da matriz energética brasileira, ocupando a terceira posição, atrás da predominante fonte hidráulica, com 70,6%, e do gás natural, que participa com 11,3%.

Especificamente no segmento biomassa, que abrange resíduos agrícolas e agroindustriais, além de florestas energéticas, números oficiais confirmam o protagonismo da geração a partir do bagaço de cana-de-açúcar. Estatísticas do Banco de Informações de Geração da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apontam que 383 empreendimentos de cogeração a partir do bagaço de cana estão em atividade no País, seguidos por madeira, com 53 empreendimentos, além de biogás (22), licor negro (17) e casca de arroz (9), totalizando 484 usinas em operação. O Anuário Abraf 2013 indica a geração anual de cerca de 41 milhões de toneladas de resíduos madeireiros oriundos da indústria de processamento de madeira e da colheita florestal, capazes de gerar energia equivalente a 1,7 gigawatt (GW) por ano. Ainda conforme o levantamento da Abraf, atualmente a biomassa de base florestal representa 15,8% da geração de energia elétrica a partir de biomassa – biogás, casca de arroz, capim elefante e óleo de palma equivalem a apenas 1,8%. Vale ressaltar que biomassa florestal compreende resíduos provenientes da produção florestal, como galhos, folhas e cascas, além de resíduos do processamento de madeira, como serragem, e subprodutos da produção de papel.

Coordenador do projeto Florestas Energéticas, desenvolvido há sete anos pela Embrapa Florestas, Antonio Bellote explica que o termo é um nome fantasia utilizado para definir uso da biomassa florestal para fins energéticos. O pesquisador conta que, no Brasil, sempre existiram as florestas ditas energéticas, sobretudo para produção de carvão vegetal e queima direta, como, por exemplo, cocção de alimentos. O plantio destinado apenas ao uso energético tem como destaque o eucalipto, a espécie mais utilizada, que registra produção média de 40 m³ por ano, chegando a 280 m³ por hectare em um ciclo de sete anos.

A produção de biomassa em larga escala, com o desenvolvimento de tecnologias de conversão em energia, ainda é um desafio para o mercado interno. Conforme Bellote, a previsão sobre quantos anos serão necessários para se chegar a este patamar de produção depende do desenvolvimento de políticas públicas, uma vez que o plantio requer incentivos, estímulos e investimentos em tecnologias, sobretudo em regiões com pouca ou nenhuma tradição em cultivos florestais. “O investimento é diretamente proporcional ao que almejamos em termos de aumentar a participação de energia renovável na matriz energética brasileira. Se queremos manter apenas o uso tradicional, ou seja, lenha e carvão, ou se queremos desenvolver tecnologias de alto valor agregado, como etanol, bio-óleo, celulignina e hidrogênio, por exemplo. Em todos esses casos há necessidade de aumentar a área plantada. Para a situação atual, onde a biomassa florestal é utilizada para lenha, carvão, estamos falando em passar de 6 milhões de hectares hoje plantados para 13 milhões, isto é, plantar mais 7 milhões de hectares”, avalia o coordenador.

Desenvolvido em cinco unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) juntamente com universidades parceiras, um dos vários projetos que integra a rede de pesquisas sobre florestas energéticas tem por objetivo estudar a obtenção de produtos diversificados a partir da biomassa florestal, como o bio-óleo, o gás síntese e o próprio etanol. “O gás de síntese já é utilizado na indústria, mas tem hoje o petróleo como fonte principal. [No caso do gás, por exemplo,] a ideia é desenvolver processos para obtê-lo eficientemente a partir de biomassa florestal”, defende a pesquisadora da Embrapa Agroenergia e coordenadora do subprojeto Avanços Tecnológicos na Produção de Bio-óleo, Gás de Síntese, Hidrogênio e Etanol a partir de Biomassa Florestal, Mônica Caramez.

Outros estudos em rede também estão em andamento e incluem a produção de etanol celulósico, conhecido como 2G, a partir de espécies florestais e resíduos da indústria de papel e a possibilidade de obter hidrogênio por gaseificação da  biomassa florestal, em água supercrítica, integrada a uma unidade termoelétrica. A coordenadora explica que tanto a biomassa florestal quanto o bagaço de cana são materiais lignocelulósicos, isto é, compostos de três elementos principais: lignina, celulose e hemicelulose. “A diferença está na proporção desses três constituintes, o que exige adaptações nas rotas tecnológicas, especialmente a de etanol 2G. Viabilizar o uso de espécies florestais no mercado de agroenergia é importante para diversificar as fontes de biomassa e, também, para suprir regiões em que a cana-de-açúcar, por exemplo, não é tradicionalmente cultivada”, enfatiza Mônica Caramez.

“As espécies florestais já são fonte importante de energia no Brasil, com a produção de carvão e lenha. Há, no entanto, potencial para ampliar a participação delas na matriz energética do País, desde que haja desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias, principalmente no aproveitamento energético durante sua utilização. É preciso ainda amadurecimento tecnológico e ampliação de escala, além de incentivo à utilização de produtos de origem renovável,” salienta a pesquisadora.

Além de incrementar a matriz, árvores plantadas com fins energéticos desempenham importante papel na utilização de terras degradadas. É o que ressalta a presidente executiva da Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ), Elizabeth de Carvalhaes. “As florestas energéticas também são fundamentais no combate ao efeito estufa. Sua utilização em larga escala para fins energéticos pode promover o desenvolvimento sustentável de áreas rurais e regiões pouco desenvolvidas. Como vantagem econômica, além de ser o combustível mais barato nos países em desenvolvimento, a biomassa florestal ainda gera emprego e renda, fixando o homem no campo. O setor de siderurgia a carvão vegetal, sozinho, gerou 748 mil empregos em 2012, entre diretos e indiretos”, avalia.

“As florestas energéticas são formadas por árvores plantadas com o objetivo de evitar a pressão do desmatamento sobre as florestas naturais e, obviamente, fornecer alternativas energéticas renováveis. O uso da madeira proveniente dessas florestas pode ser tanto para produção de carvão vegetal quanto para queima direta da lenha, contribuindo para o aumento de alternativas renováveis mais sustentáveis na matriz energética brasileira”, pontua a executiva.

De acordo com a presidente, plantios de florestas energéticas predominam nas regiões Sudeste e Sul do País, com destaque para alguns projetos de pellets e a produção superior a 10 mil hectares de lenha por ano no Rio Grande do Sul e Paraná, além da expansão de plantios florestais com finalidades energéticas nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, onde novos empreendimentos siderúrgicos estão sendo desenvolvidos. Apesar do cenário promissor, com o ingresso no mercado de empresas que têm como objetivo principal gerar energia a partir deste sistema, a presidente da IBÁ acredita que a produção está apenas no começo. “A biomassa florestal ainda é incipiente no Brasil, apesar de seu grande potencial. A geração nacional de energia a partir da biomassa é feita em grande parte pelas empresas para satisfazer, ao menos parcialmente, sua própria demanda. Os combustíveis empregados são principalmente o bagaço de cana, nas usinas de açúcar e álcool, o licor negro, nas fábricas de celulose e papel, e a lenha, em indústrias diversas, além da casca e do resíduo florestal”, afirma.

Para Elizabeth de Carvalhaes, o País se destaca e tem potencial para ampliar o uso da biomassa florestal em sistemas de cogeração, com iniciativas crescentes e ingresso no mercado de empresas que têm como objetivo principal gerar energia a partir deste sistema. A presidente contextualiza que a crise energética nacional de 2011 evidenciou ainda mais essa necessidade, atentando para a necessidade de diversificar a matriz. “O Brasil é reconhecido como vanguarda na produção e no manejo de árvores plantadas, por conta do melhor e mais avançado conhecimento tecnológico e científico e, também, da excelência no manejo e silvicultura. Somados às condições de clima e solo, esses atributos possibilitarão uma produção de madeira e, consequentemente, biomassa florestal crescente para os próximos anos”, analisa.

“Utilizar um recurso natural renovável é sempre importante, ainda mais se o País tem o privilégio de contar com muita terra e clima favorável para produção de biomassa florestal”, ressalta o diretor de Desenvolvimento Sustentável do Instituto Acende Brasil, Alexandre Uhlig. Dentre os Estados que se sobressaem no plantio de florestas estão Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. “A madeira pode ser competitiva economicamente para gerar eletricidade quando comparada a outras fontes como o gás natural e o carvão mineral”, aponta.

Além dos aspectos econômicos, Uhlig destaca também a viabilidade social do plantio de florestas energéticas, uma vez que o setor gera empregos e “segura o homem no campo”. Doutor em Energia, ele alerta que, embora seja um recurso natural, renovável e economicamente competitivo com outras fontes, a alternativa ainda enfrenta alguns desafios, como as restrições governamentais à compra de terras por grupos estrangeiros e o excesso de burocracia, que diminui a competitividade. Se, por um lado, o cenário é promissor, na análise de Uhlig é necessário “regularizar a compra de terras por grupos nacionais com capital estrangeiro, agilizar e desburocratizar o processo de licenças ambientais, fornecer financiamentos com custos mais interessantes e adotar uma legislação trabalhista simplificada”.

Líria Costa Rezende-Canal-Jornal da Bioenergia