Desmatamento e trabalho escravo alimentam cadeia do aço


A cada quatro horas, ativistas do Greenpeace se revezam pendurados na corrente da âncora do navio Clipper Hope. Nesta quarta-feira (16/05), a ação, que tem prazo indeterminado, completa 48 horas. O cargueiro impedido de trafegar está a serviço da empresa maranhense Viena Siderúrgica e tenta ancorar na baía de São Marcos, a 20 quilômetros de São Luís, no Maranhão, para receber um carregamento estimado de 30 mil toneladas de ferro gusa.

“Não pretendemos sair daqui”, disse por telefone Paulo Adário, que lidera a ação pelo Greenpeace. Ele conversou com a DW Brasil a bordo do navio Rainbow Warrior, usado pela ong em protestos em todo mundo.
 


A ação dos ativistas quer chamar a atenção para a cadeia de produção do ferro gusa, matéria-prima do aço, que tem deixado um rastro de destruição na Amazônia, denuncia a organização ambientalista. Simultaneamente ao protesto, a ong lançou o relatório “Carvoaria Amazônia: como a indústria de aço e ferro gusa está destruindo a floresta com a participação de governo”, que coletou informações ao longo de dois anos sobre a atividade no Norte do Brasil.

 

Carvão: a raiz do problema
 


O estudo do Greenpeace afirma que a cadeia de produção do ferro na região amazônica do país inclui desmatamento, trabalho escravo e desrespeito a povos indígenas. E ainda: gigantes como Ford, General Motors, Nissan, Mercedes, BMW e a produtora de equipamentos agrícolas John Deere teriam participação indireta nessas irregularidades. Cerca de 80% de todo o ferro gusa ligado à devastação da região são exportados para os Estados Unidos para abastecer essas marcas.
 


A matéria-prima é extraída em Carajás, nos territórios do Pará, Amazonas e Tocantins. A região se tornou um polo de produção de ferro a partir da década de 1980 – de lá para cá mais de 40 altos-fornos se instalaram no local, operados por 18 empresas guseiras. A demanda por carvão para alimentar os altos-fornos deu origem a inúmeras carvoarias.
 


“O que sobrou de mata amazônica no Maranhão está dentro de áreas protegidas ou são terras indígenas. E essas áreas têm sido invadidas por madeireiros que buscam madeira para exportação e consumo interno e para produção de carvão”, acusa Adário. Dados oficiais mostram que 75% da floresta original que cobria o estado já foram desmatados.
 


O uso de mão de obra análoga à escrava em carvoarias isoladas no meio da mata é, segundo a Comissão Pastoral da Terra, de conhecimento das autoridades: entre 2003 e 2011, foram libertados mais de 2.700 trabalhadores em situação degradante. Muitas dessas carvoarias, diz o relatório, usam madeira obtida de forma ilegal para produzir o carvão. Esse combustível irá, mais tarde, aquecer os altos-fornos para transformar o ferro gusa.

 

No final de 2011, o Ibama comprovou que as maiores siderúrgicas do Pará utilizam carvão ilegal na produção do ferro-gusa. “Mais do que isso, as siderúrgicas fomentam o desmatamento da floresta amazônica em todo o sul e sudeste paraense para obter o carvão de que precisam, acobertando essa origem irregular com Guias Florestais fraudadas”, afirmou Luciano da Silva, coordenador da operação que foi batizada como Saldo Negro.
 


O Ibama estimou, por exemplo, que o consumo de carvão vegetal da Siderúrgica do Pará, empresa de porte médio, correspondeu nos últimos cinco anos a 370 quilômetros quadrados de desmatamento ilegal.
 


Viena Siderúrgica contesta acusações
 


Outra empresa problemática, afirma Paulo Adário, é a Viena Siderúrgica. O navio Clipper Hope, impedido de atracar pelos ativistas do Greenpeace, será carregado com ferro gusa obtido nos altos-fornos dessa companhia e seguirá para os Estados Unidos.
 


Questionada, a Viena Siderúrgica disse que foi surpreendida com o teor do relatório Carvoaria Amazônia. “Documentos em poder da empresa, tais como licença de operação e comprovação de regularidade no sistema DOF administrado pelo Ibama, comprovam a regularidade dos fornecedores no período em que a Viena manteve negociações com estes”, escreveu Wanderley M. dos Santos, advogado da siderúrgica, em resposta à DW Brasil.
 


Ainda segundo o advogado, “a siderúrgica repudia todas as práticas citadas pelo relatório, reafirmando que sempre trabalhou para ser reconhecida pelas práticas sócio-ambientais adequadas, por projetos de transformação social nas comunidades próximas à empresa e pela transparência de suas ações”.
 


Solução para o problema

Para o Greenpeace, não basta que o governo brasileiro combata as ilegalidades sociais e ambientais. “As montadoras, construtoras e outros consumidores de aço precisam identificar se os fornecedores de ferro gusa processado com carvão vegetal respeitam as leis brasileiras”, exige a ong.

 

Esse grandes consumidores, adiciona Paulo Adário, precisam adotar procedimentos para monitorar se sua cadeia de suprimento não destrói a floresta, não contém matéria-prima proveniente de áreas protegidas ou de terras indígenas, nem emprega mão de obra análoga à escrava.
 


Leia o documento na integra: Carvoaria Amazônia – Como a indústria de aço e ferro gusa está destruindo a floresta com a participação de governos.

Fonte: Eco Agência