Cerca de 30% das emissões de dióxido de carbono das atividades humanas vêm da agricultura, revelou uma análise publicada nesta terça-feira (30) pelo Programa de Pesquisa em Mudanças Climáticas, Agricultura e Segurança Alimentar (CCAFS) do Grupo Consultivo para Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR).
Segundo o estudo, intitulado Mudanças Climáticas e Segurança Alimentar, o número é maior do que o estimado antes devido ao fato de que a nova pesquisa leva em conta todos os estágios do sistema alimentar global, enquanto as análises anteriores só levavam em consideração a contribuição da produção agrícola em si para as emissões de gases do efeito estufa.
Usando estimativas de 2005, 2007 e 2008, o estudo mostrou que, embora a produção agrícola seja responsável por 86% das emissões da agricultura, o que equivale a 12 mil megatoneladas de CO2 por ano, outras fases do sistema alimentar, como a produção de fertilizantes e a refrigeração de alimentos, também têm um grande papel nas emissões, contribuindo com 575 e 490 megatoneladas, respectivamente.
No total, o sistema emite entre 9,8 mil a 16,9 mil megatoneladas de dióxido de carbono equivalente por ano, incluindo as emissões indiretas do desmatamento e das mudanças no uso da terra. “Essa é a primeira vez que isso [o estudo] foi feito. É um grande trabalho, considerando a enorme limitação de dados – é por isso que há uma lacuna tão grande [na diferença de emissões]”, afirmou Bruce Campbell, diretor de programa do CCAFS.
“Estamos chegando a um acordo sobre o fato de que a agricultura é um ator vital nas mudanças climáticas. Não apenas as emissões da agricultura são muito maiores do que o estimado anteriormente, mas com os recordes do clima sendo estabelecidos a cada mês à medida que os climas regionais se ajustam e reajustam, há uma necessidade urgente de pesquisas que ajudem pequenos agricultores a se adaptarem ao novo normal”, concordou Frank Rijsberman, CEO do Consórcio CGIAR.
E essa não foi a única pesquisa recente a relacionar as mudanças climáticas com a produção alimentar. A análise Recalibrando a Produção Alimentar ressaltou os potenciais efeitos das mudanças climáticas em 22 das principais commodities agrícolas, como trigo, soja e batatas.
De acordo com essa pesquisa, também do CCAFS do CGIAR, até 2050 as mudanças climáticas poderão reduzir produção das plantações de trigo em países em desenvolvimento em 13%, das colheitas de arroz nos mesmos países em 15%, e em 10-20% das plantações de milho na África.
Outras fontes de caloria e proteínas também sofrerão com as mudanças climáticas, já que ficará mais caro alimentar o gado, por exemplo, com esses itens. E com a alteração da salinidade e acidez dos oceanos, a produção de pesca será igualmente afetada. Fontes de proteína vegetal, como a soja e a lentilha, também serão prejudicadas pelas mudanças climáticas.
Além disso, não apenas as colheitas, mas todo o ecossistema que oferece suporte a elas, sofrerão com os impactos das mudanças climáticas, o que restringirá ainda mais as possibilidades de plantações produtivas.
“As alterações ecossistêmicas devido às mudanças climáticas podem gerar transformações na intensidade de pestes e doenças, incluindo a praga da batata e besouros, que limitarão mais a produção de alimentos. De fato, mesmo se as colheitas puderem suportar as temperaturas mais altas e o decréscimo de chuvas, seus rendimentos poderiam cair por causa desses flagelos”, comentou Philip Thornton, autor de Recalibrando a Produção Alimentar e líder do CCAFS.
Isso sem contar as outras etapas do sistema alimentar, que também sofrerão com as mudanças climáticas. Conforme a segunda análise, o aumento das temperaturas e enchentes terá consequências no armazenamento e distribuição de alimentos, o que pode leva r a mais surtos de doenças de origem alimentar, como a diarreia.
“A segurança alimentar será no futuro uma questão crucial. Esse é um ponto de vista diferente do foco usual sobre rendimento de colheitas e emissões”, declarou Campbell.
“Até agora, a discussão sobre mudanças climáticas se focou na necessidade de reduzir as emissões e estimular sustentavelmente o rendimento das colheitas, mas também é crucial incluir a segurança alimentar em nossa visão e planejamento”, acrescentou Sonja Vermeulen, diretora de pesquisa do CCAFS e principal autora de Mudanças Climáticas e Segurança Alimentar.
Por tudo isso, ambos os estudos pedem por uma maior adaptação da agricultura às mudanças climáticas, seja respondendo a seus efeitos, seja combatendo as emissões responsáveis por intensificar o fenômeno. Isso pode significar alterar as plantações atualmente cultivadas em determinadas regiões, principalmente nos países com mais dificuldade a se adaptarem às transformações no clima, como as nações em desenvolvimento.
“Os problemas que as mudanças climáticas produzem nos campos serão combatidos em países industrializados. São os pequenos agricultores na África e sul da Ásia e os pobres das cidades que gastam muito do seu salário em comida; essas são as pessoas que terão menos que comer num futuro próximo a menos que nos adaptemos em um ritmo muito mais rápido”, disse Robert Zougmoré, líder regional de programa da África Oriental.
“A mitigação e adaptação às mudanças climáticas são prioridades vitais. Agricultores do mundo todo, especialmente pequenos agricultores em países em desenvolvimento, precisam de acesso à ciência atual, mais recursos e tecnologias avançadas. As pesquisas servem como um pedido urgente aos negociadores na próxima Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) em Doha”, explicou Campbell.
Segundo as análises, os desafios para alimentar a crescente população mundial não apenas exigirão um grande aumento na produção de alimentos, mas também um melhor acesso a uma dieta nutritiva.
“As emissões relacionadas aos alimentos e os impactos das mudanças climáticas na agricultura e no sistema de alimentos alterarão profundamente a forma que cultivamos e produzimos comida. Isso afetará partes diferentes do mundo de formas radicalmente diferentes, mas todas as regiões terão que mudar sua atual abordagem sobre o que cultivam e comem”, observou Vermeulen.
“A boa notícia é que se os agricultores e produtores de alimentos começarem a se adaptar agora, eles podem evitar que parte dos cenários de produção e distribuição de alimentos se reflita nessas pesquisas. Mas eles não podem enfrentar esses problemas complexos e inter-relacionados, que variam de colheita para colheita e região para região, sozinhos. Ele precisam de apoio dos níveis mais altos”, concluiu Thornton.
Fonte: Instituto Carbono Brasil