Por Bettina Barros
A produção nacional de biocombustível de microalgas não chegará tão cedo ao mercado brasileiro. O abastecimento das bombas com o produto renovável deverá levar até uma década, estimam agora "players" do setor. O gargalo continua sendo o mesmo de meados dos anos 2000, quando as pesquisas tomaram fôlego no país: produzir o biocombustível em larga escala a preço competitivo. Enquanto isso não ocorre, empresas que apostavam nesse mercado voltaram os esforços a alternativas de uso para a microalga, com foco na indústria química e de cosméticos.
Desde 2011 no país, a californiana Solazymes ajustou sua estratégia de negócios no Brasil para o desenvolvimento de óleos de maior valor agregado para as indústrias químicas, petroquímicas, de cosméticos e do agronegócio. "A gente foi descobrindo as coisas com o carro andando", afirma Walfredo Linhares, gerente da companhia no Brasil, referindo-se à decisão da matriz californiana de diversificar o portfólio. "Os fundadores perceberam o potencial da tecnologia que haviam criado para produção não só de combustíveis, mas para uma infinidade de outros óleos usados em quase todos os produtos que usamos no dia a dia. A produção de combustível é, na verdade, o uso menos nobre para a microalga", afirma o executivo.
Há um ano, a companhia formalizou uma joint venture com a Bunge para a implantação da primeira unidade de produção de óleos renováveis em grande escala no país. Com financiamento de R$ 246 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a planta está sendo construída adjacente à usina Moema, da Bunge, no interior de São Paulo, e tem capacidade para produção de 100 mil toneladas de óleos a partir de microalgas por ano. A expectativa é que entre em operação até já no início de 2014.
Segundo Linhares, que acumulou mais de 20 anos de experiência em empresas como Shell, Copersucar e Brenco, a decisão de priorizar óleos químicos aqui não se deveu a restrições tecnológicas – nos EUA, a Solazymes vende combustível de microalgas a um projeto da marinha subsidiado pelo governo americano. "Foi uma decisão de negócio".
Embora afirme que o problema não é produzir em escala a custos competitivos, a empresa não mostra interesse em entrar no curto prazo na produção do biocombustível, que concorreria na bomba com o diesel. "Falta uma política do governo para a produção. Veja o que está acontecendo com o etanol", diz Linhares. "Até que tenha um ambiente de negócio favorável, [o biocombustível de microalgas] não tem atrativo econômico".
Por outro lado, a necessidade de óleos vegetais refinados no país chamou a atenção da empresa. O Brasil é um importador de óleo de palma (dendê), utilizado em produtos que vão de cremes de beleza a alimentos. Atualmente, o país produz metade do que consome. Segundo a Solazymes, quando a usina operar em plena capacidade (a estimativa é daqui a dois anos) será possível reduzir em até 60% as compras de óleo de palma do país.
Já as empresas menos capitalizadas estão sendo obrigadas a diversificar para "sobreviver", diz Sérgio Goldemberg, gerente da Algae Biotecnologia, de São Paulo. "O difícil não é criar algas, é torná-las um negócio". E não é só no Brasil, ele afirma. Muitas empresas dos EUA, que lideravam a corrida tecnológica com microalgas, mudaram o rumo no meio do caminho ou simplesmente fecharam.
Pertencente ao grupo Ecogeo, a Algae surgiu em 2009 com um aporte de R$ 3 milhões para pesquisas que resultariam no que seria a sensação verde automotiva. "A meta é chegar a R$ 2 por litro, mas ainda não estamos prontos para o grande show das microalgas", diz Sergio, filho do ex-secretário de Meio Ambiente, José Goldemberg.
Para ele, escolhas erradas e a indefinição da rota tecnológica impedem o avanço rápido das pesquisas. Isso porque há muitas questões em aberto. Qual o melhor sistema de produção, em tanques abertos, mais vulneráveis à contaminação por micro-organismos, ou fechados, mais caros? Qual a melhor água para a reprodução – doce, salgada, salobra? Qual a variedade ideal de microalga?
Uma das técnicas mais praticadas de nutrição das micro-algas é a injeção de sacarose nos tanques, mas esse sistema pode se provar caro já que a chamada taxa de conversão é baixa – ou seja, é preciso um volume grande de açúcar para alimentar as micro-algas. "Vamos ter um atraso de cinco a dez anos na produção do biocombustível de micro-algas até ter essas respostas. E não conseguimos nos manter sem outras opções por tanto tempo assim. O lado bom é que estamos conhecendo novas aplicações que nos darão sobrevida". Uma delas é o uso da biomassa de microalgas para nutrição animal, em substituição à farinha de peixe.
Para a Petrobras, não se trata de um atraso nas bombas. A estatal diz ter trabalhado com um prazo mais longo que o setor privado. "Nossa expectativa sempre foi muito pé no chão", diz Norberto Noschang, gerente de tecnologia para biocombustíveis. Ele explica que havia muita coisa a ser analisada (como a identificação das cepas ideias em meio a mais de três mil espécies de algas) e desafios "que o pessoal também não esperava".
"Não dava pra sair antes disso", diz ele, citando problemas que a própria estatal enfrentou durante o processo de tentativa e erro de produção. "Tivemos um episódio de contaminação do tanque que parecia o Pac-Man", diz ele. "Tivemos de aprender a controlar".
A estatal brasileira iniciou em 2006 os estudos em laboratório com micro-algas. Hoje tem seis tanques, com quatro mil litros cada, no Rio Grande do Norte, lugar que acredita ser mais propício à produção. É a chamada fase-piloto, que vem depois do laboratório e antes da demonstração, que deverá ser iniciada no fim deste ano.
Noschang diz que projeta a chegada do biocombustível ao mercado brasileiro até 2018.
Fonte: Valor Econômico