Fim da pororoca em rio do Amapá é irreversível, avaliam especialistas
G1 ouviu profissionais e posicionamentos apontam para caminho sem volta.
Pororoca teria acabado por ação da pecuária e hidrelétricas.
O fim de um dos fenômenos naturais mais conhecidos do Amapá, a pororoca, parece ser um caminho sem volta. Mesmo com investigações e estudos anunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) e órgãos ambientais do estado para saber as reais causas e alternativas para o Amapá ter de volta as famosas ondas, especialistas avaliam que o retorno do fenômeno tende a ser irreversível.
O G1 ouviu profissionais ligados ao assunto e todos tiveram posicionamento semelhante sobre as causas e as chances de o Amapá retomar ao posto de referência nacional da prática do surfe na pororoca. As ondas do Araguari ganharam notoriedade por terem sido consideradas as mais longas em duração no planeta.
O fenômeno, que foi palco de surfistas na costa Leste do Amapá, sofreu danos causados pela ação do próprio homem, segundo especialistas, com a construção de três hidrelétricas e a criação de búfalos às margens do rio Araguari, que corta sete municípios amapaenses.
"Essa perda da pororoca de forma brusca ocorreu pela ação do homem e nesse trecho é impossível a gente ter o fenômeno, mas somente a natureza pode dizer isso", avaliou o doutor em geologia marinha Admilson Torres, do Instituto Estadual de Pesquisas do Amapá (Iepa).
"A pororoca não tem mais jeito. Toda a água que iria de encontro com o oceano, não vai mais. A cada dia, a tendência da foz secar é ainda maior com o aparecimento até de capim e desertificação", afirmou Antônio Feijão, CEO da Amazon Global, instituto que estuda o comportamento ambiental da foz do rio Araguari.
"Avalio ser muito difícil a gente ter a pororoca mais uma vez porque é quase impossível combater o pisoteio do búfalo, as hidrelétricas já estão erguidas e teria que fazer uma dragagem imensa na foz do rio Araguari. É algo muito difícil e inviável economicamente fazer tudo isso", disse Mamed Leal, ambientalista do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Coema) do Amapá.
"O que aconteceu no Araguari foi um soma de vários fatores que parecem ser algo sem volta para diminuí-los. É complicado dizer que é um processo com chances de ser revertido", completou o biólogo Antônio Farias.
O que causou o fim da pororoca?
As possibilidades levantadas por especialistas para o fim da pororoca são a soma de três fatores: a construção de três hidrelétricas no rio Araguari, a abertura de canais para levar águas a fazendas e a degradação causada pelo pisoteio de búfalos na região.
A pororoca é um fenômeno caracterizado por ondas formadas pelo encontro das águas do rio Araguari com a do oceano Atlântico. No Amapá, ela chamou atenção de várias partes do mundo.
"Trabalhei quinze anos na pororoca trazendo japonês, chinês, alemão, americano. Todas as pessoas de outros países eu trazia. A gente ganhava o dinheiro e agora está só 'praião'. Tudo seco", relatou José Torra, piloto de embarcação, em entrevista à Rede Amazônica no Amapá, que acompanhou as consequências do fim da pororoca na vida dos ribeirinhos às margens do Araguari.
O Instituto Chico Mendes (ICMBio) avalia que a pecuária foi a responsável pela perda de força do Araguari diante do oceano por causa de canais que foram abertos no curso do rio. As valas fizeram a transposição da água e secou a foz.
"Para a gente atuar na causa, todos esses canais e valas teriam que ser fechados. E são muitos. E eles já estão mais fundos e largos que o próprio rio considerando a largura que tinha antes aqui na foz. É um processo difícil de reverter. Teria que investir muita pesquisa e recurso financeiro para poder fechar esses canais e o rio voltar a ter força de novo.", afirmou Patrícia Pinha, do ICMBio, à Rede Amazônica no Amapá.
Existem canais abertos com até 350 metros de largura, maior que alguns trechos do próprio Araguari.
A Federação de Pecuária do Amapá rebateu e avaliou que as três hidrelétricas são responsáveis pela degradação do rio. Existem duas em operação e uma em construção no Araguari.
Para comparar a força que tinha o Araguari, a queda do curso da água nos 200 quilômetros entre nascente e a foz tem altura de 80 metros, enquanto do rio Amazonas, a partir de Manaus ao oceano, no Amapá, a altura máxima é de 16 metros entre mais de mil quilômetros de extensão no referido percurso, segundo o geógrafo Antônio Feijão.
A força da nascente, no entanto, foi afetada pela construção das três hidrelétricas. Esse fato somado a criação de búfalos na foz, resultou no fim das ondas, de acordo com o especialista.
"Foram criados três grandes lagos para represar essa água do rio Araguari, fazendo perder a força provocada na nascente", disse o geógrafo.
Investigação e estudos
O Ministério Público Federal apura a responsabilidade dos pecuaristas da região e também do Estado em relação ao impacto ambiental, de proporções ainda não calculadas pelos órgãos de conservação.
O levantamento tem como base um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) assinado em 2010 entre os fazendeiros da região e o Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O documento previa que os fazendeiros cercassem as propriedades para evitar a criação desordenada dos animais.