Está faltando água?


 

Por Cristiano Weber¹

           

            A falta de água potável é um problema que abrange diversos estados e municípios brasileiros. Na minha ótica, a situação chegou ao ponto em que se encontra por absoluta falta de políticas públicas nas mais diversas áreas (educação, tecnologia, saneamento básico, planejamento etc.), o que não é culpa desse ou daquele governo, mas, sim, de uma gestão estatal que já vem se demonstrando ineficiente há prolongadas décadas.

            No ritmo em que andamos, não seria nenhuma novidade a previsão de falta de água. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em Vida para Consumo, já classificou a sociedade contemporânea como uma “sociedade de consumo”. Literalmente, estamos presenciando uma onda exagerada de consumo a todo custo. Basta ligarmos a televisão, abrirmos o jornal, lermos alguma revista ou acessarmos a internet para recebermos uma mensagem dizendo que hoje precisamos comprar algo e amanhã também. Aliás, o prezado(a) leitor(a) sabe que, para fabricar 01 (uma) simples folha de papel, são necessários cerca de 10 (dez) litros de água? E que, para montar apenas 01 (um) automóvel, são necessários cerca de 400.000 (quatrocentos mil) litros de água². Ora, dessa forma, é certo que não haverá meio ambiente que absorva tamanha falta de cuidado. Precisamos planejar mais e agir dentro de um “saber ético”, como diria Leonardo Boff em Saber Cuidar, sob pena de, realmente, terminarmos no colapso.

            Para amenizar essa situação caótica, medidas de urgência já deveriam ter sido tomadas pelo Poder Público, a começar pela intensificação na fiscalização do uso (ir)racional da água (com ações repressivas, inclusive) e no fortalecimento da educação e conscientização ambiental. Se não for assim, nada adianta termos uma legislação ambiental considerada uma das mais avançadas do mundo, visto que ao sistema econômico ainda está faltando uma verdadeira ética ambiental e aos consumidores em geral uma dose de informação adequada para que percebam que, sem água de qualidade, não terão sequer meios para produzir e, consequentemente, não terão o que comprar. Infelizmente, quem mais sofre(rá) com isso tudo é a população carente, excluída da “sociedade de consumo”, que não terá condições de comprar o bem mais precioso e necessário para que se tenha uma vida digna, a água potável.

 


[[1]] Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Especialista em Direito Ambiental pela UNISINOS. Especializando em Educação Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Advogado e consultor jurídico ambiental.

[[2]] Revista Época. Quantos litros de água são usados na fabricação de cada produto? Edição Meio Ambiente, 2013. Disponível em: < http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2013/03/quantos-litros-de-agua-sao-usados-na-fabricacao-de-cada-produto.html > Acesso em: 28 nov. 2013.

 

Ensaio sobre a teoria do risco de Ulrich Beck


                                    

Artigo por Cristiano Weber¹.

A teoria do risco foi desenvolvida pelo sociólogo alemão Ulrich Beck² e publicada paralelamente ao acidente nuclear que ocorreu, em 1986, em Chernobil (coincidência?). É uma obra (ou melhor: um alerta) dirigida à sociedade que vive em constantes riscos e que, por sinal, são produzidos por ela própria. Esta é a sociedade globalizada, pois os riscos descritos por Beck não respeitam limites fronteiriços (território), tampouco culturas (povo) e sistemas econômicos ou políticos (poder). Tais riscos tiveram sua origem na chamada sociedade industrial que passou à sociedade pós-industrial e hoje se tornou a sociedade de risco. Nesta, o conhecimento científico não possui mais controle dos riscos que ajudou a criar e também não tem a certeza sobre os efeitos que suas descobertas podem gerar na saúde humana e no meio ambiente.

Em sua teoria, Beck tem como objetivo geral demonstrar a transição da sociedade industrial (que produzia e distribuía bens) à sociedade de risco (que produz e distribui riscos ecológicos, químicos, nucleares, genéticos, militares, políticos, terroristas e financeiros). Segundo Beck, “a modernidade iluminista deve enfrentar o desafio de cinco processos: a globalização, a individualização, o desemprego, o subemprego, a revolução dos gêneros e os riscos globais da crise ecológica e da turbulência dos mercados financeiros”.

Os riscos a que Beck se refere são os riscos irreversíveis (característica muito típica da sociedade moderna), ligados às decisões humanas e muito diferente dos perigos (que estão presentes em todas as épocas e remontam, mais precisamente, à navegação comercial intercontinental). Todavia, devido ao desenvolvimento tecnológico e ao consumismo voraz que impregnou a sociedade contemporânea (e de risco), o que se julgava previsível e passível de administração na sociedade industrial, tornou-se uma ameaça sem rumo e de difícil gestão pela sociedade de risco. Importante dizer que a clássica sociedade industrial permanece em atividade, porém, em um potencial muito maior de ofensividade, proporcionando uma verdadeira sociedade de risco.

O sociólogo alemão explica que a palavra risco, na época das grandes navegações e descobertas, tinha uma conotação de coragem e aventura. Hoje, devido à instabilidade  política, econômica e tecnológica, o significado já é outro, sendo o termo risco sinônimo de autodestruição da vida na Terra. 

Neste viés, pode-se afirmar que a principal característica desta nova sociedade (de risco) é a incerteza dos efeitos que os novos processos econômicos poderão ocasionar na saúde humana e no meio ambiente. Como o próprio Beck assinala, “o conceito de risco designa a invenção de uma civilização que busca tornar previsíveis as consequências imprevisíveis das decisões tomadas, controlar o incontrolável, sujeitar os efeitos colaterais a medidas preventivas conscientes a aos arranjos institucionais apropriados”. Nesse sentido, os riscos produzidos pela sociedade de risco preocupam porque são invisíveis (ou abstratos) e só são perceptíveis quando já há a ocorrência de um dano, ao contrário dos riscos da sociedade industrial que eram previsíveis (ou concretos) e gerenciáveis.

Relevante dizer que quem mais sofre com isso tudo é a camada mais pobre da população, eis que a mesma não possui alternativa a não ser aceitar as regras que são ditadas pelo novo capitalismo tecnocientífico³. Nas palavras de Beck, “estamos às voltas com uma separação radical entre os que geram riscos e os que são obrigados a suportar suas graves consequências”. Porém, isso não quer dizer que os ricos estão totalmente livres dos riscos, pois nesta nova sociedade até quem produziu o risco sofre as consequências e um exemplo muito claro disso é o acidente nuclear de Chernobil (1986) e de Fukushima (2011). Mas, o certo é que são os pobres que instalam suas moradias ao lado das grandes indústrias poluidoras, expostos ao perigo.

Portanto, não é nenhuma surpresa o fato de que tais riscos possam se manifestar somente no futuro, desencadeando inúmeros problemas a nossos descendentes, pois suas características (invisibilidade e imperceptibilidade) já trazem consigo esta preocupação. Por isso, cada vez mais se faz necessário a presença de um Estado de Direito Ambiental que deverá se mostrar forte e presente na sociedade de risco, adotando medidas de proteção com ênfase preventiva para que as presentes e futuras gerações possam usufruir um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. 

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¹ Desenvolvido a partir da obra: BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós Surcos, 2006.

² Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS (2009). Especialista em Direito Ambiental pela UNISINOS (2013). Mestrando em Direito e Justiça Social pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG. É membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RS. Tem experiência na área do Direito, com ênfase em Direito Penal e Direito Ambiental. Atua como advogado e consultor jurídico. Página pessoal: www.cristianoweber.com.br

³ Segundo Beck, “as indústrias com risco têm se mudado aos países com salários baixos. Isto não é causalidade. Há uma ‘força de atração’ sistemática entre a pobreza extrema e os riscos extremos. Na estação de manobra de partilha dos riscos são especialmente apreciadas as paradas em ‘províncias subdesenvolvidas’. E seria um tolo ingênuo quem ainda aceitar que os manobreiros não sabem o que fazem. Em favor disto, também fala a ‘maior receptividade’ da população desempregada frente às ‘novas’ tecnologias (que acreditam ser trabalho)” [tradução livre] (BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós Surcos, 2006. p 59).