Greve dos garis demonstra que racismo e discriminação devem ser superados


Entrevista especial com Antonio Cechin e Roque Spies

 

“Há uma tentativa de mostrar para a sociedade que a discriminação não tem cabimento, especialmente no caso dos garis, dos catadores de lixo, que desenvolvem um trabalho fundamental”, diz o assessor de cooperativas Roque Spies.

 

Foto: Manchete Online

greve dos garis do Rio de Janeiro, que teve como desfecho o aumento salarial de 37% e outros benefícios aos trabalhadores, suscitou discussões que estão entrelaçadas na história do Brasil.



As desigualdades sociais, o racismo, as más condições de trabalho foram alguns dos temas comentados por conta da greve que, sem contar com o apoio do sindicato, conseguiu um aumento salarial surpreendente. Para comentar esse fato, a IHU On-Line conversou com Antonio Cechin, por e-mail, que trabalha com catadores e recicladores de Porto Alegre, e Roque Spies, que assessora cooperativas de catadores na região do Vale do Rio dos Sinos.

 

Na avaliação de Cechin, “a grande lição deixada por esses vitoriosos garis, aplaudidos pelo povo depois do sensacional tento que lavraram e que deixou a eles mesmos perplexos, porque jamais imaginavam tanto, é que não há meio popular que não possa se organizar em busca de sua própria libertação. Isso porque o Deus da fé cristã é o Deus dos últimos, dos excluídos”.

 

Para Roque Spies, “esse foi o momento acertado para fazer a reivindicação, ou seja, antes da Copa do Mundo, porque, com tantos recursos sendo canalizados para outros serviços e atividades, chegou a hora de valorizar pessoas que trabalham por um salário tão mísero”. Em entrevista concedida pessoalmente à IHU On-LineSpieslembrou que a “Política Nacional de Resíduos Sólidos trouxe uma necessidade de valorização das pessoas que atuam nessa área, sejam garis, coletores, catadores de rua, ou pessoas que trabalham nas cooperativas, nos processos de triagem. Essas pessoas desenvolvem um trabalho ambiental muito importante, o qual só é lembrado quando há casos de inundações. A sociedade não pensa muito nesse tipo de trabalho, mas o movimento nacional de reciclagem popular está reivindicando que as pessoas que fazem esse serviço mais ‘sujo’ sejam valorizadas, porque há um descompasso de valores entre aquilo que os trabalhadores ganham e aquilo que as empresas ganham com as coletas ou no beneficiamento de materiais”.

 

Antônio Cechin é irmão marista, graduado em Letras Clássicas e em Ciências Jurídicas e Sociais. Trabalha como agente de Pastoral em diversas periferias da região metropolitana de Porto Alegre, sendo também assessor deComunidades Eclesiais de Base do Rio Grande do Sul, de catadores e de recicladores. É coordenador do Comitê Sepé Tiaraju e da Pastoral da Ecologia do Regional Sul III da CNBB

 

Roque Spies atua como assessor e capacitador de catadores, auxiliando na formação de cooperativas, discutindo a coleta seletiva e a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS.

 

Foto: Manchete Online

Confira a entrevista. 

IHU On-Line – O senhor acompanhou a repercussão da greve dos garis no Rio de Janeiro? O que essa greve demonstra?

 

Antonio Cechin – A greve dos garis do Rio de Janeiro ficará para a história como um exemplo de que até o impossível pode acontecer neste ‘Brasilzão de Deus’.

 

Arrostando todo tipo de dificuldades, os limpadores da Cidade Maravilhosa, contra a vontade da empresa que os contratou para o trabalho, contra o governo da cidade que lhes acenava apenas com a possibilidade de 5% de aumento, contra a direção pelega do próprio sindicato da categoria a que pertencem, contra a mídia escrita e falada, em suma, contra todos os tipos de poderes que se possa imaginar, depois de oito dias parados e de braços cruzados para as atividades insanas do dia a dia, conseguirem um aumento salarial de 37%, mais um adicional de insalubridade de 40% e, ainda, de lambuja, aumento no tíquete alimentação de 12 reais para 20 reais (66% de aumento), além de outros direitos — munidos apenas de cara e coragem na mobilização homem a homem —, é simplesmente espetacular.

 

Roque Spies – Fiquei admirado com a iniciativa dos garis de se organizarem e realizarem uma greve. O resultado foi muito justo. Além disso, fiquei abismado ao saber o valor que eles recebiam por realizarem um serviço tão importante. Esse foi o momento acertado para fazer a reivindicação, ou seja, antes da Copa do Mundo, porque, com tantos recursos sendo canalizados para outros serviços e atividades, chegou a hora de valorizar pessoas que trabalham por um salário tão mísero. Apesar da conquista, o valor recebido pelos garis ainda está aquém do merecido.

 

 

“A greve dos garis do Rio de Janeiro ficará para a história como um exemplo de que até o impossível pode acontecer neste ‘Brasilzão de Deus’”

IHU On-Line – O que a conquista dos garis sinaliza em relação à discussão sobre desigualdades sociais, profissões ligadas à temática do lixo? Que perspectiva as conquistas dessa greve geram para outros trabalhadores?

 

Antonio Cechin – Comprova-se mais uma vez a tese central da Teologia da Libertação a respeito da força histórica dos pobres, sobre a qual Gustavo Gutierrez escreveu todo um livro sobre os fundamentos desta nova ciência de modelo latino-americano.

 

O verdadeiro milagre dessa vitória total dos garis cariocas também vai na linha do anúncio do maior milagre da história, quando foi anunciado pelo anjoGabriel à Virgem Mãe de Jesus o mistério da encarnação: a Deus nada é impossível.

 

O grande cientista sociólogo Marx deve estar dando pulos dentro da tumba em que jazem os seus ossos. Não afirmava ele que o lumpezinato (lumpem proletariat) é totalmente imprestável para a revolução, simplesmente inútil para qualquer coisa? Funciona apenas como "o combustível da sociedade capitalista", segundo as palavras textuais de Marx, como a dizer que desse mato dos párias da civilização urbana não sai coelho de espécie alguma.

 

A grande lição deixada por esses vitoriosos garis, aplaudidos pelo povo depois do sensacional tento que lavraram e que deixou a eles mesmos perplexos porque jamais imaginavam tanto, é que não há meio popular que não possa se organizar em busca de sua própria libertação. Isso porque o Deus da fé cristã é o Deus dos últimos, dos excluídos. Esse dado da fé cristã está também, desde um ano, sempre na boca de nosso grande bispo de Roma de nome Francisco.

 


“Fiquei admirado com a iniciativa dos garis de se organizarem e realizarem uma greve. O resultado foi muito justo”

Roque Spies – A Política Nacional de Resíduos Sólidos trouxe uma necessidade de valorização das pessoas que atuam nessa área, sejam garis, coletores, catadores de rua, ou pessoas que trabalham nas cooperativas, nos processos de triagem. Essas pessoas desenvolvem um trabalho ambiental muito importante, o qual só é lembrado quando há casos de inundações. A sociedade não pensa muito nesse tipo de trabalho, mas o movimento nacional de reciclagem popular está reivindicando que as pessoas que fazem esse serviço mais “sujo”sejam valorizadas, porque há um descompasso de valores entre aquilo que os trabalhadores ganham e aquilo que as empresas ganham com as coletas ou no beneficiamento de materiais.

 

IHU On-Line – Como esse episódio contribui para uma discussão social no país?

Roque Spies – Há uma tentativa de mostrar para a sociedade que a discriminação não tem cabimento, especialmente no caso dos garis, dos catadores de lixo, que desenvolvem um trabalho fundamental. As questões do racismo e da discriminação pela atividade que as pessoas desenvolvem devem ser superadas. Todas as pessoas e profissões têm sua importância e devem ser reconhecidas pelos seus trabalhos. Hoje, os catadores podem ser reconhecidos e, inclusive, ter uma microempresa individual. Essa questão já está reconhecida por lei.

Fonte: IHU – Unisinos

Paralisação dos garis no Rio, educação ambiental e a quantidade de resíduo produzido.


          

Cerca de 300 garis aderiram à greve de paralisação do trabalho, reivindicando melhores condições de trabalho, aumento de salário e benefícios que não lhe são concedidos. E para mostrar a todos a falta que eles nos fazem, decidiram parar em pleno carnaval carioca, ou seja, a cidade virou um lixão a céu aberto. Com toneladas de lixo espalhadas por todos os lados e esquinas, uma imagem desagradável e vergonhosa.

 

Sabendo que só o que é visto, é lembrado, a greve teve seus efeitos colaterais, nos revelando a nossa relação com o lixo que produzimos. Diante dos nossos olhos está a resposta de como lidamos com os resíduos produzidos e de como cuidamos da nossa cidade. A greve trouxe o lixão para a cidade, e a população se assustou e se indignou. Mas, não fomos nós mesmos que jogamos todo esse lixo no chão? E qual é a participação do governo nessa história?

       

                               Centro da cidade tomado pelo lixo que a cada hora acumula mais

 

Sou moradora da cidade aclamada como “cidade maravilhosa” e posso afirmar que mesmo que você queira destinar corretamente o seu lixo, vai ter que suar a camisa. Os incentivos governamentais para a destinação correta dos resíduos são poucos e, afirmo: ineficientes. Para os governantes é mais fácil e mais barato manter os garis a salário de miséria, do que lidar seriamente com a questão ambiental e implementar uma política eficiente para transformar o lixo em riqueza. Lembrando a você que o prazo para cumprir a PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos) acaba este ano.

 

             

Os garis que mantiveram a greve foram indevidamente demitidos por justa causa, já que o direito a greve é legitimo. Sem contar que os que continuaram a trabalhar receberam escolta militar, ou seja, estão sendo forçados a trabalhar sob ameaças. Cenário assustador que me relembra os quilombolas e seus senhores.

            

                                         Escolta da prefeitura obrigando os garis a trabalharem

 

É espantoso em como uma cidade que é referência mundial pelas belezas naturais e biodiversidade, dependa exclusivamente de alguns trabalhadores para que um tapete de lixo não se forme em apenas cinco dias. Onde está a educação ambiental da população? Para uma pessoa como eu, que recicla quase 80% do meu lixo domiciliar, é incômodo ver tanto material que poderia ser reciclado nessas pilhas infinitas de lixo.

 

Mas infelizmente a situação é caótica, e a responsabilidade é transferida de mãos em mãos, por fim, chegando a lugar nenhum. Não existe participação efetiva do governo em querer educar ambientalmente a população, simplesmente não existem lixeiras suficientes em lugares de grande circulação de pessoas, quiçá lixeiras para reciclados.

 

Ainda há muito que progredir quando se trata dos resíduos que descartamos. Um longo caminho precisa ser traçado, para num futuro próximo, talvez, consigamos enxergar o potencial que o lixo tem, e o que uma cidade sem lixo pode ganhar.

 

Laísa Mangelli

 

 

Mesmo com acúmulo de lixo, garis decidem manter greve no Rio


Em assembleia na manhã de hoje (3), garis do Rio de Janeiro decidiram continuar a greve iniciada há três dias. Alguns bairros da capital fluminense estão tomados de lixo, sobretudo, os locais por onde passaram ontem (2) os blocos de carnaval e o Sambódromo. Dos cerca de 15 mil garis da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), aproximadamente 3,5 mil estão parados.

 

 

Bairros como Copacabana e Botafogo não apresentavam problemas com a limpeza urbana nesta manhã, com ruas limpas e lixeiras vazias.Na Lapa, bairro boêmio da cidade, resíduos sólidos aglomeravam-se pelas calçadas, meios-fios e canteiros. O mau cheiro incomodava as pessoas que passavam pelas ruas. Durante a manhã, um grupo de garis da Comlurb, sem o uniforme, faziam a limpeza nos Arcos da Lapa. O turista inglês John Mills que veio ao Rio pela primeira vez para o carnaval não sabia da greve. “Eles foram espertos por fazer a greve logo neste período, pois a cidade está realmente muito suja.”

 

O movimento grevista reivindica ajuste salarial de R$ 803 para R$ 1,2 mil, aumento no valor do tíquete-alimentação diário de R$ 12 para R$ 20, pagamento de horas extras para quem trabalhar nos domingos e feriados, como previsto em lei, e melhores condições de trabalho. Eles fizeram um protesto ontem na sede da prefeitura.

 

No sábado (1º), o Tribunal Regional do Trabalho do Estado do Rio de Janeiro (TRT-RJ) declarou a “abusividade e ilegalidade” de qualquer movimento de paralisação dos garis vinculados à Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb). O Sindicato e Comlurb não reconhecem a greve. A Companhia informou por meio de nota que está em negociação com o sindicato da categoria “como faz todos os anos no período do acordo coletivo”. Até o fechamento desta matéria a Comlurb não havia se manifestado sobre a paralisação nem sobre as providências para solucionar o problema do lixo.

 

Por Flávia Villela – Repórter da Agência Brasil

 

Fonte: Agência Brasil