Mato Grosso aposta na restauração florestal


Mato Grosso aposta na restauração florestal para apagar a fama de vilão do desmatamento da Amazônia e garantir mercados para o agronegócio

De Cuiabá, capital mato-grossense, são 927 quilômetros por terra até Querência (MT) [1], um dos 100 municípios de maior renda per capita do País. No longo percurso com intenso tráfego de caminhões, pastagens e cultivos de grãos a perder de vista imperam no lugar da vegetação nativa, restrita a nacos isolados de mata aqui e acolá. De lado a lado no caminho a dinâmica da paisagem retrata a força do agronegócio e seus impactos. Após 10 horas de estrada, o Cerrado que restou se torna mais alto e frondoso. E surgem no horizonte palmeiras e árvores de grandes copas, sinal de que um pouco mais adiante já estaremos em território amazônico. No destino final, a cidade de 15 mil habitantes, ruas largas, feições europeias e sotaque gaúcho não esconde a origem dos que ali chegaram há três décadas para ocupar terras, derrubar a floresta e produzir.

[1] Palavra típica do vocabulário gaúcho que significa lugar amado; nostalgia e saudade da terra natal

No comércio, os altos preços condizem com a riqueza circulante, gerada nos campos do entorno. Ninguém duvida: a imensidão das propriedades rurais dá uma sensação de dever cumprido para quem migrou de longe e construiu tudo do zero, aproveitando cada palmo de terra como patrimônio para filhos e netos. Mas, ao mesmo tempo, percebe-se um sentimento de orgulho ferido, porque o passivo ambiental dessa história expõe uma imagem negativa para a sociedade e para o mercado. Em 2008, Querência foi incluída pelo Ministério do Meio Ambiente na lista negra [2] dos municípios que mais desmatam a Amazônia – o que significou barreiras para crédito e risco de sanções comerciais. Três anos depois, após ações para reduzir o desmatamento, o município conseguiu livrar-se das restrições.

[2] Atualizada pela última vez em 2013, a lista contém 41 municípios, a maioria de Mato Grosso

Mas a mancha de vilão do desmatamento não desapareceu por completo. Em seu território, 43% ocupado por reservas indígenas, há 248 propriedades rurais embargadas pelo Ibama, porque não obedecem às leis ambientais. O desafio de virar o jogo e mudar a imagem tem mobilizado prefeitura, fazendeiros, empresas, sindicatos e organizações não governamentais em torno de soluções. Na iniciativa “Querência + Paisagens Sustentáveis”, o plano é recuperar 2,7 mil hectares de mata na beira de rios até 2019, para que as propriedades sejam desembargadas e possam produzir. “Queremos trabalhar com segurança, porque é possível conciliar conservação ambiental e produção agrícola”, enfatiza Marcelo Marinho, presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente.

Não por acaso a sigla APP, Área de Preservação Permanente [3], virou hit no vocabulário por aquelas bandas – inclusive entre os produtores rurais mais antigos e resistentes. De igual modo, o termo “restauração florestal” se torna mais presente em região onde para muitos a grandeza da floresta parecia não ter fim. Em meio ao milharal que aguarda a colheita para dar lugar à soja a partir de novembro, o fazendeiro Neuri Wink é taxativo: “Nenhum produtor vai querer colocar mato de volta em terras produtivas de alto valor e ótimo relevo, clima e solo para agricultura, mas a preservação de nascentes não se discute”. Como um dos pioneiros que desbravaram a região, Wink deixou a cidade natal de Victor Graeff (RS), de colonização alemã e italiana, e chegou ao novo eldorado amazônico em 1988. “Antes podíamos desmatar até 80% da área, em algumas situações”, conta o produtor, dono da Fazenda Certeza – “certeza de que com muito trabalho faríamos acontecer”.

[3] Situada na beira de rios, ao redor de nascentes e em topos de morro, tem a função ambiental de preservar os recursos hídricos, evitar erosões e proteger a biodiversidade e o solo

Marcada pela tradição gaúcha do cooperativismo e pelos valores da comunidade luterana, a aventura produtiva na floresta exigiu investimento em estrada, energia, banco, hospital, escola, telefone. “Quando cheguei, as ruas estavam apenas demarcadas no chão”, diz Wink, que inicialmente ocupou 670 hectares e hoje tem área três vezes maior. Cerca de 30% é mata que protege a beira do Rio Betis. “Aqui tem um jatobá e mais na frente tamboril, mamoninha e ipê-roxo”, aponta o produtor, ao mostrar a sua APP com árvores já altas após seis anos de recuperação.

Durante o trabalho, baseado no plantio de sementes e mudas, nascentes antes sufocadas por pastagens minaram. Apesar disso, o antigo fazendeiro é resistente quanto ao benefício da floresta para o clima: “O desafio está em empregar práticas de conservação do solo, nosso maior patrimônio”. Se alguns fazem a restauração florestal apenas para cumprir a lei e evitar encrenca com os órgãos ambientais, outros enxergam ganhos a longo prazo. “É melhor para todos usar menos solo sem derrubar tudo”, recomenda Cláudio Dalbello, produtor no Assentamento Pingo D’água, em Querência, ao ver a situação do vizinho “que hoje nem sequer tem madeira para colocar uma antena de TV”. Com auxílio do filho, Cristian Mariani, formado em gestão ambiental, o proprietário implantou o Sistema Agroflorestal (SAF) [4] com espécies frutíferas. E a chegada da energia elétrica permitiu puxar água para o gado beber longe do rio. “A APP foi restaurada e cercada; ninguém mexe.”

[4] São consórcios de culturas agrícolas com espécies arbóreas que podem ser utilizados para restaurar florestas e recuperar áreas degradadas

No Assentamento Brasil Novo, Armando Menin, dono do Sítio Modelo, mantém soja e gado em consórcio com seringueiras e uma floresta de espécies frutíferas e madeireiras plantada onde antes só tinha pasto. O produtor fornece frutas para o proprietário vizinho, Aldo da Rosa, fazer o beneficiamento em polpa e assim garantir renda o ano todo. “O clima mudou e quem só plantou soja está sofrendo”, afirma Menin, que se fixou na Amazônia por meio de grilagem [5] de terras, desmatou e vendeu a área para conseguir o atual lote, onde hoje tem soja, pupunha, caju, seringueira, pequi e mangaba. “Quem não plantou árvores para diversificar a renda e viver melhor, além de não ter sombra e fruta para fazer um suco, está trabalhando de peão nas grandes fazendas”, diz Rosa, ao se referir à realidade socioambiental nos assentamentos rurais [6].

[5] Ocupação ilegal de terras públicas para obtenção fraudulenta de documento de posse com aparência de legalidade

[6] Na Amazônia, há 450 mil famílias em 3.450 assentamentos, responsáveis por um terço do desmatamento da região

“É preciso fortalecer a agricultura familiar, pois há 40 mil hectares de soja plantados em assentamentos da localidade”, conta Cecilia Gonçalves Simões, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). A instituição dá apoio técnico ao município para a governança socioambiental, mapeamento dos passivos e elaboração de um plano participativo para solucioná-los. Uma das tarefas é o registro das propriedades no Cadastro Ambiental Rural (CAR). “Todo mundo sai ganhando quando o território inteiro é reconhecido pela legalidade e sustentabilidade”, completa Simões.

Na Fazenda Tanguro [7], onde o Ipam mantém uma base científica, experimentos avaliam a eficiência de seis diferentes métodos de restauração florestal: plantio de sementes nativas; cultivo de mudas; regeneração natural sem intervir na mata; e transposição de folhas para cobrir o solo e recuperar áreas degradadas, por exemplo. Também são formadas “ilhas de vegetação”, onde os esforços de plantio se concentram em um ponto central, para se obter uma resposta mais rápida, com posterior aumento por meio de dispersão de sementes. Por fim, em outra parcela foram instalados “poleiros” de madeira para facilitar o pouso de aves que comem os frutos e espalham as sementes.

[7] Pertencente ao grupo Amaggi, a propriedade tem 82 mil hectares, 46% ocupados por lavoura

Nessa linha, pesquisadores estudam no local o papel dos mamíferos, especialmente o das antas, na regeneração natural da floresta. Elas são monitoradas por câmeras fotográficas em área degradada por fogo e a cada três meses as fezes são coletadas para análise. Em 62 amostras, foram encontradas cerca de 2,7 mil sementes de vários tipos. Isso permite inferir como os serviços ambientais podem ser comprometidos com o declínio das antas decorrente da caça e do desmatamento. Assim, ações para conservação da espécie poderão ser estratégicas no contexto de um futuro mercado de crédito de carbono e de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).

Em paralelo, há pesquisas sobre como o uso da terra interfere no clima da região e sobre qual a função das matas para a proteção de nascentes e para a dinâmica de nutrientes do solo nos cultivos. “O objetivo é fornecer elementos científicos para a tomada de decisão e políticas públicas”, explica o pesquisador Divino Silvério. “Já existe conhecimento, mas falta pôr em prática por meio de incentivos, porque o custo do que dá certo é alto.”

O movimento de Querência integra-se ao plano estadual de até 2020 repor 2,9 milhões de hectares de floresta – área superior ao território de Sergipe – como medida-chave para Mato Grosso cumprir o que apresentou à ONU na reunião de Paris sobre clima, em dezembro. Em abril, foi criado um comitê para colocar as metas em prática. “Será necessário definir áreas críticas e fomentar a cadeia produtiva da restauração, prevendo planos regionais e modelos que gerem retorno financeiro”, afirma Elaine Corsini, representante da Secretaria de Estado do Meio Ambiente.

“Com o novo Código Florestal, as regras se tornaram claras e os produtores ficaram mais abertos ao diálogo para a adequação, mas é preciso acelerar a validação do CAR para se saber quanto será recuperado e como”, avalia Lucélia Avi, analista de meio ambiente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato).

As ações compreendem também a redução de conflitos fundiários. “O compromisso estadual atraiu o interesse de investidores internacionais, entre eles o governo norueguês”, revela Daniela Mariuzzo, representante do IDH – instituição holandesa que investe na garantia de origem sustentável para a soja que entra na Europa pelo Porto de Roterdã.

Segundo Laura Antoniazzi, pesquisadora da Agroícone, “as soluções devem acomodar as projeções de crescimento da produção agropecuária [8]”. Assim, considerando a restauração florestal e técnicas para maior produção sem desmatamento, o investimento necessário para atingir as metas estaduais chega a US$ 9 bilhões em dez anos – custo que pode ser bancado pelo retorno financeiro dos projetos. “Para ser viável, a reposição de árvores tem de ser incorporada à conta da atividade produtiva principal, e não vista como uma despesa isolada.”

[8] Em Mato Grosso, a área de grãos deverá adicionar 3 milhões de hectares até 2025 e o crescimento da produção de carne está projetado em 40%, sem aumento de pastagem

Plantar árvore não é tão simples como se imagina. A ênfase deve estar na busca por “paisagens integradoras e inteligentes”, conforme diz Rodrigo Junqueira, coordenador do Programa Xingu, do Instituto Socioambiental (ISA). Mais que isso: na Amazônia, “é necessário superar o lugar-comum de dizer que a floresta se regenera sozinha”. Isso depende da região, do relevo, do clima e do uso anterior do solo. Estudos já comprovaram: em áreas de antigas pastagens, conforme o estágio de degradação, só cresce naturalmente o capim. Ele precisa ser controlado e substituído por árvores nativas. “Devemos olhar para o que já está dando certo”, recomenda Junqueira, ao se referir à técnica de semeadura direta ou “muvuca”, em que ocorre o plantio de um mix de sementes – e não de mudas – com viabilidade técnica, maior aderência cultural e menor custo [9].

[9] O valor das sementes, plantio e manutenção da área por três anos é de R$ 5,4 mil por hectare, 50% inferior ao custo mínimo do cultivo tradicional de mudas

A inovação se desenvolveu nos últimos dez anos a partir de uma demanda dos índios: a proteção dos rios que correm no Parque Indígena do Xingu, cujas nascentes – situadas fora da reserva – encontravam-se ameaçadas pela pecuária extensiva. A campanha Y Ikatu Xingu se desdobrou no trabalho que hoje mobiliza 420 coletores indígenas e agricultores familiares ligados à Associação Rede de Sementes do Xingu, com capacidade produtiva de semear 500 hectares por ano. E inspira soluções para o País plantar floresta e cumprir as metas climáticas.

Experiências se multiplicam no Pará

Com 84 mil quilômetros quadrados, o dobro da área do Estado do Rio de Janeiro, o município de São Félix do Xingu, no Sul do Pará, tem o maior rebanho do País – 2,2 milhões de cabeças de gado. Foi um dos campeões do desmatamento na Amazônia e agora se destaca como palco de projetos que demonstram ser possível produzir com menor impacto ambiental. “Na região, disseminar boas práticas na cadeia da pecuária é o caminho para reduzir o desmatamento e promover a restauração florestal”, analisa Francisco Fonseca, coordenador da iniciativa Pecuária Sustentável – do Campo à Mesa, da The Nature Conservancy (TNC).

Em troca de assistência técnica e de reconhecimento por parte de compradores como a indústria frigorífica Marfrig e a rede varejista Walmart, parceiros do projeto, produtores rurais assumiram o compromisso de zerar o desmatamento, fazer o Cadastro Ambiental Rural e adotar um plano de boas práticas. As medidas incluem a recuperação de áreas degradadas para pastagem e a restauração da floresta para proteger rios e nascentes. Cerca de 1,2 mil hectares de APP estão sendo isolados do gado.

No município, uma segunda frente de trabalho mobiliza a agricultura familiar para a expansão dos cultivos de cacau como estratégia de restauração florestal nas áreas de reserva legal. A planta, nativa das regiões tropicais da América do Sul, precisa da sombra das demais árvores para crescer e produzir. “E está sendo consorciada com a pecuária de corte e leite na região”, informa Rodrigo Freire, coordenador de floresta e clima da TNC.

O objetivo é repetir na Amazônia o que aconteceu na Mata Atlântica do Sul da Bahia, onde o cacau sombreado pela floresta teve importante papel na conservação. Em São Félix do Xingu, 82 famílias de agricultores recebem auxílio técnico e estão substituindo pasto pelo fruto do chocolate, em alta no mercado. Com a produção média de 1 tonelada por hectare ao ano, é possível obter renda complementar de R$ 10 mil no período. Até 2020, o plano é expandir os atuais projetos demonstrativos e atingir 1 mil produtores, totalizando 5 mil hectares de cacau.

Coreanos são presos em Mato Grosso por biopirataria no Parque Indígena do Xingu


Prisão de quatro coreanos que pretendiam embarcar para os EUA com plantas retiradas de maneira irregular do Parque Indígena do Xingu traz à tona o debate sobre acesso aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais

                    

Os coreanos presos na última segunda-feira, 11/11, na cidade de Canarana (MT), vivem nos Estados Unidos e um deles trabalha para uma empresa de cosméticos. Os outros três se disseram ter sido contratados para realizar uma filmagem. As raízes e plantas apreendidas pelo Ibama e pela Funai são usadas pelos índios para fins cosméticos. Eles fizeram um acordo com os kamaiurá, do Alto Xingu, e pagaram para obter raízes e plantas. Alertados pelo cacique kamaiurá Kotoki, que deveriam pedir autorização da Funai e do Cgen, os estrangeiros alegaram que se pedissem teriam de pagar por isso.

Relatos de índios de diversas comunidades revelam que esse grupo de coreanos frequenta o Parque do Xingu há tempos, a pretexto de realizar filmagens, e sem autorização para entrar na Terra Indígena. Marcus Keynes, da superintendência do Ibama em Mato Grosso, afirmou à TV Globo local que há mais de 20 anos os coreanos visitam o Parque. Uma denúncia alertou a Funai sobre a presença deles em aldeias Waurá e Kamaiurá, e que tinham encomendado 10 quilos das plantas aos índios. Quando voltaram à região para buscar a encomenda acabaram presos.

O acesso aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais, sua proteção e a repartição de benefícios associados é regido pela Medida Provisória nº 2186/16, de 23 de agosto2001. O acesso a esse patrimônio só pode ser feito com autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen), criado pela mesma MP e instituído oficialmente em 2002. É o Cgen que autoriza e regulamenta o uso, a comercialização e o aproveitamento de recursos genéticos vegetais para quaisquer fins. Cabe também ao Cgen a proteção do conhecimento tradicional das comunidades indígenas e das comunidades locais, associado ao patrimônio genético, contra a utilização e exploração ilícita e outras ações prejudiciais ou não autorizadas.

                                       

“Houve uma superarticulação entre a Funai e o Ibama com apoio da Associação Terra Indígena Xingu (Atix) e do ISA para que pudéssemos realizar a operação”, conta a bióloga da Funai e conselheira do Cgen, Maira Smith. “Isso foi extremamente positivo porque é difícil apanhar alguém fazendo biopirataria. Além disso, o acesso aos recursos genéticos e os conhecimentos tradicionais são assuntos difíceis de serem tratados e explicados aos índios. As plantas em questão não pertencem só aos kamaiurá ou aos waurá. São recursos genéticos compartilhados por todos os povos do Alto Xingu”, explica Maira.

Os coreanos poderão ser enquadrados em outros delitos, como por exemplo não ter o visto para realização de negócios e, sim, visto de turista, mas não continuam presos já que a legislação brasileira (MP 2186) só prevê advertências e multas nesse caso. Eles tiveram seus passaportes apreendidos, foram indiciados por crime ambiental (furto de patrimônio genético) e aguardam em um hotel da cidade de Barra do Garças (MT), a primeira audiência, marcada para 26/11.

Fonte: Socioambiental

Laísa Mangelli

Coreanos são presos em Mato Grosso por biopirataria no Parque Indígena do Xingu


Prisão de quatro coreanos que pretendiam embarcar para os EUA com plantas retiradas de maneira irregular do Parque Indígena do Xingu traz à tona o debate sobre acesso aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais

                    

Os coreanos presos na última segunda-feira, 11/11, na cidade de Canarana (MT), vivem nos Estados Unidos e um deles trabalha para uma empresa de cosméticos. Os outros três se disseram ter sido contratados para realizar uma filmagem. As raízes e plantas apreendidas pelo Ibama e pela Funai são usadas pelos índios para fins cosméticos. Eles fizeram um acordo com os kamaiurá, do Alto Xingu, e pagaram para obter raízes e plantas. Alertados pelo cacique kamaiurá Kotoki, que deveriam pedir autorização da Funai e do Cgen, os estrangeiros alegaram que se pedissem teriam de pagar por isso.

Relatos de índios de diversas comunidades revelam que esse grupo de coreanos frequenta o Parque do Xingu há tempos, a pretexto de realizar filmagens, e sem autorização para entrar na Terra Indígena. Marcus Keynes, da superintendência do Ibama em Mato Grosso, afirmou à TV Globo local que há mais de 20 anos os coreanos visitam o Parque. Uma denúncia alertou a Funai sobre a presença deles em aldeias Waurá e Kamaiurá, e que tinham encomendado 10 quilos das plantas aos índios. Quando voltaram à região para buscar a encomenda acabaram presos.

O acesso aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais, sua proteção e a repartição de benefícios associados é regido pela Medida Provisória nº 2186/16, de 23 de agosto2001. O acesso a esse patrimônio só pode ser feito com autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen), criado pela mesma MP e instituído oficialmente em 2002. É o Cgen que autoriza e regulamenta o uso, a comercialização e o aproveitamento de recursos genéticos vegetais para quaisquer fins. Cabe também ao Cgen a proteção do conhecimento tradicional das comunidades indígenas e das comunidades locais, associado ao patrimônio genético, contra a utilização e exploração ilícita e outras ações prejudiciais ou não autorizadas.

                                       

“Houve uma superarticulação entre a Funai e o Ibama com apoio da Associação Terra Indígena Xingu (Atix) e do ISA para que pudéssemos realizar a operação”, conta a bióloga da Funai e conselheira do Cgen, Maira Smith. “Isso foi extremamente positivo porque é difícil apanhar alguém fazendo biopirataria. Além disso, o acesso aos recursos genéticos e os conhecimentos tradicionais são assuntos difíceis de serem tratados e explicados aos índios. As plantas em questão não pertencem só aos kamaiurá ou aos waurá. São recursos genéticos compartilhados por todos os povos do Alto Xingu”, explica Maira.

Os coreanos poderão ser enquadrados em outros delitos, como por exemplo não ter o visto para realização de negócios e, sim, visto de turista, mas não continuam presos já que a legislação brasileira (MP 2186) só prevê advertências e multas nesse caso. Eles tiveram seus passaportes apreendidos, foram indiciados por crime ambiental (furto de patrimônio genético) e aguardam em um hotel da cidade de Barra do Garças (MT), a primeira audiência, marcada para 26/11.

Fonte: Socioambiental

Laísa Mangelli

Mato Grosso e o desmatamento na Amazônia legal


Mato Grosso é único estado da Amazônia Legal a registrar alta no desmatamento em cinco meses


Daniela Torezzan/ICV

Trator flagrado derrubando floresta na região norte de Mato Grosso durante operação do Ibamam em 2014. Foto: Ibama-MT

Trator flagrado derrubando floresta na região norte de Mato Grosso durante operação do Ibama, em 2014. Foto: Ibama-MT

O desmatamento continua crescendo em Mato Grosso, confirmando uma tendência que já vem sendo registrada nos últimos três anos. Os dados de monitoramento por satélite mostram que, entre agosto e dezembro de 2015, Mato Grosso foi o único estado da Amazônia Legal onde o corte raso da floresta aumentou (16%), em comparação com o mesmo período de 2014, passando de 362 quilômetros quadrados para 419 quilômetros quadrados. Nos demais estados houve queda nas taxas de desmatamento. Os dados foram divulgados nesta semana pelo Sistema de Alerta do Desmatamento (SAD), do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

Os dados correspondentes aos cinco primeiros meses do calendário oficial de monitoramento preocupam pois, além de contrariarem a tendência de queda verificada na Amazônia Legal, confirmam a tendência de retomada do desmatamento que vem sendo registrada desde 2013, com altas progressivas desde o ano de 2013.

Uma análise detalhada do Instituto Centro de Vida (ICV), de Mato Grosso, aponta que o desmatamento total detectado entre agosto e dezembro de 2015 representa um aumento de 670% em relação a esse mesmo período no ano de 2013.

 

Essa frente de forte expansão de desmatamento está concentrada, principalmente, na região noroeste do estado, onde ainda há um grande maciço florestal e onde acontece uma pressão para abertura de novas áreas para utilização agropecuária. Colniza continua liderando o ranking dos municípios que mais desmataram no estado, sendo responsável pelo corte raso de 74 quilômetros quadrados de floresta, o que significa 19% de todo o desmatamento registrado. Na mesma região aparecem ainda Cotriguaçu, com 26 quilômetros quadrados desmatados, Juína e Juara, responsáveis, cada um, pela supressão de 14 quilômetros quadrados de floresta.

Neste cenário, dez municípios foram responsáveis por mais de 60% do desmatamento detectado em solo mato-grossense.

 

Para Alice Thuault, diretora adjunta do ICV, o momento é grave e exige uma resposta rápida e contundente por parte do governo do estado para enfrentar o problema. “Esta é uma situação que demonstra o quanto é necessária a implementação de uma estratégia para combater o desmatamento. Representa uma oportunidade para o governo do estado implementar as medidas anunciadas no final do ano passado, durante a COP- 21, em Paris, que prevê o fim do desmatamento ilegal em Mato Grosso”, reforçou.

A referência é ao anúncio feito pelo governador do estado, Pedro Taques de um pacote de medidas para zerar o desmatamento ilegal no estado até 2020, prevendo a redução de 90% da taxa geral no bioma amazônico e 95% no cerrado. Na época, o governador reconheceu como inaceitável o aumento no desmatamento em Mato Grosso e se comprometeu a implementar uma estratégia intitulada Produzir, Conservar e Incluir, composta por ações nestes três eixos. Na produção, o estado pretende substituir 6 milhões de hectares de pastagens com baixo rendimento em áreas de alta produtividade, compostas por 3 milhões de hectares de plantio de grãos, 2,5 milhões de pecuária e 500 mil de floresta plantada.

Para conservação, os principais pontos incluem, além da meta de reduzir o desmatamento, manter os 60% de vegetação nativa existente hoje no estado e recuperar 2 milhões de hectares de áreas de preservação permanente (APPs). A parte de inclusão traz pontos ligados ao aumento, de 20% para 80%, da participação da agricultura familiar no mercado interno de alimentos, com a regularização fundiária em 70% dos lotes, com aumento do acesso ao crédito.

Fonte:Instituto Centro de Vida