“O Brasil pode ser um país rico, sem destruir a floresta”


              

Diretor do Greenpeace no Brasil, o jornalista e ambientalista Paulo Adário foi escolhido pela ONU “Herói da Floresta” na América Latina e Caribe. A honra chega para Adario justamente no ano em que o Greenpeace comemora 20 anos de atuação no país. Adario esteve desde o começo nesta empreitada. Em 1996 ele foi para a Amazônia, onde três anos mais tarde teve papel fundamental na criação da Campanha Amazônia, hoje uma das mais importantes do Greenpeace em todo o mundo.

A lista original de indicados tinha 90 pessoas de 41 países espalhados pelas Américas, África, Europa e Ásia. Em comum, todos  têm uma vida de dedicação à proteção das florestas que ainda restam no planeta. A ONU apontou cinco “heróis”, um de cada continente. A cerimônia de entrega do prêmio aconteceu dia 9 de fevereiro, na sede da ONU em Nova York, encerrando o “Ano Internacional das Florestas”, declarado pela organização, em 2011.
Além de Paulo Adario, dois ativistas brasileiros tiveram sua luta em defesa das florestas reconhecida postumamente.  Os jurados decidiram outorgar um prêmio especial ao casal José Claudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo, os dois ativistas brasileiros que foram tragicamente assassinados ano passado por denunciar a atuação ilegal de madeireiros no Pará.

Em seguida, publicamos trechos de entrevistas concedidas por Paulo Adário a diversos alguns veículos de comunicação.

Como é ser considerado um herói da floresta?

Paulo Adário – É complicado, ainda mais em uma região que tem tanta gente lutando e morrendo pela defesa da floresta.  Na verdade, há heróis da floresta espalhados pela Amazônia inteira.  Mas evidentemente é uma honra ser premiado pelo trabalho que venho realizando nos últimos 15 anos.  Um trabalho que não é só meu, mas do Greenpeace, de muitas ONGs que são nossas parceiras.  É uma coisa que eu compartilho com uma porção de gente.  Quando soube que estava entre os finalistas, achei até pouco provável que eu fosse escolhido.  Eu pensava: "A ONU vai dar um prêmio para um criador de caso como eu?".  E foi muito legal.

Que mensagem o senhor acha que a ONU está passando?

Paulo Adário – Apesar de ser um título embaraçoso, isso de ser herói contém uma coisa muito positiva.  O fato de precisar de heróis é um reconhecimento por parte da ONU de que as florestas estão em seriíssimo risco .  E funciona como um estímulo para as pessoas lutarem pelas florestas.

Qual impacto esse título pode ter para a luta contra o desmatamento e neste momento de mudança do Código Florestal?

Paulo Adário – Nos últimos anos, o Brasil deu um exemplo: derrubou o desmatamento, mas a produção de grãos, de carne e a exportação do agronegócio não caíram.  O cenário é positivo.  Mas o momento atual é de decisão: continuar seguindo para o futuro ou dar um passo para trás.  E o governo tem dado indicações de que vai escolher o caminho errado.  Se a presidente Dilma anunciar um veto à mudança na boca da Rio+20, vai dar um sinal muito claro de que o Brasil pode ser um país rico, sem destruir floresta.  Acho que o prêmio engrossa a minha voz.  Mas, para ser ouvido, as pessoas precisam abrir os ouvidos.
(Fonte: IHU On Line)

Os consumidores estão comprando mais madeira com o selo FSC (selo do Forest Stwartship Council que determina critérios para a boa exploração florestal, em termos sociais, ambientais e econômicos)?

Paulo Adário – Os consumidores, em geral, não exigem madeira certificada. Boa parte da madeira da Amazônia vai para a construção civil. Não se compra um apartamento porque ele tem portas, janelas e pisos FSC. Você compra um apartamento porque ele está dentro de seu orçamento, atende a seus desejos e possibilidades. Podemos promover a idéia do FSC junto ao público, em particular aquele que consome móveis. É, aliás, o que o Greenpeace está fazendo no Brasil, em particular para mostrar a responsabilidade dos cidadãos para com a preservação da Amazônia. Isso é altamente positivo, mas tem efeitos apenas no longo prazo.

Por que poucos empresários até agora adotaram a certificação?

Paulo Adário – Os verdadeiros empresários, que cumprem a legislação e pretendem defender seu nicho de mercado, têm uma imagem a zelar. Mas só vão adotar a certificação se tiverem um ganho real econômico e condições para tanto. Isso não acontece hoje porque há muita madeira ilegal no mercado. Madeira ilegal não paga imposto, é retirada de qualquer forma e não custa quase nada. Enquanto houver essa imensa quantidade de madeira ilegal no mercado, os produtos das empresas certificadas não serão competitivos em termos de preço. Logo, só se certificarão aquelas que possam operar em nichos de mercado, com consumidores que exigem FSC. É uma pena, mas esse universo parece muito reduzido no momento. Além disso, a certificação FSC custa caro, demora, e há poucas certificadoras na praça. Para resolver esse problema, será preciso uma verdadeira revolução no perfil da indústria madeireira, inclusive a criação de linhas de crédito especiais para financiar o processo de conversão. Não é por acaso que apenas 5 empresas estão, no momento, certificadas pelo FSC na Amazônia.

Qual o posicionamento das grandes empresas consumidoras de madeiras ou das revendedoras em relação à certificação?

Paulo Adário – Os consumidores corporativos não parecem muito dispostos a pagar prêmios por produtos FSC. Justificam-se alegando que operam com margem de lucro muito baixa, o que é verdade na maioria dos casos. Esses consumidores só vão optar por comercializar madeira certificada a curto e médio prazo se a imagem dessas empresas for comprometida, ou seja, se formos capazes de expor sua responsabilidade no desrespeito à lei, de forma que eles se arrisquem a perder mercado ou a pagar multas se não mudarem suas práticas. Eles são grandes, fortes e — e aí reside sua fraqueza — dependem do mercado. Esse grupo tem sido um dos principais alvos da campanha do Greenpeace: atacamos os grandes importadores de madeira ilegal que operam na Europa, Estados Unidos e Japão porque têm o que perder: têm ações em bolsa e uma imagem a zelar.
(Fonte: Instituto Akatu)

Quais foram os momentos mais difíceis nesses 15 anos de trabalho na Amazônia?

Paulo Adário – Houve muitos momentos difíceis. Sofri ameaças de morte, em 2001 e 2002, que foram muito complicadas. Recebi proteção do governo brasileiro, durante 24 horas. A morte da Dorothy Stang, missionária americana assassinada no Pará em 2005] foi outro momento duríssimo. A gente se sentiu muito tocado, porque ela estava condenada a morrer e nossa ajuda não chegou a tempo. Ia me encontrar com ela no dia que ela morreu. Foi um dia de desespero, de medo. Várias outras lideranças que eram nossos parceiros morreram, como o Dema e o Brasília. Agora, o Zé Cláudio (assassinado no Pará em 2011, junto com Maria do Espírito Santo).

Quais são as maiores ameaças à Amazônia hoje?

Paulo Adário – Está havendo um processo de desmonte de conquistas que estavam dando resultados muito bons para o Brasil e para a floresta. Uma série de legislações foi colocada em funcionamento, além do próprio Código Florestal, como o projeto pelo qual o Senado evoca para si a palavra final sobre a demarcação de terras indígenas. Outra grande ameaça é o aumento da ilegalidade na extração madeireira. Além disso, o agronegócio brasileiro ficou mais sofisticado do ponto de vista operacional, tomou comissões de meio ambiente do Congresso. E a sociedade está aceitando com naturalidade.

E quais foram as melhores notícias sobre a Amazônia nesses últimos 15 anos?

Paulo Adário – São várias. Uma delas é que a sociedade civil passou a ter acesso a sistemas de monitoramento do desmatamento. Antes, o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) era uma caixa preta. Isso também ajudou a mídia brasileira a ficar muito mais consciente sobre o desmatamento, o tamanho do impacto, suas causas. Outras coisas positivas são o aumento da consciência dos setores empresariais, a criação de áreas protegidas e a demarcação de áreas indígenas, a melhoria da articulação entre grupos locais e lideranças comunitárias com os governos.
(Fonte: G1)

Qual sua avaliação do texto do Código Florestal aprovado pela Câmara?

Paulo Adário – O texto é um desastre para o Brasil. Não acatou as contribuições do governo, como o veto à anistia a quem desmatou até 2008. Numa visão geral, reduz a proteção ambiental no País todo.

O novo Código pode trazer mais desmatamento?

Paulo Adário – Quem respeitou a lei ambiental e quem devastou passam a ser tratados da mesma forma, o que é injusto e ruim para a democracia. Mato Grosso é um exemplo. O desmatamento vinha caindo por causa da intervenção do governo federal. O recente pico de desmate ocorreu não por uma alta do preço da soja ou da carne, mas em razão da expectativa de anistia.

Existe o risco de o novo Código ameaçar compromissos internacionais firmados pelo Brasil, nas áreas de clima e biodiversidade?

Paulo Adário – A situação fica muito complicada, porque em 2012 o País sediará a Rio+20, conferência da ONU que marca os 20 anos da Rio-92. Corremos o risco de mostrar ao mundo que não fizemos a lição de casa, pois é o desmatamento que mais contribui para a emissão de gases-estufa. A meta de biodiversidade firmada no Japão também fica comprometida, pois a redução das áreas de reserva legal levará à perda de espécies.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Publicado em Revista Visão Socioambiental