Baixo índice do Brasil na produção de carros elétricos


Já existem no mundo cerca de 340 mil veículos 100% movidos a eletricidade, mas o Brasil é responsável por apenas 0,02% dessa produção. Convidados a participar do Exame Fórum de Sustentabilidade, especialistas consideram que a indústria nacional está muito atrasada na fabricação de elétricos e somente políticas públicas de incentivo podem recuperar o tempo perdido

            

Em um mundo onde, até 2030, a frota mundial de carros deve dobrar, investir em tecnologias limpas é cada vez mais importante. Atenta à nova demanda, a indústria mundial aumentou os investimentos em veículos elétricos nos últimos quatro anos, mas o Brasil não acompanhou a tendência. Pelo contrário, por aqui há políticas de incentivo à gasolina e ao carro convencional. 

"Estamos muito atrasados. Hoje, existem cerca de 340 mil veículos 100% movidos a eletricidade no mundo. No Brasil, temos apenas 70", revelou Paulo Roberto Feldmann, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP, durante a edição 2013 do Exame Fórum de Sustentabilidade, que aconteceu em novembro, na cidade de São Paulo. 

Para ele, o número é absurdo, uma vez que o Brasil representa cerca de 3% da economia mundial. "A incoerência é ainda maior, se pensarmos que temos uma matriz energética majoritariamente limpa. Deveríamos estar na frente de países como EUA e China e não o contrário", criticou Feldmann. 

Por que isso não acontece? Mundo afora, há políticas de incentivo para os elétricos, que não existem no Brasil. "O apoio do Estado é fundamental para popularizar esses carros, que de fato são mais caros. É preciso uma parceria entre governo e indústria para atrair os compradores. Esse tipo de prática acontece em todos os países que são líderes de produção", contou Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz Brasil. 

Na China, por exemplo, o governo oferece isenção de US$ 15 mil para aqueles que compram carros menos poluentes. "O mercado de elétricos não é espontâneo. Ele deve ser criado, por isso o Brasil jamais vai decolar no setor sem medidas de incentivo", opinou Schiemer. 

Caso decida investir no setor, além dos óbvios ganhos ambientaiscomo redução da poluição do ar e diminuição dos ruídos nas ruas -, o país também pode ter vantagens econômicas. "O custo do quilômetro rodado com carro elétrico é 10 vezes menor do que com modelos convencionais, movidos a gasolina", garantiu Feldmann. 

AS CIDADES ESTÃO PREPARADAS PARA OS ELÉTRICOS?
 

Outro ponto fundamental para que os elétricos "peguem" no Brasil é garantir que as cidades tenham infraestrutura para atender à frota. "Veículos 100% movidos a eletricidade têm menos eficiência de uso. São uma boa alternativa para percorrer distâncias curtas, em áreas urbanas, desde que haja infraestrutura para recarregá-los", admitiu Schiemer. 

Paralelamente, deve-se investir em baterias mais duráveis, bem como em técnicas que garantam maior eficiência na hora da recarga. Nesse quesito, o Brasil está um pouco melhor "na fita". 

Dentro da Universidade de São Paulo, por exemplo, já existe um posto de recarga elétrica onde é possível alimentar 80% da bateria do veículo em 20 minutos. "Com investimentos em pesquisa, acredito que haverá o dia em que iremos recarregar a bateria de um elétrico no mesmo período de tempo em que recarregamos um celular", afirmou Feldmann, com esperança.

Fonte: Planeta Sustentável

Laísa Mangelli

O modelo de produção agrícola em discussão: o 2,4-D e a toxidade dos agrotóxicos.


Entrevista especial com Karen Friedrich

"O modelo de produção agrícola baseado na 'tecnologia' química e de transgênicos tem que ser revisto", afirma a toxicóloga.

Foto: Envolverde

Com a resistência gradual das pragas e plantas daninhas aos agrotóxicos tradicionais, a indústria dos transgênicos precisou buscar alternativas mais eficientes para a manutenção de seus resultados. Uma das apostas do mercado é liberar a comercialização de sementes resistentes ao herbicida 2,4-D. A substância já tem o seu uso regulado no País, mas, ainda assim, dúvidas quanto à sua segurança toxicológica levaram uma série de especialistas a apontar a exigência da revisão de sua licença. Neste contexto, a toxicóloga Karen Friedrich alerta: “A liberação da semente legitimaria uma forma de aumentar a aplicação de uma substância tóxica, cujo uso deveria ser diminuído, não incentivado”.

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Friedrich alerta para os perigos da substância, que é conhecida como um dos componentes do Agente Laranja. O composto foi utilizado pelos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã como desfolhante, e sua toxidade gerou milhares de relatos sobre má-formação congênita, câncer e problemas neurológicos. Ainda assim, desde 1945 a substância teve sua patente requerida e utilizada para a agricultura. A toxicóloga da Fundação Oswaldo Cruz ressalta que o uso conjunto do 2,4-D com o 2,4,5-T é que forma o Agente Laranja, mas isoladas as substâncias também geram graves problemas.

“Há vários estudos mostrando que o 2,4-D está associado a alguns tipos de câncer, como aos relacionados a alguns órgãos sexuais e linfomas”, relata ela. “Há estudos indicando alterações de hormônios sexuais e das funções da tireoide”, sem mencionar a produção de dioxina como subproduto – uma substância extremamente tóxica. Para a toxicóloga, as empresas de agrotóxicos apresentam-se como a “solução de todos os problemas” do trabalhador rural e da produção de alimentos no mundo, mas este discurso é enviesado devido aos interesses comerciais envolvidos. “Temos que fazer essa discussão com base científica. Tirar essa discussão ideológica da produção e do desenvolvimento e ver o que é bom para o meio ambiente, para a saúde, e que ao mesmo tempo sustente economicamente o país.”

Karen Friedrich. Foto: Abrasco

Karen Friedrich possui graduação em Biomedicina pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Mestrado e Doutorado em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz. Atualmente é servidora pública do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) da Fundação Oswaldo Cruz e professora assistente da Universidade Federal do Estado do Rio.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Muito se comenta sobre o alto nível de toxidade do herbicida 2,4-D. O que pode dizer sobre este composto? Qual a situação do 2,4-D no Brasil?

Karen Friedrich – O 2,4-D é um herbicida, como você falou, e tem seu uso liberado no Brasil. No entanto, segundo os critérios da legislação brasileira, ele já poderia ter um indicativo de proibição. Ele é usado em outros países também, mas a legislação desses países é diferente da nossa. O único problema é que fazer a revisão de um agrotóxico no país é um processo complicado, no sentido que a ANVISA ou o Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, propõem essa revisão de acordo com os efeitos que as substâncias podem causar sobre a saúde humana ou sobre o meio ambiente. Mais do que isso, quando as entidades tentam iniciar o processo, incorre a oposição de uma série de processos e mandados oficiais tentando impedir essas revisões de registros. A revisão de registro não é imediata, não é um processo muito simples, mas os estudos científicos publicados sobre a toxidade do 2,4-D indicam que ele apresenta vários efeitos sobre a saúde. Teria, por exemplo, efeito sobre o sistema reprodutivo, sobre o sistema hormonal…

IHU On-Line – O 2,4-D é parte do Agente Laranja usado pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã, mas é a combinação de elementos que torna o agente perigoso. Quais riscos ele sozinho pode trazer?

Karen Friedrich Depende do tipo de estudo conduzido. Há pesquisas indicando alterações de hormônios sexuais e das funções da tireoide – glândula importante para uma série de funções do nosso corpo. Além disso, geralmente há vários estudos mostrando que o 2,4-D está associado a alguns tipos de câncer, como aos relacionados aos órgãos sexuais e linfomas. Esses estudos de cânceres já foram evidenciados não só em animais de laboratórios, como também em seres humanos expostos ao 2,4-D. No caso do Agente Laranja, ele é um dos componentes junto ao 2,4,5-T. Os dois juntos aumentavam muito mais a chance dessas contaminações toxicológicas, tanto que o seu uso gerou um desastre muito grande, com milhares de pessoas atingidas. Claro que ele está presente nos alimentos em concentrações muito menores, mas há outra característica que eu também destaco: o 2,4-D causa mutação no DNA.

IHU On-Line – Ela pode ser transmitida para gerações?

Karen Friedrich A mutação tanto pode ser em uma célula somática, que é a que leva ao câncer, ou em células germinativas, que é a que vai se juntar com a célula do sexo oposto para gerar um embrião. Caso a mutação ocorra nessa última, pode levar a má-formação fetal, abortos expontâneos… Outro detalhe é que a produção do 2,4-D gera um contaminante e isso é inevitável para a própria indústria química. Ela pode até diminuir esse subproduto por alguns processos, mas não consegue evitar a presença desse contaminante (dioxina) no produto (herbicida).

IHU On-Line – Quais problemas são causados pela dioxina?

Karen Friedrich Ela é extremamente tóxica. Causa imunossupressão, ou seja, diminui a resposta do sistema de defesa do organismo. Esse sistema de defesa é responsável não só pela defesa contra patógenos, mas para a própria vigilância do câncer, causa também efeitos de intoxicações agudas graves e pode causar também câncer, alterações reprodutivas e alterações hormonais. Uma das substâncias mais tóxicas sintetizadas pelo homem é a dioxina. Então o que acontece é que mesmo saindo da fábrica com aquele resíduo de dioxina que está dentro de um limite legal, a partir do momento em que sai da fábrica ele pode gerar espontaneamente dioxina no próprio produto. Temos uma escassez de laboratórios oficiais que monitorem dioxina não só no produto, mas depois, nos alimentos. Então, por esse lado, pela própria característica dela, do 2,4-D, e pela característica do seu principal contaminante, é que a dioxina é um produto que a gente deveria banir do país.

Esses efeitos seriam um indicativo de proibição no país segundo a Lei 7.802 de 1989, pois a dúvida sobre sua segurança levaria ao que conhecemos como Princípio da Precaução. Muitas pessoas criticam a legislação, declarando que em outros países o 2,4-D é liberado e que por isso também deveria ser permitido aqui dentro. Isso não é verdade, já que outros países têm outras legislações que não inserem esses efeitos no seu critério de proibição. Nós inserimos e temos que obedecer à legislação brasileira.

IHU On-Line – Então podemos dizer que a lei brasileira é mais rígida nesse sentido?

Karen Friedrich Ela é mais rígida no sentido em que propõe que caso alguma substância cause determinados efeitos, seu uso deve ser proibido. É o caso de alterações no sistema reprodutivo, alterações hormonais, mutação, carcinogênese (formação de câncer) e má-formação fetal – efeito ao qual o 2,4-D também tem sido associado. O que foi objeto da discussão da audiência pública foi a liberação de uma semente transgênica resistente ao 2,4-D. Então quer dizer, o que isso significa? Significa que por conta dessa semente existe a expectativa de se aumentar muito o consumo do 2,4-D. Nesse sentido, a liberação da semente legitimaria uma forma de aumentar a aplicação de uma substância tóxica, cujo uso deveria ser diminuído, não incentivado.

Nós sabemos que o modelo de produção agrícola tem que ser revisto. Óbvio que nós somos um dos grandes produtores de soja do mundo e de outras grandes commodities, mas temos que rever e pesar o que é importante. O que nós queremos? Manter a produtividade a todo custo? Ou queremos preservar a saúde do trabalhador e do meio ambiente?

IHU On-Line – Se temos tantos estudos que mostram as complicações dele, o que falta então para ser proibido?

Karen Friedrich Acredito que falta um pouco de iniciativa da Anvisa de se disponibilizar a fazer essa reavaliação, de forma que várias instituições de pesquisa possam auxiliá-la nisso. Sabemos que diversos órgãos sofrem com falhas estruturais, escassez de recursos humanos e de recursos financeiros. Eu não digo nem que seja culpa da Anvisa não querer fazer isso, mas que o próprio governo deveria repensar o fomento para a produção agrícola e as áreas de desenvolvimento, ao mesmo tempo investindo nos órgãos que vão dar suporte e segurança à população a partir do que é produzido. Se pensarmos em todos os produtos que ela avalia que não é só agrotóxico, como medicamentos, alimentos e mesmo as regiões de fronteira, veremos que é uma grande diversidade de produtos que se deve dar conta.

Então o que falta? Acho que falta um pouco desse investimento e a Anvisa talvez procurar buscar parceiros como ela já fez em outros momentos, para auxiliá-la na revisão desse registro. Isso é um ponto fundamental.

IHU On-Line – O uso da semente com 2,4-D teria sido testado apenas em dois municípios brasileiros, Indianápolis (MG) e Mogi Mirim (SP). É suficiente para uma avaliação adequada dos riscos envolvidos? Qual seria um procedimento adequado?

Karen Friedrich O ideal é que você tenha essa testagem nos solos e nas diferentes características ambientais do país. Se o poder econômico e político tiver mais força e ela vier a ser liberada, isso vai ser um grande problema. E, além disso, se ela vier a ser liberada, é evidente que será usada no país inteiro. Então dois Estados ainda são muito limitados para a gente dizer a eficácia dessa semente. E o que a gente tem visto também com outras sementes transgênicas é que, ao longo do tempo, assim que ela é lançada, em geral só tem um pico de produção, mas depois essa produção vai diminuindo. Porque os próprios insetos se tornam resistentes a ela, você tem que usar cada vez mais agrotóxicos e esses agrotóxicos diminuem os predadores naturais e os predadores naturais daquelas pragas, então você tem que usar cada vez mais agrotóxicos. Isso na verdade é um ciclo que cada vez mais incentiva a produção da toxina.

Outra coisa que temos que observar é que quem está trazendo essa informação para o agricultor é a indústria. Então esse agricultor às vezes acredita que o transgênico e o agrotóxico são a melhor solução para ele, mas ele está ouvindo uma indústria que tem conflito de interesse no tema. Ela quer promover o seu produto. Muitos questionam essa briga da agricultura com a saúde, mas temos que fazer essa discussão com base científica. Tirar essa discussão ideológica da produção e do desenvolvimento e ver o que é bom para o meio ambiente, para a saúde, e que ao mesmo tempo sustente economicamente o país.

IHU On-Line – A introdução de sementes resistentes ao 2,4-D está sendo proposta devido à resistência das pragas ao herbicida Glifosato. Esta não seria uma medida paliativa que levará novamente à criação de superpragas? Qual seria uma solução possível?

Karen Friedrich A semente transgênica do 2,4-D não substitui, ele é usado para outro tipo de folha. Na verdade os agricultores vão usar o glifosato, o 2,4-D e as suas respectivas sementes transgênicas, o que é muito pior. Você está associando dois agrotóxicos com efeito sobre a saúde e, quando estão em conjunto, o seu efeito pode ser muito maior. Na verdade eu penso que é uma discussão mais ampla que tem a ver com o modelo de produção. Nós temos propriedades que produzem milhares de hectares com uma única cultura aplicando um monte de substâncias químicas, então você não tem um ambiente equilibrado que pudesse ter predadores naturais para aquelas pragas. Não estou dizendo que as monoculturas devem acabar, não é isso, mas existem sistemas que podem ser intercalados, como a produção de florestas para produzir um sistema minimamente equilibrado, que possa ter predadores naturais para aquelas pragas, fazendo o uso de agrotóxicos ser, com o tempo, diminuído.

IHU On-Line – Sabemos que nem todo produtor rural tem o perfil para a produção orgânica, que exige uma dedicação muito maior do que a da produção convencional. A aplicação de agrotóxicos na lavoura é fundamental para a produção de alimentos?

Karen Friedrich Não, não é. Existem vários estudos, locais e produtores mostrando que é possível produzir alimento sem agrotóxico. É preciso diferenciar o que é alimento e o que é commodity. Soja, algodão, cana e milho, da maneira como estamos produzindo, não são alimentos, são commodities. São alimentos pontuais que em geral servem para a produção de ração de animais, mas não vivemos apenas dessa fonte proteica, a nossa alimentação tem que ser equilibrada com outros alimentos, com outros nutrientes. As grandes monoculturas produzem para exportar, não para gerar alimento para a sociedade. A despeito dessa grande produção agrícola, estamos onerando a saúde humana, a saúde do trabalhador, a saúde do meio ambiente, e é essa a grande questão.

O que temos visto também é que o uso de agrotóxicos causa uma toxidade nos próprios animais de criação e de corte, como algumas aves, o porco e o boi. Essa toxidade leva à diminuição da reprodução desses animais, o que leva o produtor a inocular hormônios nos seus animais para garantir a produção deles. Mas ele não pensa que a consequência disso pode ser do próprio agrotóxico que foi utilizado no pasto, ou numa propriedade vizinha, ou passou por avião, ou que está contaminando o lençol freático de uma região um pouco mais distante, mas que é consumido pelo gado. Na verdade, o agrotóxico está levando a uma insustentabilidade da produção local e é isso que não está sendo colocado.

Nós não devemos escutar a indústria de agrotóxicos, pois ela quer vender o seu produto. Algumas instituições de pesquisas sérias têm produzido estudos de modo a dar sustentabilidade para a produção orgânica, mas o próprio governo também precisa agir. Nós vemos números estratosféricos de investimento na grande monocultura. Caso parte desses recursos fossem voltados para a produção orgânica e agroecológica, com certeza a produtividade desses setores iria se inverter. É como você falou, é difícil, não é de hoje para amanhã que a pessoa vai produzir de maneira agroecológica, e é preciso também um investimento financeiro, porque de pronto muitos produtores orgânicos estão ameaçados pela contaminação que vem de uma grande propriedade vizinha em que passa o avião, e vem pelo vento, pelo ar, pela água. O governo e a sociedade têm que começar a questionar, a dar apoio e exigir esse investimento maior nesse tipo de produção. A situação já foi pior, hoje temos certo investimento, mas ainda está muito aquém do que é investido nas grandes monoculturas.

IHU On-Line – Como você encara a relação entre a produção de organismos geneticamente modificados e os agrotóxicos?

Karen Friedrich – Não é uma coincidência que as grandes empresas produtoras das sementes transgênicas são as principais produtoras daquele agrotóxico ao qual a semente é resistente. A indústria vende dois produtos como sendo a solução dos problemas do agricultor, sendo que ele tem interesse na sua comercialização. É algo a se perguntar e nos leva a questionar todo o modelo de produção e pensar em alternativas para esse modelo. É claro que isso não vai interessar à indústria, mas temos que pensar também em quem o governo quer proteger. É uma questão até de soberania nacional.

Por outro lado, do ponto de vista da saúde, alguns estudos já demonstram que o uso combinado do agrotóxico com a semente pode aumentar a toxidade do produto. Isso por si só já demandaria mais investimento em estudo e pesquisa, de pesquisadores independentes da indústria, sem conflito de interesses. É importante que mais estudos fortaleçam essas hipóteses, mas na nossa Lei Ambiental temos o chamado princípio da precaução: uma vez existindo incerteza sobre a segurança de um produto, ele deve ser suspenso até que se comprove a sua segurança. Logo, mesmo que poucos estudos mostrem esse efeito combinado, por si só isso já deveria levar à suspenção do registro de agrotóxico.

Uso conjunto de agrotóxicos

Outra coisa que temos que pensar é que em determinada cultura são usados vários agrotóxicos. Para algodão, soja, são centenas de agrotóxicos permitidos para essas culturas. Claro que não se espera que o agricultor use todos os que são permitidos, mas se ele usar algumas dezenas, uma dezena, quatro, cinco variedades, o uso combinado pode prejudicar a saúde muito mais do que foi no laboratório.

Esta é uma deficiência da legislação não só no Brasil como em alguns outros países. Quando a indústria pleiteia o registro de um produto, ela apresenta vários estudos dos efeitos tóxicos daquela substância, só que conduzidos apenas tendo em vista a substância que está sendo pleiteada. Não se administra, no animal de laboratório, aquela substância mais outra que já está registrada para aquela cultura. Dito isso, nós não temos ideia do que resultaria do uso combinado dos agrotóxicos.

Do ponto de vista toxicológico do que se tem de alguns estudos científicos, já é demonstrado que algumas combinações são extremamente tóxicas. Um exemplo clássico é o dos organofosforados, uma classe química de agrotóxicos que causam a inibição de uma enzima chamada acetilcolinesterase. Então esse tipo de agrotóxico usado unicamente inibe uma quantidade X que poderia manter o indivíduo nas suas condições normais. Só que se ele usa dois, três, quatro organofosforados, esses efeitos vão ser somados. A inibição que era X passa a ser 3X, 4X, e acaba ultrapassando aquele limite em que se consideraria o efeito tolerável, chegando num ponto incompatível com a qualidade de vida da pessoa. Existem outros exemplos de agrotóxicos que podem causar alterações hormonais em quantidade muito maior do que a substância isolada.

É como no caso dos medicamentos; sabemos que há medicamentos que podemos usar em conjunto, e outros que são incompatíveis porque alteram o efeito esperado. Ou diminuem a própria eficácia ou aumentam e muito a sua toxidade. Do ponto de vista toxicológico, nós vemos que os efeitos do agrotóxico são realmente muito agressivos, e gradativamente devemos substituir esse modelo de produção baseado nessa “tecnologia” química e de transgênicos por modelos alternativos de base agroecológica.

Por Andriolli Costa
Fonte IHU Unisinos