Atuar em sustentabilidade é saber aplicar seus conceitos


Há 20 anos, o jornalista Ricadro Voltolini vem trabalhando com o tema sustentabilidade. No caminho, ele lançou a revista Ideia Sustentável, a Plataforma de Liderança Sustentável e já está no seu segundo livro, Escolas de Líderes Sustentáveis.

 

Hoje, Voltolini pode ser considerado um dos principais conhecedores das práticas de sustentabilidade corporativa no Brasil e um grande conhecedor das mentes dos executivos e empreendedores, pois seu trabalho começou entrevistando líderes empresariais que se destacaram no tema e mudaram de alguma forma a cultura de sua empresa.

 

Baseando-se nesta experiência, e o que está parcialmente contido no livro Escolas de Líderes Sustentáveis, Voltolini acredita que, muito mais importante do que se formar em uma carreira focada em sustentabilidade, é conhecer e saber aplicar conceitos de sustentabilidade no dia a dia profissional e pessoal, o que ele chama de uma postura de intraempreendedor.

 

“Costumo dizer aos jovens já empregados que, em vez de procurarem empregos focados em sustentabilidade, utilizem as competências de sustentabilidade para serem intraempreendedores do tema em suas empresas”, aconselha.

 

Em 2014, o tema da sustentabilidade, como acontece todo ano, deve mudar, segundo Voltolini, para focar na transparência, passando pelas questões da crise urbana, incluindo aí discussões sobre mobilidade urbana, água e energia.

 

Leia abaixo a entrevista que Voltolini concedeu à Agenda Sustentabilidade, mas não deixe de ler até o final pois, contém conselhos provocadores para quem quer se preparar para atuar na área.

 

Agenda Sustentabilidade: Quais as três principais tendências na área de sustentabilidade e economia verde que você percebe este ano?

Ricardo Voltolini: Transparência tende a ser um tema cada vez mais valorizado – Copa e eleições presidenciais vão torná-lo ainda mais relevante em 2014.

 

Mobilidade urbana é outro tema atualíssimo. Com a maioria da população vivendo nos grandes centros urbanos, cada vez mais teremos que pensar em soluções de deslocamento que valorizem os indivíduos e não os carros.

 

A questão energética e da água estará no centro dos debates, em virtude da possibilidade concreta de problemas na oferta e distribuição. Espero que o contexto anime uma discussão mais forte na direção das energias renováveis.

 

AS: Qual o principal desafio para a sociedade brasileira este ano tendo em vista as eleições e um debate acalorado em torno da copa?

RV: Nos dois casos, o principal desafio está no campo da gestão ética e da transparência. Todos os brasileiros estão cobrando, com razão – na medida em que se envolveu muito dinheiro público – qual o legado socioambiental efetivo da Copa do Mundo. E, como a maioria da população, tendo a achar que este legado ficará muito aquém daquele que foi apregoado quando ganhamos o direito de sediar este grande evento esportivo. Impossível desvincular o debate das eleições de um outro ainda mais amplo que é o da transparência. Uma das bandeiras das manifestações de julho de 2013 foi justamente a questão da corrupção da política.

 

AS: Você deu o título de Escola ao seu livro? Por que?

RV: Na verdade, o título trata de “Escolas de Líderes Sustentáveis.” O livro reproduz o segundo tema da Plataforma Liderança Sustentável, reunindo, além de uma parte teórica, as histórias de líderes que estão envolvendo e educando líderes para a sustentabilidade por meio de programas de educação corporativa, iniciativas estruturadas de desenvolvimento de valores e autodesenvolvimento, ações on the job, condicionamento da recompensa ao triplo resultado e criação de instâncias internas. Portanto, mais do que empresas, elas acabam sendo escolas práticas de formação de líderes para a sustentabilidade.

 

AS: No livro, você abordou cases de empresas como AES Brasil, BASF, Braskem, HP, IBM, Masisa, Natura, PepsiCo, Sebrae  e Whirlpool. Por que você escolheu estas empresas para incluir na ‘Escola’?

RV: Há um processo de seleção. Primeiro, são ouvidos entre 70 e 80 especialistas em sustentabilidade (acadêmicos, consultores, formadores de opinião) para elaborar uma lista inicial de indicações. Os líderes e empresas mais indicados são, posteriormente, estudados pela equipe da Ideia Sustentável (mediante análise de relatórios e entrevistas) para verificar se, e o quanto, estão adequados ao tema do ano. Só então, depois desse procedimento, são convidados a participar.

 

Em 2011, o tema foi o estado da arte da liderança sustentável. Em 2012, como as empresas estão educando os seus líderes para a sustentabilidade. Em 2013, como a estão inserindo na estratégia. Em 2014 e 2015, serão, respectivamente, inovação e comunicação. Integram a Plataforma, entre outros líderes, Fábio Barbosa (Grupo Abril), Franklin Feder (Alcoa), Paulo Nigro (Tetra Pak), José Luciano Penido (Fibria) e Héctor Núñez (Ri Happy), que fizeram parte do primeiro livro, Conversas com Líderes Sustentáveis; e ainda: Alessandro Carlucci (Natura), Andrea Alvares (PepsiCo), Britaldo Soares (AES Brasil), Carlos Fadigas (Braskem), João Carlos Brega (Whirlpool), Marise Barroso (Masisa) e Rodrigo Kede (IBM), entre outros, personagens do segundo livro, Escolas de Líderes Sustentáveis  da Editora Elsevier).

 

AS: A maior parte das pessoas estão empregadas em pequenas empresas no Brasil. Como que uma empresa menor, com falta de estrutura para planejar, pode ser mais sustentável?

RV: Criou-se, no Brasil, o mito de que sustentabilidade é tema para grande empresa. Bobagem. O tamanho de nossas responsabilidades é sempre proporcional à extensão dos nossos impactos. Empresas grandes, impactos grandes. Empresas pequenas, impactos pequenos.

 

Uma empresa pequena deve começar, portanto, avaliando quais são os seus impactos socioambientais e trabalhar para minimizá-los ou eliminá-los. Ao fazer isso, será mais sustentável.

 

Do ponto de vista ambiental, pode começar com reciclagem de resíduos e ecoeficiência, dois itens que costumam, inclusive, resultar em redução de custos. Do ponto de vista social, pode começar por regularizar a situação de seus colaboradores e oferecer-lhes um ambiente saudável de trabalho, o que costuma repercutir também em maior retenção de talentos. Para mim. Sustentabilidade é uma questão de liderança.

 

Em 20 anos de experiência, convivi com líderes grandes em empresas pequenas e líderes pequenos em empresas grandes. E posso te assegurar que os primeiros fazem mais diferença.

 

RS: Você fala de desafios para líderes em empresas que querem implementar ações sustentáveis. O que você acha que são os desafios para os colaboradores em geral das empresas?

RV: Há dois desafios básicos. O primeiro consiste em efetivamente fazerem a sua parte na consecução das políticas de sustentabilidade das companhias em que trabalham. Mas, para tanto, funciona melhor quando as empresas inserem a sustentabilidade na visão, na missão, nos valores, nas estratégias e metas. E quando os colaboradores são capacitados, mobilizados e recompensados por cumprirem as metas definidas de sustentabilidade, evitando o que chamo de sinal dúbio: falar e cobrar sustentabilidade, mas não dizer exatamente o que se quer nem valorizar suficientemente quem quer fazer.

 

O segundo desafio consiste no intraempreendedorismo. Em muitas empresas, o sinal pró-sustentabilidade não chega a ser tão claro. Mas também não existe impedimento para quem quer inserir o conceito no dia a dia de suas atividades. Há os que enxergam na sustentabilidade um trabalho a mais a ser feito. E há os que a veem como o único jeito certo de fazer o trabalho. Esses são os imprescindíveis. Intraempreendedor é aquele que identifica oportunidades e torna a sustentabilidade um diferencial de sua função ou área.

 

AS: Na Agenda Sustentabilidade temos identificado uma grande vontade das pessoas de se formarem ou se prepararem de alguma forma para atuar profissionalmente implementando os conceitos da sustentabilidade. Como você explica isso e os quais as suas sugestões para os que querem se preparar melhor?

RV: Essa é uma tendência global. Cada vez mais os jovens profissionais querem fazer o que os norte-americanos chamam de “carreira de impacto”, isto é, desejam mudar o mundo para melhor atuando em empresas socioambientalmente responsáveis. Enxergam-se melhor nelas. Por isso, essas companhias atraem mais talentos. Elas são o lugar preferido de profissionais em busca de propósito para o seu trabalho.

 

Este quadro explica também o aumento da oferta de programas de desenvolvimento em sustentabilidade. Como discuto no meu livro, os melhores cursos são aqueles que conseguem desenvolver, na íntegra, e de modo equilibrado, as competências—conhecimentos, habilidades e atitudes. No entanto, apesar do grande interesse pelo tema, vejo uma certa frustração por parte de jovens que se preparam e não encontram empregos focados em sustentabilidade, na medida em que muitas empresas acabam, nessa área, preferindo valorizar a prata da casa em vez de contratar gente de fora.

 

Costumo dizer aos jovens já empregados que, em vez de procurarem empregos focados em sustentabilidade, utilizem as competências de sustentabilidade para serem intraempreendedores do tema em suas empresas.

 

Se você é um engenheiro ou um arquiteto, pode ser frustrante procurar um emprego do tipo “engenheiro de prédios verdes” ou “arquiteto de obras ecoeficientes”, simplesmente porque não existem funções com esses nomes.

 

Mas qualquer empresa séria e líder que contrate engenheiros e arquitetos, valorizará, nos tempos atuais, profissionais que dominam as técnicas de construção LEED ou conheçam sistemas mais ecoeficientes de gestão de calor, água e energia. Estude, aprofunde-se, domine o conhecimento básico, aperfeiçoe as habilidades e aposte no tema.

 

Fonte: Agenda Sustentabilidade