Potabilização do Esgoto Sanitário


Potabilização do Esgoto Sanitário, entrevista com Paulo Afonso Mata Machado

Estação de tratamento para potabilização de esgoto, em Orange County, Califórnia. Foto do NYT

1 – Disse o Prof. Ivanildo Hespanhol, em entrevista à Folha de São Paulo, que a Grande São Paulo defende que o esgoto deve ser transformado em água potável e usado pela população.

O Prof. Ivanildo Hespanhol é presidente do Centro Internacional de Referência em Reúso de Água, localizado na USP, em São Paulo. Sou testemunha de seu trabalho de pesquisa para potabilização do esgoto sanitário que foi iniciado muito antes do desabastecimento hídrico que afetou a Grande São Paulo no ano passado e no início deste ano.

2 – Ele afirma que há na capital paulista um estoque de água equivalente a dois sistemas Cantareira, capaz de fornecer cerca de 60 mil litros por segundo e sanar, de vez, qualquer eventual crise de abastecimento na capital paulista. Qual é sua opinião a esse respeito?

Esses 60.000 L/s se referem ao esgoto que é lançado diariamente nos cursos de água da Grande São Paulo e que, se tratados, se constituiriam num enorme potencial de fornecimento de água.

Agora que se iniciou o período de chuvas, não se fala mais em falta de água na capital paulista, mas o assunto voltará aos noticiários assim que passar o verão.

3 – O professor diz que a tecnologia do reúso já é avançada o suficiente para produzir água limpa e segura para beber, havendo parâmetros para controlar sua qualidade, que pode superar a da água captada dos rios.

É preciso lembrar que os paulistanos chegaram a consumir água do volume morto do Sistema Cantareira. Essa água, de qualidade muito ruim, foi potabilizada e entregue à população para uso irrestrito. Por que razão o mesmo não poderia acontecer com o esgoto sanitário?

4 – A relatora da ONU para a questão da água, Catarina de Albuquerque, em visita a São Paulo, declarou que é preciso “olhar o esgoto como recurso”.

Tem ela toda razão. Essa declaração ela a fez quando São Paulo enfrentava uma enchente provocada pelo excesso de água no Rio Tietê e, ao mesmo tempo, a população amargava uma de suas maiores crises de desabastecimento.

Cumpre destacar que a declaração da relatora da ONU denota uma mudança de postura daquele organismo internacional, pois, em 1996, durante a Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento, a entidade se mostrou bastante cautelosa, defendendo o que se convencionou chamar de água de reúso para ser usada somente em lavagem de carros, irrigação de jardins ou finalidades afins, nunca para o consumo humano.

5 – No desastre que ocorreu com a barragem de rejeitos de mineração em Mariana, várias cidades que se abastecem de água do Rio Doce suspenderam a captação. Se a lama da mineradora impediu a captação de água do rio, o esgoto sanitário poderá ser captado sem problemas para a saúde?

Esse tipo de desastre ambiental é mais um argumento a favor da potabilização do esgoto sanitário. Se a captação de água do rio fica impraticável, o mesmo não ocorre com o esgoto sanitário, que se mantém inalterado.

Mesmo que houvesse contaminação do esgoto por certos resíduos, é preciso destacar que uma estação de potabilização de esgoto conseguiria eliminá-los. É o caso, por exemplo, da lama contendo elevados teores de ferro.

A concentração máxima de ferro permitida na água potável é de 0,3 mg/L. Entretanto, se houver teores elevados de ferro no esgoto, isso não afetará seu tratamento em uma EPE, visto que o ferro será oxidado, passando de solúvel a insolúvel e, em consequência, desprendendo-se da massa líquida.

É preciso destacar, no entanto, que nem todos os metais pesados podem ser tratados em uma EPE, que é projetada para tratar o esgoto sanitário, não o efluente industrial.

6 – No Brasil, a água de reúso não é usada para beber, mas para processos como limpeza de calçadas, irrigação de jardins e na produção industrial. Sua utilização para bebida não representará uma guinada no processo?

Durante muito tempo, o Brasil foi considerado um país com abundância de água. Entendia-se que não havia necessidade de se transformar o esgoto em água potável, visto que a disponibilidade hídrica era considerada suficiente. Por isso, optou-se pela existência de duas qualidades de água: uma, para consumo humano, e outra, para consumos considerados “menos nobres”.

Trata-se de uma postura que precisa ser atualizada, pois o tratamento incompleto do esgoto, tornando-o água de segunda categoria, traz inúmeros inconvenientes.

Primeiramente, é preciso destacar que a chamada água de reúso deve ser comercializada a um preço bem menor que o da água potável, pois ninguém vai comprar água, sabendo-a de qualidade inferior, por preço equivalente ao da água potável. Será economicamente mais viável que o tratamento do esgoto seja feito de forma completa, para que a água possa ser usada (e comercializada) como água potável.

Por outro lado, a água de reúso precisa ser totalmente independente da água potável. Isso implica a construção de um novo sistema de tratamento, com novos reservatórios e nova rede de distribuição. Estima-se que o custo de implantação de uma rede de distribuição é equivalente a 2/3 do custo de todo o sistema de captação, adução, tratamento e distribuição de água. Pois bem, a rede de distribuição de água potável já existe e pode ser aproveitada para o esgoto potabilizado.

Entretanto, os problemas principais da água de reúso não são apenas de ordem econômica, mas principalmente de ordem sanitária. Tendo valor mais accessível, o consumidor pode optar por comprar água de reúso e usá-la para encher piscina, para irrigar horta e, até mesmo, para uso doméstico, como banho e bebida. A companhia de saneamento não tem meios de impedir que isso aconteça, podendo, desse modo, estar contribuindo para a disseminação de doenças, o que é particularmente verdadeiro na área rural, onde é patente o perigo de se enviar esgoto tratado de forma incompleta para utilização em atividades agropecuárias.

7 – A Sabesp anunciou que pretende lançar o efluente de uma estação de tratamento de esgoto na represa de Guarapiranga para coletá-lo, tratá-lo em uma ETA e distribuí-lo à população. Isso já não é uma potabilização do esgoto sanitário?

Esse processo é chamado de potabilização indireta do esgoto sanitário. Trata-se de um processo que já existe no Brasil, pois na maioria das localidades o esgoto sanitário é lançado em córregos, rios e lagoas sem tratamento, de onde, muitas vezes, é retirada água para abastecer uma comunidade situada a jusante. A comunidade que lança o esgoto muitas vezes não se importa em trata-lo, porque ele passa a ser problema de quem se encontra a jusante.

Existe projeto de lei tramitando na Câmara dos Deputados que obriga as comunidades a lançarem seus esgotos a montante do ponto onde captam água. Desse modo, cada comunidade teria maior cuidado com o descarte de seu esgoto sanitário.

A potabilização indireta do esgoto sanitário ainda está distante do que é chamado de potabilização direta, que é o tratamento do esgoto bruto em uma estação, de onde sai sob a forma de água potável.

8 – Muitos dizem que a potabilização direta do esgoto sanitário não é feita no Brasil porque não existe regulamentação, como ocorre em países como EUA, Austrália e Bélgica.

Trata-se de uma afirmação equivocada. No Brasil, ao invés de uma lei, optou-se por regulamentar a água potável por meio de portarias do Ministério da Saúde. É uma medida bastante sensata devido ao avanço nas pesquisas sobre qualidade da água, o que faz com que, periodicamente, surja a necessidade de novos parâmetros para testar a potabilidade da água e, com relação aos parâmetros existentes, é preciso que os limites máximos permitidos sejam constantemente revisados.

Atualmente, a portaria que regula a matéria é a de número 2.914, de 12.12.2011, onde se encontram as seguintes definições:

* água para consumo humano: água potável destinada à ingestão, preparação e produção de alimentos e à higiene pessoal, independentemente da sua origem (art. 5º, I);

* água potável: água que atenda ao padrão de potabilidade estabelecido nesta Portaria e que não ofereça riscos à saúde (art. 5º, II);

* padrão de potabilidade: conjunto de valores permitidos como parâmetro da qualidade da água para consumo humano (art. 5º, III).

Portanto, se o esgoto tratado convenientemente atender ao padrão de potabilidade estabelecido por essa portaria, será, de fato, considerado como água potável.

8 – As cinco estações de tratamento de esgoto existentes em São Paulo tratam, em conjunto, 16.000 litros por segundo. Com modificações nessas estações, o efluente dessas estações poderia tornar-se água potável?

Isso não somente é possível, como precisa ser feito com urgência. Será interessante que a Sabesp reveja sua ideia de potabilização indireta do esgoto e dedique mais atenção ao esgoto sanitário, matéria prima para produção de água potável que tem à mão.

Por outro lado, não vejo, em médio prazo, unicamente a transformação das atuais ETEs em EPES. Não é possível que o esgoto sanitário sem tratamento continue a poluir as represas Billings e Guarapiranga, e todo o trecho dos rios e córregos que atravessam a capital paulista. Esse esgoto precisa ser coletado e potabilizado. Portanto, é muito modesta a avaliação de que São Paulo dispõe somente de 16.000 L/s para serem potabilizados.

9 – O custo de potabilização do esgoto sanitário nos EUA é de cerca de US$3 por mil litros e isso representa mais que o triplo do custo de potabilização de água captada em rios, córregos e ribeirões. Você não acha que é possível obter água potável a um custo mais barato que potabilizando o esgoto?

Essa questão precisa ser analisada de forma mais detalhada. Nos Estados Unidos, o custo do esgoto potabilizado é muito diferenciado do custo da água captada na superfície porque não existe lançamento de esgoto “in natura”, como ocorre no Brasil. Ou seja, não existe, como aqui, potabilização indireta do esgoto sanitário, o que faz com que o custo do tratamento da água no nosso país seja, proporcionalmente, muito mais caro que nos Estados Unidos.

Por outro lado, há que se considerar que, ao se potabilizar o esgoto, estão sendo feitos dois trabalhos: o tratamento do esgoto e o tratamento da água. Desse modo, não há que se comparar o custo da potabilização do esgoto apenas com o custo do tratamento da água captada em rios, córregos e lagoas. A comparação deve ser feita com a soma dos custos do tratamento do esgoto e do tratamento de igual volume de água para consumo humano.

No Brasil, essa vantagem pesa ainda mais a favor da potabilização do esgoto, visto que, após o advento da Lei 9.433 (Lei das Águas), tanto a captação de água como o lançamento de esgoto sanitário, com ou sem tratamento, está sujeito a cobrança pelo respectivo comitê de bacia.

10 – A Sabesp está construindo o sistema São Lourenço, orçado em R$ 1,6 bilhão, que trará água da cachoeira do França, em Ibiúna, a uma distância de 83 km, para levar 4.700 L/s de água para municípios situados na Grande São Paulo a oeste da capital. Empreendimentos dessa natureza não tornam desnecessária a potabilização de esgoto?

A comparação da vazão de 4.700 L/s com os 16.000 L/s efluentes das ETEs indicam a completa desnecessidade dessa obra. Lembro que o Prof. Ivanildo Hespanhol gosta de dizer que o método de se buscar água cada vez mais longe era o processo utilizado pelos antigos romanos. À medida que Roma foi ficando mais populosa e passou a necessitar de mais água, novos aquedutos foram construídos.

Há que se considerar, também, que essa vazão de 4.700 L/s vai representar mais 3.760 L/s de esgoto sanitário que serão gerados na capital paulista, considerando uma taxa de 80% de conversão de água potável em esgoto sanitário. Até o momento, não vi nenhum plano para veicular tanto esse acréscimo de vazão de esgoto como o esgoto a ser gerado pela captação a ser feita na bacia do Rio Paraíba do Sul, que, para mim, também é uma obra desnecessária e que poderá complicar os problemas de enchentes do Rio Tietê e de seus afluentes.

11 – Se o esgoto sanitário representa 80% da água distribuída, de onde virão os outros 20%?

Se toda a água de uma comunidade vier da EPE, ela não poderá tratar apenas esgoto. Deverá ter um complemento para atender à demanda da população.

Ressalte-se, no entanto, que, como o tratamento em uma estação de potabilização de esgoto é muito superior ao tratamento em uma ETA convencional. Portanto, esse complemento pode ser água de qualquer natureza, desde que não contenha metais pesados ou outros poluentes contidos em efluentes industriais em proporção que provoquem concentração acima do permitido no efluente final da EPE.

Desse modo, até mesmo rios poluídos que não servem para fornecer água para uma ETA, como o Tietê, podem fornecer complemento a uma estação de potabilização de esgoto.

12 – O povo aceitará consumir água que terá sido esgoto?

Este é, a meu ver, o grande obstáculo à potabilização de esgoto.

Na estação de potabilização de esgoto localizada na Califórnia, os visitantes são convidados a tomar um copo de água tratada na estação e são poucos aqueles que a aceitam.

Trata-se, a meu ver, de desinformação. O ciclo hidrológico existe na natureza desde que o planeta se libertou da nebulosa que o formou. A água é usada e reusada há bilhões de anos. Não se pode dizer se na água contida no copo que acabamos de tomar não há gotas que fizeram parte da urina de um doente ou mesmo de um rato.

Se o esgoto sanitário não for potabilizado pelo homem, vai evaporar-se e passará à atmosfera, de onde retornará na forma de chuva, reiniciando o ciclo hidrológico. É isso que precisa ser passado à população.

Paulo Afonso da Mata Machado é Engenheiro Civil e Sanitarista

 

in EcoDebate, 01/12/2015

 

ENESAN


ENESAN – Encontro Técnico de Soluções e Melhores Práticas em Saneamento Ambiental

O ENESAN foi planejado com o objetivo final de promover e estimular o intercâmbio técnico, apresentar e difundir experiências práticas e soluções nas áreas de gestão, operação e manutenção, com ênfase no controle de perdas, eficiência energética, gestão comercial e operacional, combate a fraudes, reuso e tratamento de água e esgoto, meio ambiente, gestão de projetos e obras e tecnologias de materiais e equipamentos nas empresas de saneamento do País.

Essas experiências existem em muitas das companhias de saneamento, mas nem sempre são conhecidas pelas demais.

Aberto a empresas e técnicos dos setores público e privado, a proposta do ENESAN é trazer para discussão iniciativas e projetos implantados para solucionar, melhorar e aperfeiçoar os serviços de saneamento básico no País.

Evento pago – valores ainda não divulgados e necessário inscrição

LOCALIZAÇÃO

AV. Nossa Senhora de Copacabana, 522 – Rio de Janeiro

INSCRIÇÕES NÃO HÁ INFORMAÇÕES NO SITE

Saneamento ecológico


                

Indo na contra mão do que é oferecido pelo governo como tratamento básico dos dejetos que produzimos, a saneamento ecológico surge como uma alternativa sustentável de tratamento das águas sujas que saem das nossas casas. Dentro do contexto de bioconstrução, como já foi publicado nesta outra matéria, a conscientização de que é preciso viver neste planeta em harmonia com a natureza é possível e urgente.

Morar sem poluir, esse é o tema que é preciso difundir ao maior número de pessoas possíveis. Divulgar para um melhor entendimento de que o nosso lar pode ser sustentável e auto-suficiente em energia, alimentos e tratamento do esgoto. Assim quebramos a dependência para com os monopólios governamentais e privados que nos impõem comida com agrotóxicos e venenos, energia suja e um ineficaz e poluente tratamento do esgoto.

A idéia mais difundida de saneamento ecológico é o banheiro seco, tecnologia simples e econômica, utilizada em diversos países do mundo desde a antiguidade. Transforma fezes e urina humana em adubo orgânico para agricultura. Não utiliza ou desperdiça água no sanitário. Utilizado corretamente garante saúde e dinamiza ambientes. É um instrumento de saneamento que atende as necessidades do homem e melhora sua relação com a natureza, assegurando: saúde pública, engajamento comunitário e preservação ambiental.

Contudo, adotar tais práticas nos leva a romper barreiras construídas ao longo dos anos pelo molde da vida urbana. “As principais barreiras para a difusão destas soluções são: os aspectos culturais e psicológicos que dificultam a aceitação, e o receio de usar estes compostos na agricultura. A mentalidade urbana, principalmente, tende a rejeitar os banheiros secos. As pessoas ligam o banheiro com descarga à idéia de civilização de luxo. E isto não está correto e não é sustentável. Futuramente creio que será natural esta mudança de pensamento. O que falta para as iniciativas darem certo são programas de conscientização, treinamento e educação para mudar esta percepção.” defende Mariana Chrispim, gestora ambiental que pesquisa esta tecnologia na USP.

Usar a natureza para processar nossos dejetos não é voltar a um passado e nem é um ideal idílico da vida no campo. Pelo contrário, é uma tentativa de fechar o ciclo e otimizar as vantagens da própria natureza que ‘criou’ este ciclo e vem funcionando a milhões de anos.

Outras possibilidades que o saneamento ecológico nos fornece, são:

– Biodigestores: O biodigestor é um ambiente fechado se deposita matéria orgânica para sofrer decomposição anaeróbica (sem oxigênio no ar) e gerar biogás. A matéria orgânica pode ser esgoto doméstico, esterco, lixo orgânico ou outro material orgânico. O biogás produzido pelo biodigestor é formado principalmente por metano (CH4) e gás carbônico (CO2) e pode substituir o gás de cozinha (gás butano) e ser utilizado como combustível do fogão. Com o biogás, também é possível realizar aquecimento de água e de ambientes e também gerar eletricidade. 

 

– Reuso das águas cinza: Geralmente, separamos o que chamamos de águas cinza, das águas negras. As águas cinza são as águas residuais das pias e do banho e tem um tratamento mais simplificado. O tratamento primário realiza-se através de caixa de gordura e filtro de areia. Depois, a água segue para um canteiro de plantas, hortaliças e árvores, onde alimenta as raízes destas plantas e de outras espécies, produzindo muito alimento.

– Fossa Séptica, Filtro Aeróbico e Vala de Evapotranspiração: As águas negras são as águas residuais dos sanitários e contém grande carga de poluentes. Estas águas devem ser tratadas com maior cuidado, num sistema mais complexo. As águas negras podem ser tratadas pela seqüência de fossa séptica, filtro anaeróbico e vala de evapotranspiração. A fossa séptica retém os sólidos e realiza a primeira fase do tratamento. O filtro anaeróbico realiza a segunda etapa do tratamento biológico e a vala de evapotranspiração, é a última fase do tratamento, onde o restante dos nutrientes são absorvidos pelas raízes de plantas de caule lenhoso. Estas plantas podem ser frutíferas, tornando o sistema de saneamento bastante produtivo. Este sistema é capaz de realizar uma grande retirada dos resíduos e pode receber também as águas cinzas.

Em um país como o Brasil onde quatro em cada 10 residências não possui saneamento básico adequado, a implantação de um saneamento ecológico se torna uma solução viável economicamente e eco-eficiente. Gerando mais saúde, diminuindo consideravelmente a poluição gerada pelos dejetos, e preservando o meio ambiente.

Fonte: Revista Sustentabilidade ; ONU

Laísa Mangelli

Wetland – Sistema de saneamento natural em funcionamento no Rio de Janeiro


Já imaginou uma estação de tratamento de esgoto em meio à natureza, onde é possível avistar ainda tratando as águas sujas da cidade? Esse cenário é real e acontece na Estação de Tratamento de Esgoto Ponte dos Leites, em Araruama, no Rio de Janeiro, a primeira no Brasil e a maior na América Latina a adotar o sistema wetland. Num país que se dá ao luxo de coletar e tratar menos de 50% do esgoto que produz, qualquer projeto de saneamento é bem-vindo. Se puder ser sustentável, melhor ainda.

                       

A ETE Ponte do Leites foi inaugurada em 2005. Em 2009, foi ampliada, tanto no nível de tratamento, quanto em capacidade. Atendendo ao aumento da demanda local, realizou-se uma remodelagem da ETE para implantação de um sistema complementar ao tratamento terciário, com remoção de nutrientes através do sistema wetland, feito com plantas aquáticas. Esta ampliação transformou a ETE Ponte dos Leites na maior da América Latina com esse sistema, em capacidade de tratamento, atuando com 200 litros de esgoto por segundo, em uma área de 6.8 hectares.

Primeiro, é feito um pré-tratamento dos efluentes, com um gradeamento e caixa de areia para retirar a parte sólida, e a partir do qual os efluentes são conduzidos para as lagoas de aeração, para promover a troca gasosa do oxigênio da atmosfera com o meio aquoso. Estas lagoas possuem aeradores de superfície e são rasas, com no máximo 2 m de profundidade, onde o oxigênio dissolvido na água fornece às bactérias energia suficiente para degradação da matéria orgânica.

Após passar pelas lagoas de aeração, os efluentes seguem para as lagoas de sedimentação, onde ficam sedimentados os resíduos sólidos da fase anterior. Estas são lagoas profundas, com 4 a 5 metros, e não têm agitação. Nelas, há plantas aquáticas de superfície, que dão inicio ao processo de remoção de nutrientes (fósforo e nitrogênio), essenciais para a sobrevivência de algas e plantas. Finalizando o tratamento, ocorre um processo de irrigação, inundação e infiltração em leitos cultivados, com o objetivo de remover o excesso de nutrientes, através do processo wetland de tratamento.

Esta iniciativa pioneira no Brasil, embora bastante praticada em outros países, como nos Estados Unidos e Canadá, foi possível através da negociação entre a Concessionária Águas de Juturnaíba, a Prefeitura de Araruama, o Governo do Estado do Rio de Janeiro, ambientalistas, técnicos do Consórcio Intermunicipal Lagos São João e a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico (AGENERSA), que antecipou o cronograma das obras de saneamento na Região dos Lagos.

Segundo Felipe Vitorino, coordenador de Operação de Esgoto da Concessionária, ressalta os conceitos de desenvolvimento sustentável e economia verde que são trabalhados na ETE, integrada ao programa “Resíduo Zero” que busca a reciclagem de 100% do lixo gerado pelo tratamento do esgoto. Parte destes resíduos já é destinada à reciclagem, gerando produtos artesanais, vendidos pelas cooperativas produtoras da região. A ETE Ponte dos Leites gera cerca de 580 toneladas de lixo por mês, com as “macrófitas” (plantas aquáticas) emergentes e flutuantes, utilizadas no tratamento do esgoto. Com o programa “Resíduo Zero”, a empresa pretende gerar 200 toneladas de adubo orgânico por mês, além de ampliar a produção do artesanato e implantar um biodigestor para que a ETE possa produzir energia, através do esgoto, para seu próprio consumo. “Somos uma estação 100% sustentável”, afirmou Felipe.

A favor da natureza

                                       

Wetland é um sistema artificialmente projetado para utilizar plantas aquáticas (macrófitas) em substratos como areia, cascalhos ou outro material, onde ocorre a proliferação de microorganismos que, por meio de processos biológicos, tratam águas residuárias. O sistema wetland destaca-se pela capacidade de remover carga poluidora, manter a conservação dos ecossistemas terrestres e aquáticos, reduzir o aquecimento global, fixar o carbono do meio ambiente, mantendo o equilíbrio do CO2, além de conservar a biodiversidade. As macrófitas aquáticas utilizadas nos sistemas wetland, podem ser emergentes ou flutuantes e são de fácil propagação, têm crescimento rápido, alta capacidade de absorção de poluentes, tolerância a ambientes eutrofizados, fácil colheita e manejo, além de valor econômico. As macrófitas emergentes são: papiros, juncos, lírios, taboas e palmas, entre outras. As flutuantes são: lemna, azola, pistia, salvinia e aguapé.

Na ETE Ponte dos Leites, foram implantados 3 lagoas com macrófitas emergentes – papiros, pairinhos e sombrinhas chinesas – além de 2 com macrófitas flutuantes – lemna, salvinia, pistia e alface d’água. O efluente final é um líquido transparente, quase inodoro e com características que permitem que ele seja lançado diretamente aos corpos receptores. O sucesso do sistema wetland vai além dos baixos custos energéticos, pois oferece muitas possibilidades de reciclagem da biomassa produzida, que pode virar fertilizante, ração animal, gerar energia (biogás ou queima direta), fabricar papel, etc. Sem falar na biodiversidade, como no caso da ETE em Araruama, onde vivem 43 espécies de aves, 6 de anfíbios, 5 de peixes e 1 de réptil. Entre as espécies, sapos, pererecas e pássaros como o Garibaldi, o Jaçanã e o Gavião Caramujeiro, com destaque para a população de biguás.

Fonte: Voz das Águas ; Grupo Águas do Brasil

Laísa Mangelli