Entrevista especial com Marcos Silveira Buckeridge
"O Brasil pode assumir um papel protagonista na pesquisa com OGMs para criar um futuro próprio, e não navegar naquele criado pelos outros", aposta o biologista vegetal.
Em 2003, o Brasil regulamentou a entrada de organismos geneticamente modificados – OGMs – no país e formou uma comissão de biossegurança para avaliar e regular a sua utilização. No entanto, para o pesquisador e professor da Universidade de São Paulo, Marcos Buckeridge, se por um lado a decisão organiza o setor e o conduz para não haver excessos, por outro seria um exagero comparável a “usar uma bala de canhão para matar uma pulga”. Isto porque, para ele, “já está muito claro que os transgênicos não oferecem todo aquele perigo que se imaginava aos seres humanos e ao ambiente”.
O pesquisador esclarece que, apesar do receio em relação aos alimentos transgênicos, a técnica em muito se parece com a manipulação biológica tradicional — que busca aperfeiçoar características mais interessantes ou valorizadas em um organismo. Não investir na tecnologia, para Buckeridge, seria um retrocesso para o país, tendo em vista os benefícios que os transgênicos podem trazer. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ele defende que o Brasil pode assumir um papel protagonista no assunto, mas para isso é preciso abrir a cabeça “para criar um futuro, ao invés de navegar nos futuros criados pelos outros”.
Buckeridge elenca diversas possibilidades que os estudos na área propõem. “Na saúde, por exemplo, imagine que consigamos sintetizar polímeros contendo glicosamina nos alimentos”, sugere. O composto é utilizado por idosos e atletas para fortalecer as articulações. “Ao invés de tomar cápsulas, isto já poderia vir no próprio alimento.” Outro benefício trazido pelos OGMs seria o de evitar o desmatamento de biomas como a Amazônia. Isto porque, ao produzir plantas com maiores taxas de fotossíntese e de crescimento, poderíamos produzir mais com menor área plantada. Assim, ele afirma: “Se a logística e a distribuição das culturas forem bem pensadas em relação às florestas, seria possível conservá-las e até recuperá-las em áreas que antes teriam sido utilizadas para culturas agrícolas”.
Marcos Silveira Buckeridge possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade de Guarulhos – UNG, mestrado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Paulo – Unifesp e doutorado em Ciências Biológicas e Moleculares pela University of Stirling. Durante 20 anos, trabalhou com espécies nativas neotropicais no Instituto de Botânica de São Paulo. Atualmente é professor da Universidade de São Puaulo – USP e atua como diretor científico do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol, CTBE, em Campinas, e como coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (INCT do Bioetanol). Buckeridge é um dos autores líderes do próximo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) a ser apresentado em 2014.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – No começo do ano você deu algumas entrevistas em que afirmava que o uso de sementes transgênicas no Brasil poderia evitar o desmatamento de alguns biomas. Qual a relação possível entre estes elementos?
Marcos Buckeridge – O meu ponto é que, se utilizarmos técnicas moleculares que nos levem às plantas mais produtivas, com maiores taxas de fotossíntese e crescimento, poderíamos produzir mais com menor área plantada. Neste sentido, se a logística e a distribuição das culturas forem bem pensadas em relação às florestas, seria possível conservá-las e até recuperá-las em áreas que antes teriam sido utilizadas para culturas agrícolas.
IHU On-Line – Nestes 10 anos da presença dos transgênicos no país, como enxerga a discussão sobre o assunto? Acredita que ela tem avançado? E se tem, para onde?
Marcos Buckeridge – O Brasil regulamentou os transgênicos e formou uma comissão de biossegurança. Por um lado, isto é sim uma forma de organizar o setor e conduzi-lo para que não haja excessos. Porém, a forma que isto é feito se parece mais com “usar uma bala de canhão para matar uma pulga”. Creio que já está muito claro que os transgênicos não oferecem todo aquele perigo que se imaginava aos seres humanos e ao ambiente. Em minha opinião, dada a vocação do Brasil para os agronegócios, acho que nosso país está perdendo uma grande oportunidade de assumir a ponta nesta tecnologia. Isto não se dá somente através da pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias, o que já estamos fazendo muito bem, mas principalmente em trabalhar para encurtar o tempo para a aprovação de transgênicos e desburocratizar o processo de tal forma que nós estejamos sempre na frente na produção de novas variedades.
Hoje, a liberação de uma nova variedade obtida por genética clássica e uma transgênica leva mais o menos o mesmo tempo, acima de 10 anos. Se acelerássemos a produção de transgênicos, poderíamos avaliar os impactos dos produtos no mercado com maior rapidez; com isto o nosso mercado seria mais ágil e, inclusive, iria atrair mais negócios para o Brasil não só no setor agrícola, mas em vários setores ligados a ele.
Há riscos? Sim, mas o que temos de fazer é pensar de forma mais ampla e estratégica como país e assumir riscos que possam nos levar a maiores ganhos. Há também formas de acoplar a genética clássica à produção de geneticamente modificados. Muitas vezes, não é necessário transferir um gene de uma planta para outra. Basta engenheirar o sistema para que funcione melhor. Isto já é a engenharia biológica, que seria a técnica em que se remodela o metabolismo de um organismo para fazê-lo funcionar melhor para as finalidades que desejamos. É diferente de transferir um único gene que muda o contexto e faz a planta funcionar um pouco melhor. Hoje já existem técnicas de edição de genoma que permitem a inserção de um gene com precisão cirúrgica. Isto tende a diminuir drasticamente os riscos em relação às técnicas de transformação mais usadas, que inserem genes ao acaso num genoma.
IHU On-Line – O uso dos transgênicos é tido como uma solução para o combate à fome. Este discurso, no entanto, é rebatido por afirmações de que o fim do desperdício (na colheita, no transporte, no varejo) aliado a uma distribuição adequada seriam saídas mais efetivas. O que pensa disso?
Marcos Buckeridge – Definitivamente, o fim do desperdício é um caminho a seguir. Em conjunto com os diversos transgênicos existentes e em desenvolvimento no mundo, tais como os já existentes em soja e arroz, e as promessas para melhorar as respostas a doenças de culturas importantes como mandioca, banana e outras, a produtividade deve aumentar e com isto virão os efeitos de menor custo operacional. Os transgênicos feitos para este fim, na realidade, contribuem muito para a diminuição do desperdício, se considerarmos que menos insumos serão utilizados para produzir uma planta que irá, no fim, ser atacada por um inseto ou microrganismo e nunca será colhida ou utilizada. Até o momento, as tecnologias de transgênicos têm enfocado principalmente produtos para o agricultor, ou seja, algo que levará à melhora do desempenho da lavoura. Este é só o primeiro passo e poderia ser realizado em conjunto com a diminuição do desperdício, fazendo com que tudo se tornasse mais eficiente. O uso da engenharia biológica pode ajudar a diminuir o desperdício através da produção de frutos mais resistentes e com formas mais adequadas para transporte, sementes mais resistentes ao ataque de insetos e microrganismos.
Mas a engenharia biológica vai muito além disso. Com ela podemos desenhar características especiais nos alimentos, incluindo, por exemplo, substâncias benéficas aos seres humanos. Já foi desenvolvida uma variedade de maçã que não sofre oxidação e, portanto, não fica marrom quando cortada. Isto é importante, pois vários produtos poderiam utilizar o fruto, ampliando as suas aplicações e seu mercado. Na saúde, por exemplo, imagine que consigamos sintetizar polímeros contendo glicosamina nos alimentos. Estes são aqueles compostos que as pessoas mais velhas e os atletas têm que tomar para fortalecer os ligamentos dos joelhos e ombros. Ao invés de tomar cápsulas, isto já poderia vir no próprio alimento. Este é só um exemplo que ilustra algo não relacionado à fome, mas que pode ser muito benéfico para uma população que está envelhecendo, como a brasileira. Neste caso, imagine os benefícios em termos de menor frequência em hospitais, maior produtividade de idosos. Isto não geraria mais trabalho e preservaria mais a riqueza da sociedade?
IHU On-Line – Como biólogo e relator do IPCC, como percebe a expansão da fronteira agrícola em áreas como a Amazônia em relação aos perigos para o clima e a perda de biodiversidade?
Marcos Buckeridge – Apesar das estimativas de que precisaremos aumentar 70% a produção de alimentos até 2040 e de que o Brasil seria um dos poucos lugares com área agricultável para suprir essa demanda, acredito que não precisemos de áreas da Amazônia para isto. Com o aumento da eficiência esperado com o uso da engenharia biológica e ao mesmo tempo com as estimativas de que as populações em todo o mundo estão envelhecendo, teremos, sim, que focar na quantidade, daí o uso da engenharia biológica para melhorar a produtividade agrícola, mas outro foco será a qualidade dos alimentos.
Como todos sabem, um dos principais fatores que impulsionam as Mudanças Climáticas Globais é o aumento de gás carbônico na atmosfera. Já há vários trabalhos, inclusive nossos, demonstrando que a qualidade dos alimentos deve cair. Por exemplo, em soja, já se verificou que há uma queda em proteínas e em aminoácidos essenciais da ordem de 7% em plantas cultivadas na atmosfera esperada para meados do século XXI. Vimos algo parecido em feijão. As consequências disso podem ser bastante impactantes no médio e longo prazo nas populações. Esta queda de qualidade poderá levar a um aumento de consumo para suprir o déficit de proteínas. Mas, com isto, haverá mais consumo de carboidratos e lipídeos, agravando ainda mais os problemas de obesidade, o que leva ao aumento de doenças cardiovasculares, e assim por diante.
Este fenômeno é chamado de teleconexão, que é quando um evento desencadeia uma série de outros eventos, todos conectados entre si. Uma forma de evitar esta e outras cadeias de teleconexões seria engenheirarmos as plantas para que elas mantivessem o mesmo nível de proteínas mesmo com o aumento no gás carbônico atmosférico. Isto seria uma forma de nos adaptarmos aos impactos das mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, fazer com que plantas produzam mais proteínas pode ser benéfico hoje para ajudar a melhorar a nutrição.
IHU On-Line – Uma das suas áreas de pesquisa é a cana-de-açúcar. Como está atualmente a pesquisa da cana geneticamente modificada no país?
Marcos Buckeridge – Os avanços, desde 2008, têm sido incríveis na área científica. Com a montagem de forças-tarefa científicas que fizemos durante este período, como o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol e o Programa BIOEN da FAPESP, vários grupos de pesquisa conseguiram detectar um grande número de genes de cana relacionados à degradação da parede celular, fotossíntese e metabolismo de carbono e resistência à seca, que já estão permitindo os primeiros experimentos em que visamos engenheirar biologicamente a cana. No caso de resistência à seca e em parede, já há iniciativas de grandes empresas para o lançamento de variedades modificadas geneticamente. Que se saiba, estas são ainda variedades que terão um único gene inserido para melhorar a planta. Já a engenharia biológica da cana está a caminho.
Temos conjuntos de genes que são responsáveis, na cana, pela degradação de suas próprias paredes. Estamos a caminho de produzir plantas engenheiradas para ativar este mecanismo sob o nosso controle. Com isto, poderíamos ativar o processo de amolecimento da parede ainda no campo, de forma que haja melhora tanto na extração do açúcar, pois o interior das células se tornaria mais acessível, como seria mais fácil realizar o processo de segunda geração (o etanol celulósico) com o bagaço que sobrar deste mesmo processo. Pesquisadores do grupo do INCT produziram plantas geneticamente modificadas de cana que têm a lignina alterada. Isto é importante, pois a lignina é um dos principais entraves no processo de produção de etanol de segunda geração.
Este esforço vem sendo feito em uma cooperação entre grupos brasileiros de pesquisa que estão sequenciando o genoma da cana, os que estão estudando vários aspectos da fisiologia da planta e os que são capazes de transformá-la geneticamente. Tudo isto sem perder de vista o geneticistas clássicos, que conhecem profundamente a genética da cana e que são os que estão desvendando os mapas genômicos dela.
Somando tudo isso, os produtos deverão se multiplicar nos próximos anos. Eu acredito que teremos plantas de cana engenheiradas de diferentes formas que poderiam ser utilizadas para diferentes aplicações. Poderemos combinar tudo em plantas que seriam mais resistentes à seca, a doenças, com maior taxa fotossintética e crescimento e ao mesmo tempo adaptadas para a produção de açúcar e etanol. É a isto que eu chamo projeto supercana. As consequências do projeto supercana são um aumento de produtividade e considerável produção do etanol de segunda geração e, consequentemente, diminuição de custos para os processos agrícola e industrial. Aplicar tudo isso na indústria e transformar em produtos será o grande desafio nos próximos 10 anos. Aqui vemos a importância de diminuir a parcela burocrática, pois mesmo com a ciência avançando tão rápido, a tecnologia corre o perigo de ficar emperrada por causa de comissões, documentos, etc. O Brasil tem que ficar atento a isto, sob pena de perder sua posição na dianteira da produção de etanol sustentável, que hoje ele detém no mundo.
IHU On-Line – Em países que desenvolvem pesquisa com a cana, um dos grandes escopos é o aumento da biomassa para incrementar a produtividade de biocombustível. Como percebe a relevância desta pesquisa tendo em vista previsões de crise energética?
Marcos Buckeridge – O etanol de cana pode e vem ajudando na produção de energia, principalmente no Brasil e nos Estados Unidos. No Brasil, conhecemos bem o sistema de produção de automóveis flex. Nos EUA, o etanol vem sendo introduzido de forma muito similar ao que foi feito no Brasil durante o Programa Proálcool, isto é, com o álcool sendo adicionado gradativamente à gasolina.
No entanto, o etanol é apenas parte da solução para a crise energética. Por exemplo, nas Américas do Sul e Central juntas, 80% da energia renovável vem de hidrelétricas. A demanda de energia nesta região e no mundo deve aumentar muito com a entrada da China como um grande consumidor de energia e também com o desenvolvimento de países como a Índia e o Brasil. A produção de biocombustíveis é, sim, muito importante e devemos continuar trilhando este caminho.
Porém, é possível que as descobertas biológicas relacionadas ao controle da fotossíntese sejam ainda mais impactantes em melhorar a eficiência de captura da luz solar e com isto aumentar a produção de energia de uma forma muito mais intensa. O desenvolvimento das tecnologias de fotovoltaicos vem caminhando rapidamente neste sentido. Pode ser que, no futuro, tenhamos híbridos com a introdução de proteínas fotossintéticas nos sistemas de captura fotovoltaicos. Eu vejo um caminho bastante promissor nesta fusão da biologia com a física e a química, e é aí que as pesquisas em cana podem ajudar num processo mais amplo de como lidar com a crise energética mundial.
IHU On-Line – Entre os riscos apontados nas pesquisas com transgênicos, muito se fala dos perigos para a saúde humana. Acredita que os benefícios trazidos são suficientes frente aos possíveis riscos irreversíveis para a humanidade?
Marcos Buckeridge – Até o momento, há muito pouco que ateste um efeito irreversível sobre a saúde humana relacionada aos transgênicos. Temos de lembrar que a forma que até agora utilizamos a genética é muito parecida com modificar geneticamente uma planta utilizando ferramentas da biologia molecular. Já temos alguma experiência com os transgênicos, principalmente nos EUA, que remonta a cerca de 20 anos.
Já dei alguns exemplos de transgênicos que podem melhorar a saúde. Com a engenharia biológica, há inúmeras possibilidades. Neste sentido, o Brasil parece estar se movendo. O Centro de Gestão de Estudos Estratégicos junto à Embrapa está montando um plano estratégico, com a participação de cientistas brasileiros e estrangeiros, que visa colocar o Brasil como um dos expoentes mundiais na produção e inovação em alimentos. A engenharia biológica deverá ter um papel central neste futuro se o Brasil realmente quiser chegar lá.
Eu acredito que o uso da engenharia biológica deverá trazer um enorme benefício para a saúde das populações, pois a capacidade de inovar na produção de alimentos que previnam doenças, que impactem menos o ambiente, diminua o desperdício, tudo isso pode ser alcançado de uma forma muito mais rápida e eficiente com esta técnica, principalmente se acoplada à genética clássica.
IHU On-Line – No caso dos riscos para o meio ambiente, há relatos de que as plantas geneticamente modificadas estariam gerando insetos e plantas daninhas super-resistentes a herbicidas e inseticidas. Também há o medo de o pólen de uma área transgênica contaminar outra livre de transgênicos. Qual a sua opinião sobre isso?
Marcos Buckeridge – Este é um fenômeno natural. Cada vez que produzimos uma variedade resistente a uma doença, os vetores destas doenças, como microrganismos e insetos, sempre terão em suas populações alguns indivíduos que são resistentes. Com o tempo, estas populações podem aumentar e aquela resistência deixa de existir do ponto de vista agrícola. Esta nova população é resistente, porque ela tem genes ou conjuntos de genes que conferem esta característica. Que saiba, não há mecanismos que possam levar um processo de resistência colocado em uma planta de uma determinada cultura, de soja, por exemplo, para plantas daninhas.
Geralmente, as estratégias que têm sido utilizadas por grandes empresas, até onde tenho acesso à informação, têm sido formuladas com muito cuidado. São feitos inúmeros testes antes que uma nova variedade seja lançada. Sobre uma área contaminar outra, isto depende do contexto, mas obviamente se o pólen de uma área é levado a outra e houver fecundação (obviamente da mesma espécie), o transgene deverá passar para as próximas gerações. No entanto, na maioria dos casos, o plantio é feito através de sementes produzidas especificamente para isto. Assim, o escape do polén, pelo menos nestes casos, não tem nenhuma consequência, pois não é assim que produzimos as sementes que usamos em agricultura.
Sobre a questão ambiental, uma ideia bem polêmica é a de que possamos usar transgênicos para remodelar florestas. Por exemplo, imagine se pudéssemos acelerar a regeneração de florestas de forma que leve a metade ou até um quarto do tempo que normalmente se leva para ter uma floresta madura? Neste caso, podem-se usar técnicas de terapia gênica em que certos genes estejam ativos numa fase da vida da árvore, mas que este gene seja silenciado quando o crescimento está completo. Isto nos ajudaria a acelerar a recuperação de florestas e a melhorar os serviços do ecossistema. Isto ainda parece estar muito longe de acontecer, pois estamos começando agora a investigar os genes de plantas nativas, mas devemos lembrar que a tecnologia e suas aplicações crescem exponencialmente, e não linearmente. Este futuro, portanto, pode chegar bem antes do que imaginamos. Já vi apresentações de pesquisadores chineses que ambicionam sequenciar os genomas de todas as espécies nativas da China. O que será que eles querem fazer com esta informação?
IHU On-Line – Deseja acrescentar mais alguma coisa?
Marcos Buckeridge – No Brasil, para que possamos “destravar” a sociedade em relação aos enormes benefícios às pessoas, ao país e ao mundo que a engenharia biológica pode trazer, será necessário promover uma grande mudança cultural. Para isso, as questões éticas sobre esse assunto deveriam ser mais discutidas, mas ao mesmo tempo a informação deve chegar à população de uma forma compreensível, mas sem que se perca de vista a profundidade e complexidade do assunto. A sociedade brasileira tem um medo e um desprezo pela complexidade que é preciso parar. Temos que pensar mais e mais longe. Não podemos nos contentar com a informação que já vem pronta e acharmos que aquilo é a palavra final. Entender a complexidade é ampliar a consciência, e as sociedades que melhor fazem isto são as que dominam o mundo. Não poderíamos ser — ou pelo menos querer ser — uma delas?
Hoje a palavra DNA já está tão popularizada a ponto de ser utilizada de forma analógica por empresas e até partidos políticos. O Brasil, tradicionalmente, é conservador, sempre aguardando que uma tecnologia seja desenvolvida primeiro nos EUA, no Japão ou pelos colonizadores europeus. Se quisermos realmente fazer algo que mude o mundo e o conduza para o que achamos ser uma boa direção, precisamos fazer com que a nossa sociedade seja mais arrojada, tanto no pensar como no fazer. Não adianta termos os nossos cientistas contribuindo para a literatura mundial e produzindo, de graça, aquilo que vai ser usado pelos países mais arrojados para gerar as tecnologias que, depois, iremos comprar. Precisamos mudar isto, e esta mudança não depende dos transgênicos, mas sim de nós mesmos “abrirmos as cabeças” para criar um futuro, ao invés de navegar nos futuros criados pelos outros.
Para saber mais:
Fonte: IHU – Unisinos