Cultura da reciclagem ou reciclagem da cultura: o preceito de aperfeiçoamento humano


Por Willio Campos

No dia 17 de maio comemoramos o Dia Mundial da Reciclagem, instituído pela Unesco como uma forma de estimular e repensar nossas práticas ambientais de consumo e descarte. Muito embora, no Brasil, o dia seja comemorado, oficialmente, em 5 de junho, nos termos da Lei nº 12.055, de 9 de outubro de 2009.

No espírito de cuidado com o meio ambiente, proclamado pela emergência de um discurso e ações sustentáveis, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010, definiu a reciclagem como “o processo de transformação dos resíduos sólidos que envolve a alteração de suas propriedades físicas, físico-químicas ou biológicas, com vistas à transformação em insumos ou novos produtos”.

Estabelecer o significado a um determinado signo, como prática de linguagem (signo: “cadeira”, significado: “objeto ou móvel com encosto que é utilizado para se assentar”, por exemplo) é resultado da prática de comunicação dogmática.

Um dogma, como elemento de linguagem, constitui-se instrumento cultural de facilitação da comunicação e gera, ato contínuo, tranquilidade de compreensão entre os interlocutores. Em tese, não há dúvidas, no caso do exemplo da cadeira, sobre o que representa o signo “cadeira” e o que o faz diferenciar de outro signo como um “banco” (objeto ou móvel sem encosto que é utilizado para se assentar).

Portanto, a reciclagem para fins de comunicação, inclusive normativa (como devemos entender), constitui-se como um dogma. Contudo, um dogma não consegue esgotar e encerrar o significado a ponto de torná-lo como uma verdade absoluta ou imutável, mas sim como um conceito ou ideia aceita.

Por essa razão, a compreensão de um dogma está atrelada à mecanismos de interpretação para se definir o alcance de seu significado. Acompanha, por assim dizer, um substrato valorativo, histórico, sociológico, econômico e cultural, que admite a compreensão crítica e reflexiva, a ponto de ser entendido ou mesmo ressignificado.

Numa visão utilitarista e econômica, a reciclagem aponta para um maior grau de resposta na relação custo/benefício do processo produtivo, na medida em que, na cadeia produtiva, se expurga todo custo operacional de extração de matéria-prima, ou seja, diminui o gasto com energia, tempo e trabalho.

Contudo, mesmo sendo claro os ganhos qualitativos, quantitativamente ainda é muito reduzido, o que impacta negativamente e compromete o equilíbrio químico e biológico do meio ambiente e, via de consequência, a qualidade de vida humana e animal.  Segundo dados do Fundo Mundial para a Natureza (WWF), em análise dos anos de 2018/2019, o Brasil produziu 11.355.220 toneladas de lixo plástico descartado em resíduos sólidos urbanos, resíduos industriais, resíduos de construção, lixo eletrônico e resíduos agrícolas, na fabricação de produtos. Desse total, apenas 145.043 toneladas voltaram para a cadeia de produção secundária, ressignificando o lixo em matéria prima. Em termos percentuais, apenas 1,28% representa o quantitativo reciclado, sendo que a média mundial, ainda muito baixa, é de 9%.

Embora o estudo realizado tenha como foco o lixo plástico, em relação a outros materiais a situação não é muito diferente. No pior cenário, o desperdício alimentar é da ordem de 30% no Brasil, sendo um dos países que mais produz alimentos no mundo, mas que guarda consigo a lastimável condição de fome e insegurança alimentar à grande parte de sua população.

Na realidade, a cultura do desperdício ainda é maior do que a cultura da reciclagem. E o meio de reverter essa situação é reciclar a cultura. Esse é o fundamento de importância para a definição do Dia Mundial de Reciclagem, que conduz formação de uma cultura de cuidado a partir da leitura do meio ambiente como valor humano.

Entender a cultura como uma prática humana transformadora da realidade material e espiritual, eleva a esperança de compreender que os impactos ambientais provocados pelo homem têm vertente negativa, mas também pode ser positiva. Nesse ponto, a promoção de uma ética ambiental emerge como necessidade de aperfeiçoamento humano, no sentido de impor moralmente uma mudança comportamental.

Reciclar a cultura significa mudar as práticas pela pauta de proteção ao meio ambiente como valor material humano, cujo processo somente pode ser alcançado pela Educação Ambiental.

É essa a missão do Movimento Ecos: “apoiar e incentivar a disseminação e a multiplicação da Educação Ambiental por meio de ações socioculturais e socioambientais nas instituições de ensino básico, promovendo uma programação diversificada e participativa”, no sentido de inserir a juventude como protagonista efetiva de construção de uma ética ambiental.

Reciclar a cultura do desperdício significa mudar o foco de entendimento: que o lixo descartado pode ser convertido em recurso de produção; que podemos juntos construir ações positivas de combate ao desperdício, tornar a comunidade no entorno mais comprometida com as causas ambientais, que impactam diretamente a sua qualidade de vida; que é possível diminuir conflitos sociais e, sobretudo, construir uma justiça socioambiental.

E, assim, acreditando que formar uma ideia aceita, um dogma, de que JUNTOS PODEMOS, sairemos convictos de nossa corresponsabilidade nessa necessária transformação.