O oeste da Bahia foi declarado oficialmente em estado de emergência fitossanitária em relação à lagarta Helicoverpa armigera. O anúncio foi feito no dia 4 de novembro pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Para combater a lagarta, no dia 7 de novembro, o Mapa publicou a portaria 1109, na qual permite a importação da substância benzoato de emamectina, agrotóxico até agora proibido no Brasil.
Matéria publicada no jornal Valor Econômico, dia 31 de outubro, mostrava que o governo e a iniciativa privada estão em discussão de uma reformulação completa do rito de análise, autorização e uso de agrotóxicos no país. O Valor informa ainda que a Casa Civil entrou nas discussões que envolvem questões como a pulverização aérea e a importação de defensivos não aprovados no Brasil. Procurada pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), a Casa Civil não quis se pronunciar.
Esta liberação só foi permita por conta da Lei nº 12.873/13, de 24 de outubro deste ano, e do Decreto nº 8.133, de 28 de outubro. Ambos prevêem a liberação de agrotóxicos ainda não aprovados no Brasil e o uso dessas substâncias para outra finalidade daquela aprovada anteriormente, em casos de emergência fitossanitária ou zoossanitária, como o caso apontado acima, que aconteceu uma semana depois.
Preocupação
Estas iniciativas foram motivos de preocupação de diversas entidades, entre elas, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia e Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa).
A lei 12873/13, que levou apenas um mês para tramitar na Câmara dos Deputados, no Senado e ter sanção presidencial, traz 64 artigos que tratam de assuntos diversos. Destes, três legislam sobre a autorização do poder do Executivo em declarar estado de emergência fi tossanitária ou zoossanitária e do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa), do Ministério da Agricultura, em anuir com a importação e conceder autorização emergencial temporária de produção, distribuição, comercialização e uso, quando declarado este estado.
O Decreto nº 8.133/13, que regulamenta o artigo 53 da lei, por sua vez, determina que a declaração de estado de emergência fitossanitária ou zoossanitária pode ser feita pelo Ministério da Agricultura, quando, segundo o texto, ‘for constatada situação epidemiológica que indique risco iminente de introdução de doença exótica ou praga quarentenária ausente no país, ou haja risco de surto ou epidemia de doença ou praga agropecuária já existente.
“O que mais chama a atenção nestes artigos e depois no decreto é que eles atribuem certos poderes ao Ministério da Agricultura em situação de emergência, mas não explicam quais situações são estas”, destaca Cleber Folgado, diretor executivo da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, que completa: “Não é a primeira vez que eles passam ou tentam passar projeto com a mesma estratégia, misturando esse tema num bolo de assuntos que não tem nada a ver”.
O líder da Frente Parlamentar da Agropecuária e deputado federal, Valdir Colatto (PMDB/SC), explica que a intenção com a aprovação desta lei e decreto é evitar prejuízos como os contabilizados no ano passado, que, segundo ele, somam R$ 10 bilhões.
“Esse ano estamos com plantio de novo e sofremos o risco de multiplicar esse prejuízo. A não ser importando um produto aprovado lá fora e que se possa aplicar com alguma segurança possível para que a gente possa controlar as pragas em situação de emergência, que é a finalidade do decreto 8133/13”, explica o deputado. Flávia Londres, uma das coordenadoras da AS-PTA, contesta a situação de relevância, uma vez que a plantação será para assegurar a exportação.
“Estamos falando de colocar em perigo a saúde humana e ambiental em benefício de um grupo de empresas que plantam soja, milho e algodão com a intenção de exportação.Não estamos falando de riscos de falta de suprimento para alimentar o país”, lembrou Flávia. Atualmente, 70% dos alimentos consumidos no país são produzidos pela agricultura familiar. De acordo com o Censo agropecuário do IBGE, apenas 20% das pequenas propriedades usam agrotóxico.
Emergência?
O chefe da divisão da Inspeção e Fiscalização de Insumos Agrícolas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Luis Rangel, alega que estas iniciativas foram acordadas junto à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
“Todo esse tema e a regulamentação foi amplamente discutida com os Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente e só agiremos desta forma em caso de emergência. O Mapa vai fazer uma avaliação criteriosa dos casos, não talvez com profundidade de uma avaliação completa de registro – nem se esperaria isso, já que estamos falando de uma medida emergencial – mas baseados em parâmetros internacionais e em países com os quais o Brasil tem uma equivalência em termos de legislação”, explica.
Os agrotóxicos importados nesta ocasião deverão ser aprovados em países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que adotem, nos respectivos âmbitos, o International Code of Conduct on the Distribution and Use of Pesticides da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
De acordo com Rangel, o oeste da Bahia já tinha um mapeamento da situação desde o começo do ano, quando a lagarta helicoverpa se mostrou muito agressiva e acabou expandindo para outras culturas. Ele aponta ainda que estados como o Mato Grosso, Piauí e Goiás estão preparando suas declarações para que o Governo Federal reconheça o estado de emergência.
A avaliação da ASPTA é de que o decreto estabelece poucos critérios e nenhum parâmetro objetivo para a determinação, pelo Mapa, de uma situação de emergência. O texto apresenta ainda que o estado de emergência terá duração de um ano, mas poderá ser prorrogado, por igual período, quando for necessário.
“O temporário pode facilmente se tornar permanente”, avalia Flávia Londres, da ASPTA. Para Luis Rangel, a falta de clareza é uma estratégia que leva em consideração diferentes cenários que podem simbolizar o caráter de emergência. “Deixar critérios claros em situação de emergência e com legislações tão complexas como lei e decreto não é uma estratégia muito inteligente. Para evitar o anseio dos movimentos sociais de que o Mapa utilize isso de maneira indevida, estamos equilibrando nossas ações quando trabalhamos em parceria com a Embrapa, que tratou das questões técnicas e científicas que embasaram todos os critérios para a determinação da emergência”, explica,acrescentando: “Os agrotóxicos não são o fim dessas estratégias, eles são uma ferramenta para um grande plano de emergência”, explica.
Fonte: Brasil de fato
Laísa Mangelli