O Cerrado é fundamental para a sobrevivência mundial


Foto: Elza Fiúza / Abr

Berço de três bacias hidrográficas que abastecem de água praticamente todo o país, a maior savana da América do Sul cobre 25% do território brasileiro e abriga 30% da biodiversidade brasileira, mas vem sofrendo com a perda de sua vegetação nativa. Nos últimos dez anos, o Cerrado obteve as maiores taxas de desmatamento do País. A cada minuto é desmatada uma área equivalente a quase dois campos de futebol (7.408 km²/ano, Prodes Cerrado, 2017). Apesar de vários alertas, esse cenário demorou a ser visto como um problema.

desmatamento ganhou escala na década de 1970, quando a ocupação da região passou a ser incentivada pelo governo e com o desenvolvimento de tecnologias adaptadas ao contexto do Cerrado. Com muitas áreas planas, estrategicamente localizadas no coração do país e vendidas a preços atrativos, o bioma foi sendo visto como ideal para a expansão da agropecuária, rumo ao norte-nordeste do país.

As políticas que estimulam o avanço da produção de soja e pecuária continuam no Mato Grosso e, principalmente, na região denominada Matopiba, na confluência dos estados do MaranhãoTocantinsPiauí e Bahia.

Essa região viu aproximadamente 2,08 milhões de hectares de Cerrado desaparecer e dar lugar à soja que obteve um crescimento de 253% entre 2000 e 2014 nesses estados, segundo o relatório “A expansão da soja no Cerrado – Caminhos para a ocupação territorial, uso do solo e produção sustentável” da Agroicone/INPUT, publicado em 2016. O documento aponta que a maior parte dessa expansão ocorreu sobre vegetação nativa.

Patrimônio dos brasileiros

Não faltam elementos para reconhecer a importância e a urgência de proteger o Cerrado, por outro lado, ele está em desvantagem. Sem o título de Patrimônio Nacional pela Constituição Federal, como já obtido por outros ecossistemas do Brasil, as políticas de conservação do bioma também não são implementadas, ou faltam políticas.

vegetação do Cerrado marcada pelos campos naturais, formações arbustivas e com regiões de mata fechada, por muito tempo não foi considerada floresta – e a legislação protegia somente florestas tradicionais. Foi a partir do Código Florestal de 1965 que o termo ‘vegetação natural’ passou a ser usado, e o Cerrado só apareceu explicitamente no texto em 1989, quando foi aprovada uma lei que modificava o Códigopara incluir o bioma. E, ainda, no novo Código Florestal, aprovado em 2012, o Cerrado continua menos protegido que outros biomas. Esta lei exige uma área de 20% a 35% de área nativa em propriedades rurais do Cerrado, enquanto a regra é de 80% para o bioma Amazônico.

Recente pesquisa do IBOPE Inteligência encomendada e divulgada pelo WWF-Brasil sobre o que o brasileiro pensa sobre as áreas protegidas e o meio ambiente mostra que, em 2018, o desmatamento e a poluição das águas continuam sendo vistos como as principais ameaças ao meio ambiente, com 27% e 26% de menções, respectivamente. Segundo a pesquisa, nove entre dez brasileiros acreditam que a natureza não está sendo protegida de forma adequada, com 91% dos entrevistados demonstrando essa percepção.

Soluções

Parte do sucesso na diminuição do desmatamento da Amazônia aconteceu graças ao sistema de monitoramento do desmatamento por satélite. E a boa notícia é que em junho deste ano, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Ciência e Tecnologia/INPE lançaram uma ferramenta similar – o Prodes Cerrado. O bioma passa a ser acompanhado periodicamente, com divulgação oficial de dados do desmatamento anual.

O coordenador do programa de Agricultura e Alimentos do WWF-Brasil, Edegar Rosa, lembra do esforço de diversas organizações da sociedade civil e de empresas do ramo alimentício que garantiram um compromisso Público da Pecuária e uma Moratória de Soja na Amazônia, por exemplo. Ele defende ser essencial repensar o modelo de desenvolvimento para o Cerrado e frear o desmatamento. E há caminhos para isso.

Rosa acredita que um desses caminhos está nas mãos do mercado e a mensagem é clara: “é preciso que as empresas cujas matérias-primas vem de biomas ameaçados como o Cerrado, assim como os investidores que atuam nesses setores, adotem políticas e compromissos eficazes para eliminar o desmatamento e desvincular suas cadeias produtivas de áreas recentemente desmatadas”.

Edegar Rosa lembra, ainda, que todas as informações disponíveis hoje comprovam que podemos atender a demanda crescente por commodities (em especial carne e soja, que usam a maior área do bioma para produção) sem converter áreas de vegetação nativa.

“Temos um estoque de áreas de pastagem altamente degradadas no bioma que precisam ser melhor utilizadas, e não seguir convertendo novas áreas desnecessariamente”, declara.

Por isso, o WWF-Brasil dialoga com a sociedade, o governo e o setor privado de maneira a engajá-los no Pacto pelo desmatamento zero do Cerrado.

“O que desejo para esse 11 de setembro, Dia do Cerrado, é um compromisso claro entre todos os atores das cadeias de produção e consumo que impactam o bioma, principalmente da soja e da carne. A expansão agropecuária no Cerrado não pode continuar acontecendo a partir da destruição de ecossistemas naturais. A savana mais biodiversa do planeta, motor de um dos pilares da economia do Brasil, tem que sair da invisibilidade. Ainda há tempo de salvar o Cerrado, mas precisamos agir agora”, finaliza Edegar Rosa.

IHU