Diálogo bíblico sobre mudanças climáticas


Foto: EBC

“Continuamos distraídos com a violência sem sentido, a arrogância, a presunção e as ameaças à vida no Salão Oval. Antes de entrarmos em confrontos, vamos dar uma olhada nessas distrações, que são incompreensíveis. Chegamos aqui com sentimentos muito confusos. O maior problema que enfrentamos é a mudança climática. Ela se transformará em guerras de raça e classe. Muitas pessoas inocentes, até mesmo os ricos, perderão suas vidas”, escreve Donna Schaper, ministra da Judson Memorial Churchem Nova York, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 03-12-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.

Além de ministra, Donna Schaper é autora de vários livros Seu último livro, Never Enough Time: A Practical and Spiritual Guide [Nunca o Tempo Suficiente: Um Guia Prático e Espiritual, em tradução livre] (Ed. Rowman & Littlefield), sugere que as pessoas enfrentem as “carestias de tempo”, reorganizando suas prioridades e mudando a maneira como pensam, mesmo que não possam mudar sua condição.

Eis o texto.

O pastor presbiteriano Rev. Eugene Peterson, que morreu em outubro em sua casa em Montana, dedicou muitos esforços para sua popular releitura bíblica chamada The Message [A Mensagem, em tradução livre], uma tradução da Bíblia de modo tão vernacular quanto ele poderia fazer.

O Rev. Peterson escreveu The Message para dois públicos: pessoas que não conheciam a Bíblia, e pessoas que estão tão cansadas de ouvir que já não escutam.

Dez anos atrás fiz um curso com Peterson no Collegeville Institute em Minnesota. Ele nos orientou a transpor uma passagem bíblica para uma questão diária. Se fôssemos falar sobre a mudança climática hoje ao modo de Peterson, através de um texto antigo de Isaías, seria esse um possível caminho a ser seguido:

Primeiro, leia a passagem de Isaías (57:16-19) em sua antiga língua:

“…As mesmas pessoas que eu criei.
Fiquei enfurecido com sua ganância pecaminosa.
Eu os castiguei e ao mesmo tempo escondi minha face raivosa.
Ainda assim eles continuaram com as maneiras.
Eu vi seus caminhos e vou curá-los.
Eu os guiarei e trarei o conforto aos que choram em Israel,
farei brotar de seus lábios este louvor:
‘Paz, paz para todos, para os que estão longe e para os que estão perto’,
diz o Senhor. ‘E Eu vou curá-los'”.

A seguir, uma possível releitura:

“Você estragou tudo. E então, você estragou tudo novamente. Depois, você começou a acreditar que tudo estava uma bagunça. Então você começou a acreditar que outras pessoas estavam erradas. Você colocou pensamentos negativos no universo, um atrás do outro, o que realmente me deixou irritado. Eu criei você, Eu fiz você, Eu queria me divertir junto de você. Em vez disso, vejo choro, impotência e fragilidade. Eu poderia ir embora e simplesmente deixar você se encolhendo pelos cantos. Mas em vez disso Eu vou surpreender você. Não vou ter raiva de você, assim como você sempre quis que Eu tivesse. Vou te dar outra chance de ser pacífico. Irei restaurar o louvor que cessou em teus lábios. Eu vou fazê-lo agradecer novamente. Talvez somente assim você irá vencer alguma batalha pelo meu povo”.

Não precisamos que a Bíblia nos diga o quão perturbados nós – e Deus -, somos. O maior problema hoje é o fato de não estarmos focados no que realmente importa. Continuamos distraídos com a violência sem sentido, a arrogância, a presunção e as ameaças à vida no Salão Oval. Antes de entrarmos em confrontos, vamos dar uma olhada nessas distrações, que são incompreensíveis. Chegamos aqui com sentimentos muito confusos.

O maior problema que enfrentamos é a mudança climática. Ela se transformará em guerras de raça e classe. Muitas pessoas inocentes, até mesmo os ricos, perderão suas vidas.

Ignorar isso é estupidez. Então, devemos estar mais conscientes.

Por que as pessoas permitiram que o clima se tornasse um problema e não algo que fosse agradável? Por causa de nossos próprios sistemas de dominação.

Pensamos que a terra era nossa e que deveríamos dominá-la. Por que? Por que as antigas mitologias desmoronaram. Por que as mitologias antigas ruíram? Por acaso se deve ao fato de que Eva comeu a maçã? Acho que não.

Quando você tenta deixar de lado os atritos e foca no bem comum, pode ganhar fôlego para lutar por uma boa causa. É no meio dessas tentativas, erros e acertos, que avançamos. Devemos deixar nossa mente nos surpreender.

O Deus que poderia ter punido, mas ao invés disso, amou, a partir da passagem de Isaías, vemos que foi Ele que enviou Jesus, aquele que não se deixou levar pelo orgulho e pelo poder, e não se aliou aos sistemas de dominação. Ele se alinhou com aqueles que eram oprimidos pelos sistemas dominantes.

Não é curioso que os humanos possam ser tão cruéis a ponto de tentar dominar um Deus enfraquecido? Isso me lembra a frase de “Hallelujah”, de Leonard Cohen, onde pergunta: “Como atirar em alguém que já deixou a batalha?” [do original, “how to shoot somebody who outdrew ya?”, ndt]. Deus já nos deixou há muito tempo, recusando ser o dominador, grande e malvado. Deus defendeu os que são mais fragilizados.

Nossa grandeza poderia ser recíproca. Se parássemos de tentar dominar a Deus e, em vez disso, o amássemos e o louvássemos, poderíamos encontrar o caminho para a coragem de proteger o sol, o vento, a chuva, as nuvens – e até nós mesmos.

IHU