O povo indígena Pataxó Hã-hã-hãe está entre as comunidades atingidas pelo rompimento da barragem em Brumadinho. Quatro dias após mais esse crime cometido pela mineradora Vale, seguimos em direção à aldeia Naô Xohã, localizada a 22 quilômetros da barragem.
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Fomos recebidos pelo Cacique Hayô Pataxó Hã-hã-hãe e pela Vice-Cacique Werymerry Pataxó Hã-hã-hãe. O semblante das duas lideranças revelava que a situação das 12 famílias que moram ali é preocupante. O trecho do Rio Paraopeba que passa ao lado da aldeia está contaminado com rejeitos da Vale e por isso os indígenas não podem usá-lo para pescar e tomar banho.
“O primeiro momento foi de desespero porque já aconteceu outra tragédia desse nível antes e todos nós podemos ver as consequências disso”, conta a vice-cacique. “Então nós pegamos as pessoas mais frágeis da nossa aldeia e levamos pro topo mais alto até entender qual era a real situação. Eu me senti impotente, porque as vidas que estão na aldeia dependem da gente, então como liderança fiquei meio perdida”. Há sete grávidas, dois idosos e 19 crianças na aldeia atualmente.
Antônia Remunganha, com 88 anos, é a indígena mais velha da comunidade. Sentada em um banquinho de madeira na entrada de sua oca, ela lamentava os últimos acontecimentos. “Isso foi uma tragédia muito dolorosa. Só o tanto de gente que morreu, os peixinhos que a gente pegava pra comer… Hoje ninguém pode pegar um peixe pra comer. O rio virou uma lama. O que será de nós?”.
Na margem do rio Paraopeba, o cheiro de peixe morto me causou náusea. Para amenizar o forte odor e evitar a proliferação de mosquitos, os indígenas estão enterrando os peixes. Sem sua principal fonte de alimento e abastecimento hídrico, eles passaram a depender de doações. Jorge Luiz de Paula, coordenador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) que chegou na aldeia um pouco depois da equipe do Greenpeace, ainda buscava formas de prestar assistência imediata aos Hã-hã-hãe. “Estamos aqui buscando encontrar alternativas. Inicialmente, pelo voluntariado, que é onde já existe disponibilidade de recursos”, ele disse. Até o dia da nossa visita, a Vale ainda não havia entrado em contato com a comunidade.
Werrymery me mostrou duas garrafas com amostras da água do rio. Uma coletada logo que souberam do rompimento, quando a lama tóxica ainda não havia chegado à aldeia, e a outra, dois dias depois, quando os rejeitos atingiram esse ponto do rio. O contraste de cor é grande, variando de um quase cristalino a um marrom terroso.
“A terra está vomitando, então ela não está bem. Tudo que destrói a natureza destrói a si mesmo”, ela disse, ressaltando a importância daquele corpo d’água para a comunidade. “A nossa relação com o rio é muito especial porque os pataxós surgiram de uma gota de água que caiu na terra”.
Dor de cabeça antiga
Os problemas causados pela Vale começaram bem antes da tragédia de sexta-feira. Seis meses atrás, os Hã-hã-hãe já haviam percebido que rejeitos estavam contaminando o rio, porque notaram uma pequena mortandade de peixes. Na época, procuraram a Vale, que prometeu que não lavaria mais os caminhões que carregam minérios próximo ao rio.
“Não demorou nada, veio a barragem para destruir de novo”, lamenta o cacique.
Ele vê com preocupação a proposta do novo governo de permitir a mineração em Terras Indígenas, especialmente quando fica clara a falta de transparência e cumprimento de regras de segurança por parte das mineradoras. “Temos que ter respeito à natureza e dizer ‘não’ à mineradora”, ele defende.
Na língua pataxó, Naô Xohã significa “Espírito guerreiro”. Ao partirmos da aldeia, tive a certeza de que os pataxó lutarão até o fim pela preservação de seu povo e seu território. Porque, como me disse o cacique Hayô, “Sendo um povo pataxó, sem a natureza nós não somos um povo pataxó”.
Mariana Campos/ Greenpeace Brasil