Por Leandro Queiroz Gonçalves*
O termo flexibilização, em matéria de regulamentação ambiental, remete à ideia de afrouxamento e enfraquecimento, o que implica em desregulamentação e menor proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
É comum que se correlacione a ideia de flexibilização, ainda, à desburocratização, de forma equivocada, pois o incremento do aparato burocrático não se vincula, necessariamente, à ideia de maior ou menor proteção legislativa ao meio ambiente.
A desburocratização, contudo, é um importante substrato para que se consiga o apoio político necessário à flexibilização da legislação ambiental, embora a finalidade da flexibilização não seja propriamente a redução dos entraves burocráticos existentes, sobretudo, nos processos de licenciamento ambiental. Pelo contrário, a redução desses entraves exige a realização de investimentos em material humano e equipamentos necessários à melhoria dos órgãos de fiscalização ambiental.
O fato é que, a pretexto de se atribuir maior celeridade aos procedimentos de licenciamento ambiental, os empreendedores que se sujeitam ao referido procedimento buscam maior flexibilização da legislação ambiental e, utilizando-se do poder econômico, incutem no sistema de proteção ao meio ambiente a preocupação com questões alheias a ele, como o lucro e a geração de empregos.
Ocorre, então, uma verdadeira inversão do desenvolvimento sustentável, pelo qual o crescimento econômico deve ser compatível com a preservação do meio ambiente, na medida em que instituições criadas para lidarem com a proteção do meio ambiente passam a sofrer interferências da linguagem de mercado e, com isso, passam a operar a favor dele.
O que se verifica é que, ao contrário de ocorrer interferências mútuas entre os sistemas econômico e político, de modo que ambos se aperfeiçoem, o sistema econômico passa a se sobrepor ao sistema político que, por sua vez, passa a servir de instrumento daquele, levando ao que se denomina “corrupção sistêmica”.
Essa interferência nociva pode ser constatada quando se analisa propostas como a reunião do Ministério do Meio Ambiente ao da Agricultura, no âmbito do Poder Executivo Federal, que se repetiu no Estado de Minas Gerais com a sugestão de reunião das pastas do Meio Ambiente e da Agricultura, embora referidas pastas lidem com questões distintas, quando não opostas.
Do mesmo modo, observa-se evidente interferência do Poder Econômico na legislação ambiental com a tentativa de reedição da Medida Provisória nº 867/18, que flexibiliza regras do Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), ao prorrogar para 31 de dezembro de 2019 o prazo para a adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), com possibilidade de nova prorrogação por igual período, pelo Chefe do Poder Executivo, bem como prevê como marco temporal para a anistia em recuperar áreas desmatadas até o ano 1989, no caso do Cerrado, e o ano 2000, para a Caatinga, Pampa e Pantanal.
Além das medidas adotadas na flexibilização da legislação ambiental, verifica-se a adoção de estratégias ainda mais eficazes no afrouxamento da fiscalização àqueles que degradam o meio ambiente com a desarticulação de órgãos ambientais e retirada de recursos, o que implica, na prática, na permissividade em relação a condutas que violam equilíbrio ambiental.
Estabelece-se, assim, a equivocada premissa no sentido que a preservação do meio ambiente e o investimento na melhoria da qualidade de vida do ser humano constituem obstáculos ao crescimento econômico, privilegiando-se a ideia de desenvolvimento como crescimento do Produto Interno Bruto e não como a garantia de um piso vital mínimo que compreenda o direito à educação, à saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência e assistência social, além de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, sem o qual tais direitos não subsistem.
Flexibilizar a legislação ambiental equivale a retroceder em termos de proteção à sadia qualidade de vida do ser humano, em uma análise ampla. É a sobreposição do interesse individual imediato e o esquecimento da finitude do ser humano em relação à grandiosidade do universo.
*Leandro Queiroz Gonçalves – Mestrando em Direito Ambiental pela Escola Superior Dom Hélder Câmara; Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Assessor Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.