Será que teremos que escolher um dia entre florestas, terras agrícolas e cultivo para produzir biocombustíveis? A luta contra o aquecimento global pode causar uma mudança radical no uso da terra, com o risco de uma maior competição pelo seu uso.
Especialistas que falavam até pouco tempo atrás de possíveis cenários que beneficiam todos os usos da terra preferem hoje se referir a “compromissos” a serem tomados no contexto da mudança climática.
O assunto do uso das terras está no centro do encontro do Grupo Intergovernamental de especialistas da ONU sobre a Mudança Climática (IPCC) que é realizado até hoje (6) em Genebra.
Eles devem concluir um novo informe temático, que será aprovado pelos Estados-membros do IPCC.
Em seu informe de outubro de 2018, o IPCC propôs vários cenários para estabilizar o aquecimento em 1,5 graus. A maioria deles incluíam procedimentos de absorção do CO2, em particular em solos e florestas. É provável que a simples redução da emissão de gases de efeito estufa não seja suficiente.
Uma hipótese seria dedicar grandes superfícies de terras cultiváveis à implementação de bioenergias com captura e armazenamento de carbono. Esta técnica consiste em cultivar plantas para biocombustíveis. Quando crescem, absorvem CO2, que depois é capturado quando o biocombustível se transforma em energia.
Outro projeto, proposto pelos pesquisadores, consistiria em plantar bilhões de árvores para armazenar o CO2. “Atualmente a restauração das florestas é a melhor solução para a mudança climática”, destaca Tom Crowther, professor da Universidade ETH de Zurique.
“Se agirmos hoje, isso poderia reduzir o dióxido de carbono na atmosfera até 25%, aos níveis de quase um século atrás”, acrescenta.
A Etiópia, por exemplo, pretende plantar 4 bilhões de árvores antes de outubro para promover o reflorestamento, com o objetivo de lutar contra o aquecimento global e proteger os recursos naturais.
Preservar as terras cultiváveis
A hipótese de um reflorestamento maciço suscita críticas. As árvores podem necessitar décadas para alcançar sua capacidade máxima de absorção de CO2.
Outras vozes se opõem à promoção de uma solução em princípio bastante simples, que poderia minar os esforços para reduzir a dependência da economia mundial dos combustíveis fósseis.
“Um reflorestamento heroico pode ajudar, mas é hora de deixar de sugerir que existe ‘uma solução baseada na natureza’ para o uso atual de combustíveis fósseis. Não há”, adverte Myles Allen, professor da Universidade de Oxford.
O assunto está também em saber quais terras utilizar. “Isso pode parecer uma boa ideia, mas plantar árvores na savana ou nas pradarias seria prejudicial”, especialmente para as espécies que vivem nela, segundo Kate Parr e Caroline Lehmann, das universidades de Liverpool e Edimburgo.
Um tema crucial é evidentemente conservar terras cultiváveis o suficiente para alimentar uma população mundial cada vez maior.
Alimentar 9,8 bilhões de pessoas em 2050 requererá, em um cenário baseado em nossos hábitos alimentares atuais, “56% mais comida em comparação com 2010”, estimou Fred Stolle, coautor de um informe sobre o assunto.
“Para isso seria necessário uma superfície de quase seis milhões de km quadrados, que seriam desmatados para dedicá-los à agricultura”, dois terços à pecuária e um terço aos cultivos, disse.
Mas o sistema alimentar atual, que ajudou a reduzir a fome no mundo, já não é sustentável, adverte Fred Stolle, que trabalha para a ONG World Resources Institute. A agricultura representa entre 25% e 30% das emissões de gases de efeito estufa.
“Devemos adotar um regime saudável, baseado nas plantas, reduzir o desperdício alimentar”, acrescenta Johan Rockstrom, ex-diretor do Instituto de Pesquisa Climática de Potsman (Alemanha).
AFP