“Estima-se que menos da metade dos municípios brasileiros entregou o plano de saneamento, quase nove anos após a lei entrar em vigor”, informa o presidente do Instituto Trata Brasil.
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Apesar de a Lei do Saneamento Básico ter garantido uma “evolução” do saneamento básico no Brasil, se a situação continuar como está, “poucas metas serão cumpridas até 2033, como universalizar a coleta e o tratamento dos esgotos em todo o país. Com os atuais ritmos de investimentos e de execução das obras, dificilmente teremos força para cumprir com o que foi firmado”, diz Édison Carlos àIHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail.
Na avaliação do presidente do Instituto Trata Brasil, um dos problemas centrais da Lei de Saneamento Básico é que ela não determina “prazos específicos para os municípios atenderem a requisitos importantes, como a entrega dos Planos Municipais de Saneamento Básico e a Regulação dos Serviços”. Os prazos, explica, “estão sendo colocados via Decretos e sendo postergados à medida que o Governo Federal é pressionado pelos municípios”.
Segundo Édison Carlos, dados de 2013 demonstram que “apenas 12% dos grandes municípios haviam apresentado um plano completo de saneamento” até essa data. Ele pontua ainda que a falta de coleta e tratamento dos esgotos e a redução das perdas de água potável nos sistemas de distribuição continuam sendo os principais pontos a serem resolvidos para atingir as metas de universalização dos serviços de saneamento. “São mais de 100 milhões de brasileiros vivendo sem os serviços de coleta dos esgotos e menos de 40% dos nossos esgotos são tratados, sendo despejados de maneira irregular nos rios, córregos e praias; 37% da água potável é perdida em vazamentos, roubos ou medidores irregulares. Estes elementos são essenciais, pois não só o esgoto para de ser um grande contaminante ambiental, como se tornam preventivos claros de doenças de veiculação hídrica, como a hepatite A, diarreia, verminose e até mesmo os atuais vírus Zika e Chikungunya. É uma questão de saúde pública, investimentos com saneamento evitam gastos com a saúde”.
Édison Carlos é químico industrial graduado pelas Faculdades Oswaldo Cruz e pós-graduado em Comunicação Estratégica. Atuou por quase 20 anos em várias posições no Grupo Solvay, sendo que, nos últimos anos, foi responsável pela área de Comunicação e Assuntos Corporativos da Solvay Indupa.
Confira a entrevista.
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IHU On-Line – Que balanço é possível fazer dos nove anos da Lei do Saneamento básico no país?
Édison Carlos – O saneamento básico evoluiu no Brasil de 2007 para cá, é visível, ganhamos muito com a sanção da 11.445/2007, que traz as diretrizes para o setor. A criação de um Ministério para cuidar especificamente do saneamento básico foi importantíssima, que no caso foi o Ministério das Cidades. A partir de então entendemos que a titularidade dos serviços está nas mãos dos prefeitos, cabe a eles definir quem irá operar na cidade, se será uma empresa estadual, privada ou uma autarquia municipal, lutar pelas metas e prazos, eficiência etc. Tal decisão facilitou entendermos quem são os responsáveis e a quem devemos cobrar, obviamente nunca eximindo os governos estaduais e o federal para que o saneamento avance no país.
O Plano Nacional de Saneamento Básico – Plansab trouxe metas, uma delas, inclusive, coloca um prazo de 20 anos (2012-2033) para que o saneamento seja universalizado em todo o país. Os recursos do PAC para obras de saneamento também ganharam força a partir de 2007, no entanto não podemos achar em hipótese alguma que viramos o jogo. As decisões de 2007 para cá trouxeram resultados positivos, mas colocaram mais pressão para que nós possamos sair desta situação de vergonha que nos encontramos há décadas. Infelizmente, a continuar como está, poucas metas serão cumpridas até 2033, como universalizar a coleta e o tratamento dos esgotos em todo o país. Com os atuais ritmos de investimentos e de execução das obras, dificilmente teremos força para cumprir com o que foi firmado.
IHU On-Line – Que questões são mais urgentes e essenciais de serem tratadas quando se discute o saneamento básico no Brasil?
Édison Carlos – Sem dúvidas a falta de coleta e tratamento dos esgotos, bem como a redução das perdas de águapotável nos sistemas de distribuição. São mais de 100 milhões de brasileiros vivendo sem os serviços de coleta dos esgotos e menos de 40% dos nossos esgotos são tratados, sendo despejados de maneira irregular nos rios, córregos e praias; 37% da água potável é perdida em vazamentos, roubos ou medidores irregulares. Estes elementos são essenciais, pois não só o esgoto para de ser um grande contaminante ambiental, como se tornam preventivos claros de doenças de veiculação hídrica, como a hepatite A, diarreia, verminose e até mesmo os atuais vírus Zika eChikungunya. É uma questão de saúde pública, investimentos com saneamento evitam gastos com a saúde.
“Hoje temos centenas de bairros, pobres e ricos, espalhados pelos quatro cantos do país sem uma coleta de esgoto adequada, quiçá o tratamento” |
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IHU On-Line – Por que a coleta e o tratamento do esgoto são sempre os pontos mais críticos quando se fala em saneamento no país? Quais as dificuldades de avançar nesses aspectos?
Édison Carlos – Historicamente são duas vertentes do saneamento básico que pouco ganharam atenção nas décadas passadas. Privilegiou-se o acesso à água tratada e esqueceu-se da coleta e do tratamento. O ponto emblemático disso tudo é que quando você leva água para algum lugar, automaticamente você também está levando esgoto; assim que a água sai da torneira da sua casa, ela vira esgoto. E o que fazer com isso? Hoje temos centenas de bairros, pobres e ricos, espalhados pelos quatro cantos do país sem uma coleta de esgoto adequada, quiçá o tratamento.
As maiores dificuldades estão na vontade política e, hoje mais precisamente, nos entraves burocráticos para se conseguir um investimento público. Para o político em exercício, levantar uma ponte ou construir um hospital dá maispoder eleitoreiro do que soterrar canos. Para o político que busca financiamento público, os recursos são liberados após quase dois anos do pedido, o que torna inviável sanar os problemas de uma cidade. Obviamente, tudo isso passa pela transformação da sociedade, e cabe ao cidadão cobrar pelos seus direitos e tornar isso real na hora das eleições; sem uma consciência política, pouco muda.
IHU On-Line – Segundo o Instituto Trata Brasil, 47% das obras de esgoto do PAC estão em situação inadequada. Que obras são essas? De que modo o atraso das obras repercute num atraso ao acesso ao saneamento básico?
Édison Carlos – São obras espalhadas em municípios acima de 500 mil habitantes, ou seja, cidades que detêm um poder econômico considerável e são importantes para o país. Não estamos falando de municípios pequenos que carecem de corpo técnico e experiência para administrar obras em saneamento. O que sempre vemos nos relatórios do PAC em que divulgamos é que os detentores dos recursos (governos estaduais, municipais e empresas de saneamento estaduais e municipais) têm dificuldade em seguir o cronograma, seja por algum impedimento jurídico ou por incompetência técnica dos contratados para realizar as obras. E o que mais vemos são canteiros de obras nestes grandes municípios, causando transtorno para a população e um desperdício imensurável do dinheiro público, pois geralmente são obras que começam, param e demoram a serem retomadas, gerando um ônus para os cofres públicos.
IHU On-Line – Há uns dois anos foi divulgada uma notícia de que 600 milhões de litros de esgoto são despejados na Bacia do Paraíba do Sul. No final do ano passado, a União e os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais acordaram em realizar uma gestão compartilhada do Rio Paraíba do Sul tendo em vista a transposição para abastecer o Sistema Cantareira. Qual é a situação do Rio em relação ao tratamento do esgoto atualmente?
Édison Carlos – Os últimos dados do Ministério das Cidades por meio do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS 2013, demonstram que o município do Rio de Janeiro tratava apenas 47,18% dos seus esgotos, um pouco mais do que a média brasileira (39%). Ao imaginar que no Rio existem mais de 6 milhões de pessoas, o número é muito baixo. Um dos grandes problemas da capital fluminense são as áreas irregulares, que geralmente são residências construídas em lugares impróprios e que não recebem os serviços públicos, como água e esgoto. Fazem ligações clandestinas e despejam seus esgotos sem nenhum tipo de tratamento nos córregos, caindo diretamente nas praias. É um problema antigo, assim como na cidade de São Paulo, e exige muito recurso e muita vontade política para resolver.
“O que sempre vemos nos relatórios do PAC é que os detentores dos recursos (governos estaduais, municipais e empresas de saneamento estaduais e municipais) têm dificuldade em seguir o cronograma” |
IHU On-Line – É possível estimar que quantidade de esgoto é despejada em rios brasileiros e não é tratada? Quais os rios mais afetados por esse problema?
Édison Carlos – É difícil dizer quais rios sofrem mais, mas certamente os rios urbanos são os mais prejudicados, principalmente de grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Os rios Tietês e Pinheiros recebem uma carga de esgoto diária sem tratamento muito elevada; entende-se que a Região Metropolitana de São Paulo – RMSP possui quase 23 milhões de pessoas, alguns municípios, como Guarulhos, Mogi das Cruzes, Itaquaquecetuba, Osasco,Mauá e outros populosos tratam menos de 25% dos seus esgotos, contribuindo diretamente para com a situação deplorável do Rio Tietê. Mas também podemos citar outros rios poluídos Brasil a fora, como Iguaçu (Paraná), RioParaíba do Sul (SP-RJ-MG), Gravataí (RS) e outros. A Baía de Guanabara está poluída justamente pela chegada ininterrupta de esgotos dos rios que passam pela Baixada Fluminense e outras cidades que praticamente não têm tratamento dos esgotos, sobrecarregando os rios.
IHU On-Line – Que relação estabelece entre a falta de saneamento básico e os problemas de saúde? Em que regiões do país isso é mais frequente?
Édison Carlos – O esgoto precisa ir para algum lugar, e quando ele não tem a estação de tratamento como destino final, ele vai parar em algum lugar mais próximo recheado de contaminantes perigosíssimos para a saúde humana. Muitos bairros brasileiros ainda convivem com valas negras em frente às casas dos moradores e milhares de crianças brincam nas ruas todos os dias, tendo um contato imenso com estas valas.
Outras vezes o esgoto é coletado, mas não é tratado, indo parar na natureza. Isso gera várias complicações não só para a saúde, mas também para o desenvolvimento da criança no geral. Os adultos também são vítimas, tendo muitas vezes problemas gastrintestinais, devido ao contato com o esgoto e a água poluída.
As regiões Norte e Nordeste são as mais afetadas, sem dúvidas, com altos índices de internações por estas doenças de veiculação hídrica; há municípios no Norte que gastam 40 vezes mais com saúde do que cidades com bom saneamento, por exemplo, então dá para ter uma ideia boa do que acontece por lá. E geralmente são localidades que não coletam e não tratam nada dos esgotos; a percentagem é praticamente zero.
IHU On-Line – Os casos de dengue que têm acontecido no país estão de algum modo relacionados com a situação do saneamento básico precário em muitas regiões?
Édison Carlos – A maior parte dos especialistas relaciona mais a dengue com a água limpa acumulada em algum lugar. Outros especialistas dizem que a água suja por esgotos também facilita a proliferação. Todos os especialistas da área da saúde, no entanto, apontam a falta de saneamento como um dos grandes vilões para a proliferação de doenças.
IHU On-Line – Qual é o orçamento federal para o saneamento básico neste ano?
Édison Carlos – Os investimentos vêm da Caixa, FGTS, Ministério das Cidades e dos estados. Não é fácil cravar um número, mas os últimos anos mostram que o Brasil investiu apenas R$ 10 bilhões por ano, quando o necessário seriam R$ 16 bilhões anuais para cumprir com a meta da universalização do saneamento para 2033, como prevê oPlansab.
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“Com dados de entrega dos planos até 2013, 34% das 100 maiores cidades brasileiras ainda não tinham feito o Plano de saneamento” |
IHU On-Line – É possível estimar quantos municípios brasileiros já concluíram seus planos de saneamento básico?
Édison Carlos – No último diagnóstico realizado pelo Trata Brasilem maio de 2014, com dados de entrega dos planos até 2013, 34% das 100 maiores cidades brasileiras ainda não tinham feito o Plano de saneamento, 54% tinham feito um plano que não atendia a todos os requisitos e apenas 12% dos grandes municípios haviam apresentado um plano completo de saneamento. Estima-se que menos da metade dos municípios brasileiros entregou o plano de saneamento, quase nove anos após a lei entrar em vigor.
IHU On-Line – Quais as dificuldades de cumprir o estabelecido na Lei do Saneamento Básico e garantir a universalização dos direitos até 2033?
Édison Carlos – Temos dificuldades de várias ordens: financeiras, de capacitação técnica, de má qualidade de projetos, de vontade política. Precisamos cobrar mais e lutar incessantemente junto aos nossos governantes.
IHU On-Line – Vê a necessidade de aperfeiçoar algum aspecto na Lei do Saneamento Básico?
Édison Carlos – Um dos problemas da Lei é que ela não trouxe prazos específicos para os municípios atenderem a requisitos importantes, como a entrega dos Planos Municipais de Saneamento Básico e a Regulação dos Serviços. Os prazos estão sendo colocados via Decretos e sendo postergados à medida que o governo federal é pressionado pelos municípios.
Por Patricia Fachin
Fonte: IHU